Pesquisar neste blogue

A diversidade na Igreja

"A casa do meu Pai tem muitas moradas", diz-nos Jesus no evangelho.

A unidade na diversidade não é sempre aparente na Igreja enquanto povo de Deus, mas é uma realidade em Deus e uma presença na fé cristã desde a sua origem. A Palavra de Deus não é partidária, elitista e exclusiva. O Reino de Deus é como uma árvore que estende os ramos para dar abrigo a todos os pássaros do céu. Cristo não morreu na cruz para salvar uma mão cheia de cristãos. Até o Deus Uno encerra em si o mistério de uma Trindade.

A Palavra de Deus é inequívoca e só pode levar à desinstalação, à abertura ao outro, e a recebê-lo e amá-lo enquanto irmão ou irmã. Ninguém fica de fora, nem mesmo - se tivessemos - os inimigos.

Muitos cristãos crêem nesta Igreja, nesta casa do Pai, corpo de Cristo, templo do Espírito Santo. Mas como esquecer que muitos se sentem "de fora" por se verem rejeitados, amputados e anulados, e afastam-se por ninguém lhes ter mostrado que há um lugar para cada um, com a totalidade do seu ser?

Um blogue para cristãos homossexuais que não desistiram de ser Igreja

Porquê este blogue?

Este blogue é a partilha de uma vida de fé e é uma porta aberta para quem nela quiser entrar. É um convite para que não desistas: há homossexuais cristãos que não querem recusar nem a sua fé nem a sua sexualidade. É uma confirmação, por experiência vivida, que há um lugar para ti na Igreja. Aceita o desafio de o encontrares!

Este blogue também é teu, e de quem conheças que possa viver na carne sentimentos contraditórios de questões ligadas à fé e à orientação sexual. És benvindo se, mesmo não sendo o teu caso, conheces alguém que viva esta situação ou és um cristão que deseja uma Igreja mais acolhedora onde caiba a reflexão sobre esta e outras realidades.

Partilha, pergunta, propõe: este blogue existe para dar voz a quem normalmente está invisível ou mudo na Igreja, para quem se sente só, diferente e excluído. Este blogue não pretende mudar as mentalidades e as tradições com grande aparato, mas já não seria pouco se pudesse revelar um pouco do insondável Amor de Deus ou se ajudasse alguém a reconciliar-se consigo em Deus.
Mostrar mensagens com a etiqueta . Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta . Mostrar todas as mensagens

sábado, 7 de abril de 2018

Palavras de um monge

Irmão Luc, monge e médico de Tibhirine: «Não tive muito na vida, mas sou feliz»

Paul Dochier, que se tornará irmão Luc, nasceu a 31 de janeiro de 1914, em França. Após os estudos em Medicina, entra, em dezembro de 1941, no mosteiro trapista (Ordem Cisterciense de Estrita Observância) de Aiguebelle.

Em 1946 parte para Tibhirine, na Argélia, onde durante 50 anos, até à sua morte, será responsável por um posto médico daquela região pobre e interior, realizando até 100 consultas por dia.

De 26 para 27 de março de 1996, Luc e os restantes seis membros da comunidade foram raptados, tendo sido encontrados mortos em maio desse ano.

A vida dos monges esteve na base do multipremiado filme “Dos homens e dos deuses”, realizado em 2010 pelo cineasta francês Xavier Beauvois.

Organizada por François Buet, a obra “Frère Luc – Moine et médecin à Tibhirine” (128 pp.), lançada em 2014 pela editora francesa Nouvelle Cité, permite ao leitor conhecer a fecundidade de uma vida aberta ao infinito e fraterna com a comunidade religiosa e a população muçulmana.

Apresentamos um excerto das 15 meditações incluídas no livro, extraído da tradução italiana.

Irmão Luc – Monge e médico em Tibhirine
Ed. Gribaudi (Itália)


Diante de Deus permanecemos na posição de mendigo. Os seus dons são perfeitamente gratuitos. Nenhum esforço e nenhum trabalho exigem uma retribuição da sua parte a título de justiça. Deus não nos deve nada. O mendigo de Deus abandona-se a este arbítrio divino, do qual depende inteiramente. O cristão assumirá a atitude do homem que, «tendo consciência da sua impotência para satisfazer as suas aspirações ao Reino de Deus», fica à procura de Deus em todos os encontros. A vida cristã não é posta em causa por causa de uma prestação bem conseguida. Depende da iniciativa divina. O mendigo de Deus nunca terá a sensação de ter chegado. Incessantemente, avança à procura de Deus. Assim aceitará sem rebelião os seus fracassos espirituais ou outros insucessos. Sem amargura nem adjetivações das suas falhas, o desencorajamento dificilmente o constrangerá. Compreende que a vida espiritual não é apropriar-se da virtude mas abrir-se ao enriquecimento divino. Nenhum método, nenhuma técnica e nenhuma arte nos trazem Deus se não aceitarmos ir com Ele, mendigando-o, e merecer a bem-aventurança «daqueles que têm uma alma de pobre».

A salvação vem-nos dos outros, que são para nós a presença de Deus que chama à vida. Se a fé salva é porque ela desvia o nosso olhar para um outro, e assim cria uma relação que nos arranca da nossa solidão mortal... Cada vez que deixamos a preocupação por nós próprios, substituindo-a pelas preocupações por outro, vivemos esta fé que é, talvez sem o sabermos, fé em Deus: «Perder a própria vida por Cristo»... Recebendo a vida dos outros, reencontramos a nossa verdade originária: não nos demos a nossa vida, querer poupá-la coloca-nos em contradição com a nossa criação. Se se quer ser feliz, vai-se direito à desilusão, à infelicidade. «Se queres ser feliz, torna alguém feliz!» O retorno do dom não depende de nós, e é aqui que se joga a fé, o salto no vazio... Não se trata de acreditar que o outro nos restituirá alguma coisa, que teremos uma recompensa – seria querer salvar a própria vida. Se o outro não responde, não tem nenhuma importância, é no próprio ato de dar que encontramos «a vida». Perder a própria vida: Cristo não existe para si próprio, e é por isto que nós encontramos a nossa salvação existindo para Ele; isto é, para os seus irmãos que são também os nossos.

Alegremo-nos por sermos pecadores, mas pecadores perpetuamente perdoados, perpetuamente levantados para lá do nosso pecado. O que descobrimos nas nossas confissões válidas é que errámos o pecado. A nossa verdadeira culpa não foram estes atos insípidos que nos eram servidos como passatempo; era preciso que enganássemos a nossa fome. A nossa verdadeira culpa foi não termos acreditado verdadeiramente na existência de alguém capaz de aplacar para sempre esta fome, de não ter ousado acreditar num amor que nos dispensasse de todas estas contrafações.

O monge não é alguém que converte – é uma testemunha: testemunha diante de Deus em nome do mundo do qual ele é como que a décima oferenda em holocausto ao Deus soberano, testemunha diante dos homens do primado das obrigações para Deus, da procura de Deus e da vida nele dentro de si. O seu testemunho é eficaz, mas desta eficácia ele não se preocupa, não a procura. Não testemunha, é testemunha pelo próprio facto de ser aquilo que é. O mundo é o que as grandes almas nele fazem, aquelas que, no fundo de si, chegaram até Deus. É realizando a paz em si que se realiza a paz no mundo.   dentro de si que se vencem os poderes das trevas que percorrem o mundo e o dominam.

Deus acompanha-nos para onde quer que vamos, mesmo no nosso vaguear, para nos fazer encontrar o caminho de saída. Deus não é contra nós mas connosco. Deus mesclado em nós para nos conduzir à nossa verdade (Espírito e Verbo) e ao nosso cumprimento. O Espírito é aquele que nos conduz à nossa forma definitiva... O essencial não é ter sucesso segundo os critérios da Terra, mas tornar-se um homem verdadeiro, um homem que sofre, mas repleto de alegria, criador de alegria. Não tive muito na vida, mas sou feliz. Tive a revelação da misericórdia de Deus e da amizade dos homens.

Tradução de Rui Jorge Martins para SNPC

sábado, 24 de março de 2018

A fé traz-nos vida nova

Vivemos num exílio

(...)
A História do Povo de Deus é, muitas vezes, uma história em que ele é escravo, em que ele está no exílio, em que perdeu a sua independência, em que a sua unidade, o seu território eclipsou-se, passou para as mãos de outro. E isso é uma imagem daquilo que acontece realmente na nossa vida. Porque, tantas vezes a chave da nossa casa, a chave do nosso coração, o elmo da nossa liberdade nós entregamos na mão de outro. E não temos essa capacidade. E olhamos para nós: custa-nos reconhecer mas somos fracos, não somos donos de nós mesmos, não fazemos aquilo que sentimos que devemos fazer. Acabamos por viver na espuma daquilo que é mais fácil.

Hoje, esta leitura do livro de Crónicas conta a ida do Povo de Israel para Babilónia. É um retrato chapado daquilo que nos acontece. Nós vivemos em Babilónia, grande parte da nossa vida estamos na Babilónia, não estamos na Terra Prometida, estamos submetidos a poderes que nós não tivemos a força de enfrentar, que nós não tivemos a coragem de dizer “não”. Dizemos um “nim”, tornamo-nos pragmáticos, achamos que conseguimos mas depois não conseguimos.

Por isso, é importante que cada um de nós entre dentro de si e faça um efetivo diagnóstico da sua situação. Porque, não são só os outros que estão no exílio, possivelmente eu também estou no exílio.

Aquilo que Sophia de Mello Breyner diz num poema: “Numa disciplina constante procuro a lei da liberdade medindo o equilíbrio dos meus passos, mas as coisas têm máscaras e véus com que me prendem e se eu um momento detida me esqueço, a força perversa das coisas ata-me os braços e atira-me, prisioneira de ninguém mas só de laços, para o vazio horror das voltas do caminho.” E é verdade, nós andamos assim. Somos prisioneiros de laços que não vemos, não vivemos na nossa terra, vivemos num exílio, numa pátria dividida. Como voltar? A questão da Quaresma, a questão da Páscoa é esta: como voltar a experimentar a liberdade? É possível sendo velho nascer de novo? É possível com todas estas escravidões, esta miséria, sentir um elan de um renascimento, de um rejuvenescimento interior? É possível que a primavera não seja só das tílias da minha rua mas seja também do meu coração, do meu interior? É possível isso?

Hoje a Carta aos Efésios e o próprio Evangelho de João centram-nos na fé, e dizem-nos isto: “Povo de Deus, acredita. Povo de Deus, tem fé.” Que é como dizer: “Maria, José, Manuel, João, Tolentino, Madalena, Duarte tem fé, acredita. Porque a fé é que te dá a capacidade de renascer, de recomeçar.” E este é o tempo para isso, o tempo para descobrir a força que é a fé na minha vida. Porque, não são as obras que nos salvam ou não é a nossa vontade que é tão débil, mas é a fé. Isto é, o acontecimento de Jesus Cristo na vida de cada um de nós determina um ser novo, qualquer que seja o estádio em que a nossa vida esteja. É possível. É possível porque a fé traz-nos ressurreição, a fé traz-nos vida nova. Por isso, temos de fixar os nossos olhos em Jesus. O tempo da Quaresma é um tempo cristológico, que nos enfoca na pessoa de Jesus e neste olhar de amor, de misericórdia que Ele dedica a cada um de nós. Deus está pronto a ir-nos arrancar ao exílio. Deus está pronto a ir-nos buscar ao exílio, Deus está pronto a ir buscar-nos, a arrancar-nos ao sepulcro, Deus está pronto a ir buscar-nos ao silêncio dos infernos, onde tantas vezes nós esgotamos a nossa vida. Deus está pronto a ir arrancar-nos.

E a Páscoa é isto. Um povo pascal o que é? É um povo acordado, é um povo desperto, é um povo que não se conforma a viver no exílio, é um povo que não se conforma à escravidão mas que tem ânsia de liberdade. E é assim: todos nós sabemos o que é isto. Em cada um de nós isto se traduz de uma determinada maneira. Mas agarremos esta oportunidade. A Quaresma é uma oportunidade, é a grande oportunidade para fixar os nossos olhos em Cristo e sentir que a cruz é a alavanca de uma mudança, de uma conversão, de um renascimento, de uma transformação espiritual que pode verdadeiramente acontecer em nós.

Rezemos uns pelos outros, para não ficarmos parados, para não acharmos que já não é para nós, para não acharmos que burro velho já não se converte. Mas pelo contrário, acreditarmos que é possível, para lá dos imbróglios, da frieza, dos muros que nos separam e atravancam a nossa vida e verdadeiramente não nos deixam ser, não nos deixam viver com autenticidade. Para lá disso há uma possibilidade que Deus inaugura para nós – é possível, é possível, é possível! Um homem velho pode nascer de novo? Pode. Digamos isto no fundo do nosso coração e esta certeza nos ajude a dar os pequenos passos da confiança, da procura, da misericórdia, de um caminho de libertação interior. Porque, só assim, naquele domingo em que nós vamos a correr ao sepulcro, nós encontramos um sepulcro vazio. E o sepulcro que é preciso esvaziar é o nosso, é o da nossa própria vida.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo IV da Quaresma
Ver na íntegra em Capela do Rato

quinta-feira, 22 de março de 2018

Job e a fé

Job, encarnação da fé

Santo Anselmo de Cantuária deu a uma sua obra o título de (...) Fé em busca da inteligência. (...). Mas não é esta obra que aqui nos interessa, antes o significado do seu título programático, que define o que é o fundamental da missão de qualquer tentativa de construção (...) de uma vida humana crente que não seja um ato de crendice e de superstição.

Não há ser humano que viva, que possa viver, sem uma qualquer forma de fé, em seu sentido mais básico e fundamental de ato de acreditar em algo interno ou externo a esse que acredita. Sem tal ato, qualquer ser humano não é capaz de qualquer movimento, pois, em nada acreditando – em absoluto –, como agir, se cada possível ato pode ser precisamente esse possível ato que o vai precipitar no nada?

Mesmo o ato de suicídio necessita, para que possa ser cometido, que se acredite numa sua qualquer eficácia. Basta isto para perceber que não há vida humana sem uma forma qualquer de crença, de fé.

A fé que se denomina de teologal assenta também sobre este campo antropológico comum do assentimento à possível bondade qualquer de um possível ato. Só que é, em ato, quando existe mesmo, fundadora de uma relação que não é qualquer, mas entre um ser humano e Deus. Define-se como dom de Deus e como possibilidade de aceitação por parte do ser humano.

Como possibilidade, é dom universal; como aceitabilidade, é também universal; como ato apropriado acontece apenas no seio dos que aceitam tal dom. (...) [A] fé é o fundamento de toda a relação do ser humano com Deus, assim como do ser humano com todos os outros seres humanos e com o restante da criação (...).

Ora, a entidade lógica da história não apenas da humanidade judaico-cristã, mas da humanidade como coisa transcendental, que melhor simboliza a relação de confiança e de fé é Job. Este ser humano incarna o ato de fé como seu paradigma universal – aplica-se não apenas à relação do ser humano com Deus, mas do ser humano com qualquer outra entidade logicamente informada (racional, se se quiser usar este termo restritivo).

Como se sabe, Job é esse que leva o seu ato de acreditar até próximo do seu limite, que seria descrer e, através desta mesma descrença, aniquilar-se. Job é sempre fiel quer a Deus quer à própria relação entre si e Deus quer, ainda, pela relação, a si próprio. Fiel, mesmo quando esse a quem sempre é fiel se manifesta como infiel, assim extremando as condições de possibilidade de manutenção de fidelidade: ser fiel a um Deus que se mostra infiel? Como? Precisamente, através da manutenção da fidelidade a isso a que sempre se foi fiel, na esperança que o objeto da fidelidade volte a corresponder a isso em que o sujeito da fidelidade acreditava, o que acontece, de forma, aliás, impecavelmente lógica.

Ora, Job não incarna apenas a fidelidade, sem mais. Job é e incarnação exata do princípio fundamental que santo Anselmo enuncia: Job é esse que é fiel, mas exige sê-lo na forma da constante refundação lógica da sua fé, na relação com Deus. Por isso, constantemente, exige saber por que razão foi posto a viver como foi, sem que possa reconhecer qualquer mal por si operado que tal justificasse.

Em termos antropológicos e porque precisamente o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus – isto é, não é uma besta, mas um ser matriciado na ontologia de bem de Deus, neste sentido, divinizável porque assim matriciado –, não pode, não pode mesmo, ser um ato de fé irracional, como se de uma besta se tratasse. Job recusa a sua redução à condição bestial e, por isso, clama pela razão da sua fé como resposta ao porquê, por quê e para quê do seu sofrimento.

Deus, sempre fiel, mas finalmente fiel de forma patente na narrativa a Job como este lhe é fiel, acaba por dar razão a Job, isto é, acaba por se justificar junto de Job, de modo tão perfeito quanto Job se tinha justificado perante Deus. Em ato único, Deus desce junto do Homem e tornam-se amigos. Ação espantosa e não menos espantosamente ignorada.

(...) A Teologia ou é um ato de fé em busca da inteligência ou não é coisa alguma, mais do que uma crença vazia, com um objeto ilusório, porque sem relação. A relação é dada pelo ato de inteligência que busca iluminar isso em que se acredita.

Sem inteligência, não há fé, há ilusão de fé, que corresponde a uma forma de morte espiritual. Job é a inteligência humana em busca do Deus em que crê, por isso Job é vida. Repetimos: Job é vida.

Américo Pereira
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas
Publicado in SNPC em 15 de fevereiro de 2018

sábado, 13 de maio de 2017

A Fé, por Migues Esteves Cardoso

Acreditar em Deus

por Miguel Esteves Cardoso, a 12 de Maio de 2017

A fé não é fulgurante. É simples. Lembro-me de ser pequenino e acreditar nos anjos da guarda. Mas com essa idade acredita-se em tudo. Parte-se do princípio que todos os seres existem, a começar pelos invisíveis que vivem no fundo do jardim e por aqueles que esperam pela noite para nos assustar.

A fé não é uma prova de superioridade. Nada há de menos atraente do que a satisfação dos crentes olhando com carinho e condescendência para os ateus, abanando as cabecinhas enquanto sorriem e sussurram que não desesperem porque o tempo deles também há-de vir.

Comigo a fé veio do reconhecimento da minha incapacidade, por muito que eu lesse e estudasse, para compreender o que se passava à minha volta. Do "quem sou eu para saber?" veio a consciência de um Deus que sabe. Não uma pessoa, precisamente: um Deus.

A fé é uma desistência de mestria, de domínio, de arrogância. É um acto de humildade que alivia (do esforço escusado de compreender e saber tudo) e que liberta, porque nos deixa ficar nesta vida e neste mundo, mais ou menos contentes com o que temos.

A fé é irrelevante à existência de Deus. Pretender o contrário é mera propaganda. Em nada pode ser melhor a pessoa com fé do que quem não a tem. As palavras mais importantes desta simples verdade são "em nada". O facto das pessoas quererem ser religiosamente indoutrinadas e dirigidas é uma realidade humana que em nada tem - ou pode ter - a ver com a divina.

Graças a Deus. E independentemente de nós. E muito menos de cada um de nós.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Fé: a mais bela herança a deixar


Papa baptiza filha de pais casados no registo civil

O papa Francisco batizou este domingo 32 crianças no Vaticano, e lembrou aos pais que «têm o dever de transmitir a fé» aos seus filhos, prosseguindo uma «cadeia ininterrupta» que começou com a primeira comunidade cristã.

«Vós tendes o dever de transmitir a fé a estas crianças. E a mais bela herança que vós lhes deixareis é a fé. Apenas isto. Hoje, levai para casa este pensamento. Devemos ser aqueles que transmitem a fé», frisou Francisco, citado pela Rádio Vaticano.

O primeiro dos sete sacramentos foi administrado pelo papa na Capela Sistina, no dia em que a Igreja católica assinala o batismo de Jesus.

«Hoje canta o coro, mas o coro mais belo é este, das crianças, que fazem barulho… Algumas choram porque não estão confortáveis ou porque têm fome; se têm fome, mamãs dêem-lhes de comer! Tranquilo! Porque elas são aqui o principal», disse Francisco.

Entre as crianças batizadas estava a filha de pais casados apenas civilmente, refere o jornal "Il Tirreno".

Rui Jorge Martins
© SNPC | 12.01.14

sábado, 2 de novembro de 2013

O Vaticano na Bienal de Arte de Veneza de 2013

Nota: esta imagem não representa nenhum dos trabalhos apresentados pela Santa Sé
Encontro entre Bíblia e arte contemporânea promovido pela Santa Sé

Erradamente, a arte contemporânea e a fé são para muitos termos incompatíveis. Os postulados são apresentados como uma espécie de contradictio in adjecto, seja porque se entende que a liberdade estética, a transgressão e o declarado caráter transiente [transitório] da arte contemporânea são incompatíveis com o ideário do belo, do bom e do verdadeiro, porque se observa na arte contemporânea uma imoralidade estratégica, ou porque, por outro lado, se defende que a fé está definitivamente afastada das matérias profanas da atividade artística. Esta atitude serve apenas radicalismos inúteis, mas fáceis. Além de falácias sediciosas, alimenta um antagonismo que, na verdade, reescreve a relação de proximidade que o impulso artístico tem mantido ao longo de séculos com a intuição da fé.

A arte contemporânea é frequentemente enigmática, renegoceia, não raro, as relações entre o belo e o feio, mas não deixa de constituir uma procura, mesmo que situada, pela revelação de uma certa transcendência. Ainda que esta transcendência não se manifeste no impulso da fé, há justamente um espaço de abertura que trespassa a gestualidade moderna, da música de Stockhausen às coreografias de Pina Bausch ou às telas rasgadas de Lucio Fontana.

O Cardeal Gianfranco Ravasi, que preside ao Conselho Pontifício para a Cultura, salientava esta abertura ao absoluto do gesto aparentemente destrutivo, mas rico de intencionalidade de Fontana, numa conferência, em Lisboa, em novembro passado, defendendo a necessidade de recuperar a intimidade entre a busca da arte contemporânea e a Igreja, atacada pela desconfiança dos últimos tempos, na senda da abertura dialógica que o catolicismo convoca.

Um passo importante nesta direção é o pavilhão da Santa Sé na Bienal de Veneza (…). Com curadoria do Cardeal Ravasi, esta é a primeira vez que o Vaticano participa na Bienalle, este ano subordinada ao tema "O Palácio Enciclopédico", com um tríptico concebido a partir do Livro de Génesis.

Neste modelo triádico configura-se a criação, a descriação, ou destruição, e a recriação. Ao invés de uma funcionalização litúrgica da arte, as obras, do fotógrafo checo Josef Koudelka, do pintor americano Lawrence Carrol e do coletivo multimédia italiano Studio Azzurro, configuram o círculo da criação, apresentando a arte contemporânea em diálogo com o mais antigo manifesto de estética, o Livro de Génesis e a sua representação mais perfeita, a humanidade. Um encontro radioso a visitar até 24 de novembro.

Isabel Capeloa Gil
Vice-reitora da Universidade Católica Portuguesa
In Página 1, 29.5.2013
Com SNPC a 30.05.13

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Cultivar o diálogo e beber da fonte da alegria

O Papa no Rio
parte 5

É preciso conversar

«A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como «humildade social» que é o que favorece o diálogo. Só assim pode crescer o bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras livre de suposições gratuitas e num clima de respeito pelos direitos de cada uma. Hoje, ou se aposta no diálogo, na cultura do encontro, ou todos perdemos. Todos perdemos… Passa por aqui o caminho fecundo.» (Encontro com a classe dirigente do Brasil)

A fé que nos anima

A vida cristã, o serviço aos pobres, a missão, tudo isso não é nada se os crentes não são capazes de testemunhar concretamente, no quotidiano, sobre o seu próprio rosto, a fé e a esperança que os anima. Habituado a usar expressões com impacto («por vezes, vemos cristãos melancólicos que parecem "pimenta com vinagre"), Francisco acrescentou mais algumas pedras à sua pastoral da alegria.

«O cristão é alegre, nunca está triste. Deus acompanha-nos. Temos uma Mãe que sempre intercede pela vida dos seus filhos, por nós, como a rainha Ester na primeira leitura (cf. Est 5, 3). Jesus mostrou-nos que a face de Deus é a de um Pai que nos ama. O pecado e a morte foram derrotados. O cristão não pode ser pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto. Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se “incendiará” de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado.» (Homilia no santuário de Aparecida)

«Vocês sabem que na vida de um bispo já muitos problemas que pedem para ser solucionados. E com estes problemas e dificuldades, a fé do bispo pode entristecer-se. Que feio é um bispo triste. Que feio que é. Para que a minha fé não seja triste, vim aqui para contagiar-me com o vosso entusiasmo.» (Homilia na missa de acolhimento)

ler mais em:
SNPC
neste blogue:
parte 1
parte 2
parte 3
parte 4

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A fé fora do templo


As quatro vias para a espiritualidade cristã contemporânea de Etty Hillesum
parte II


Um convite à oração

A segunda forma pela qual a vida de Etty nos interpela e desafia é sobre as pressuposições da própria religião: de que as instituições a detêm e controlam, acerca da questão que reside no cerne da mesma e a forma pela qual nós pensamos nas suas fronteiras. (...)

A sua caminhada até à fé em Deus transformou a sua vida, mas aconteceu fora de qualquer instituição religiosa. Etty é uma figura contemporânea, também neste sentido. A sua história convida-nos a reconhecer caminhadas de fé alheias a instituições religiosas, e anima-nos nessa caminhada. Também desafia aqueles que trabalham nas instituições religiosas a refletir mais profundamente sobre a razão pela qual são tão desconsiderados, e a escutar aqueles que se encontram para lá das suas fronteiras.

Grande número de pessoas do mundo ocidental, sobretudo jovens, sentindo as pressões de uma irrequieta sociedade consumista, sentem que o seu estéril secularismo não lhes oferece nada em termos das questões de significado mais profundo. Podem sentir-se num deserto espiritual... e assim, por entre as exigências, as pressões e o ritmo de vida vivido à superfície das coisas, existe uma fome profunda de «espiritualidade». Contudo, este interesse pela «espiritualidade», que se revela numa grande diversidade de maneiras, não se encaixa facilmente nas narrativas e nas expectativas das instituições religiosas preestabelecidas. Assim, na Europa (a situação nos Estados Unidos parece ser diferente), verifica-se a situação paradoxal de que um interesse crescente pela «espiritualidade» corresponde a um declínio da frequência institucional da Igreja. Isto conduz-nos ao que reside no coração da espiritualidade num mundo pós-moderno.

Num útil artigo intitulado «A crise da pós-modernidade», o escritor e teólogo Philip Sheldrake sugere que, aqui, se verifica uma confusão de interrogações. Há a interrogação em que as instituições religiosas ainda se centram com afinco, nomeadamente, «O que é ou quem é Deus?» Mas, por detrás da «busca espiritual contemporânea», há uma questão diferente (embora, na tradição mística, com ela relacionada), designadamente, «Quem sou eu?» O problema para as instituições religiosas é que, nos seus credos, liturgias e, muitas vezes, na sua pregação, exploram e expõem uma resposta para a primeira questão, que tem vindo a ser cada vez menos colocada.
(...)

A questão do ego

(...)Esta questão sobre Deus já não é o ponto em que começa a busca espiritual contemporânea. O que conduz esta busca é a questão - a surpreendente, e até misteriosa questão - do ego. Quem sou eu, no caráter único dos meus sentimentos, relações, reações e sentido de pertença ou não pertença; no contexto particularíssimo da minha vida, da minha história e do meu possível futuro?

As instituições religiosas não parecem ter apreendido toda a força desta mudança: o poder do terramoto secular a nível do entendimento que ocorreu e que alterou o centro dos interesses. Continuam a comportar-se como se a antiga visão do mundo continuasse a imperar. Não deviam estar tão surpreendidos pelo facto de os seus números continuarem a declinar.

Etty Hillesum fala ao mundo moderno porque a sua caminhada começou com a psicoterapia, com a questão que muitos outros fazem, de vários modos: «Quem sou eu?» Ela começou com o enigma desconcertante e perturbador de si própria, e a sua caminhada prosseguiu fora de qualquer instituição religiosa.

[6 pistas para a caminhada orante]

Houve cinco elementos-chave nessa caminhada: uma relação de aceitação incondicional dentro da qual ela se sentia segura para explorar a sua experiência; exploração intelectual do pensamento de alguns escritores-chave, nomeadamente Jung e Rilke; a influência do seu mentor, uma pessoa de fé, que a introduziu em textos religiosos fundamentais, nomeadamente os Salmos, o Novo Testamento e Santo Agostinho, e em vários outros, ainda; a sua própria resposta à ânsia que sentia dentro de si para rezar; e o desenvolvimento de discipli­nas particulares da vida espiritual.

O seu caminho particular constitui um estímulo e um encorajamento para aqueles para quem parece difícil pertencer às instituições religiosas. Quer uma pessoa continue a ser ou não membro de uma igreja ou sinagoga ou da instituição de qualquer outra tradição de fé, Etty convida-nos a aprofundar mais a nossa exploração pessoal.

(...)
O momento mais íntimo e talvez mais importante da caminhada de Etty foi quando ela começou a rezar. Escreveu que «deu consigo», de repente, ajoelhada no tapete castanho de fibra de coco na casa de banho. Parece ter ocorrido de forma involuntária, como reação a «uma grande necessidade» proveniente mais de uma parte profunda de si própria do que da sua mente. Sentiu-se profundamente embaraçada com isso, e a «porção ateia racional e crítica» da sua pessoa fitou-a, estupefacta, chamando-lhe louca. Eis um momento-chave da sua caminhada de fé: um momento em que temos de nos libertar de todo o nosso «palavreado», de nos libertar do desapego da mente inquisitiva, e de responder a alguma necessidade primitiva do coração, e - ignorando o embaraço e qualquer sentido de insensatez - atrever-se a dizer «Sim».

Uma vez atravessada esta barreira - embora o embaraço volte a surgir e a parte racional e crítica das nossas pessoas, que tem uma importância profunda, certamente volte a afirmar-se - a oração poderá, lentamente, começar a ser habitual, e até, como Etty descobriu, muito necessária. Em determinado ponto do seu diário, Etty escreve: «Continuo a dar comigo em oração.»

Se quisermos entrar realmente neste potencial - para descobrir aonde o mesmo nos pode conduzir - as disciplinas desta vida têm de ser praticadas. Tal como aprender a pintar, ou a tocar um instrumento musical, é um trabalho difícil e não pode ser aprendido de um dia para o outro. Para Etty, a sua espiritualidade e a sua oração significava aprender «a viver artisticamente», uma expressão que ela foi buscar a Rilke. Para o conseguir, ela sabia que «a paciência é tudo» (fazendo ressoar mais uma vez as palavras de Rilke); a paciência e a prática de certas disciplinas. E quais são essas disciplinas?

- silêncio - «há um vasto silêncio em mim que continua a crescer»
- solidão - «no profundo de nós mesmos, todos nós carregamos uma vasta e frutífera solidão»
- atenção, na tomada de consciência e na abordagem dos «rebanhos selvagens» dos pensamentos e sentimentos
- uso de imagens, aprendendo a conhecer tanto o seu poder como os seus perigos
- ler os Salmos, extraindo deles apenas uma frase e plantando-a nas profundezas do coração, onde o seu significado pode crescer.
E (o mais importante para Etty):
- aprender a escutar «tudo o que nos chega de fora... e... tudo o que brota de dentro» - o desenvolvimento de uma consciência intuitiva daquilo que é «mais essencial e mais profundo» em nós próprios, nos outros, na interligação da vida.

Tudo isto e mais ainda fazia parte da caminhada de Etty, que, sobretudo depois de ter deixado os seus amigos em Amesterdão e de Spier ter morrido, se tornou solitária. Na sua carta dirigida a Henny Tideman vislumbramos a sua solidão. Para este trabalho de espiritualidade se manter, precisamos de amizades e de comunidades. Também precisamos, depois de termos confiança suficiente para nos confrontarmos com ele, do desafio, ajuda e correção mais vastos que a instituição religiosa competente pode oferecer à nossa caminhada pessoal. Sejam quais forem as nossas reservas, é isso que dá vida à nossa tradição: o lugar onde a nossa história é publicamente assumida e celebrada. Nós pertencemos-lhe... e precisamos de participar da sua vida e de contribuir para ela.

E assim, além de encorajar os que não pertencem a instituições religiosas, a história de Etty desafia aqueles que têm a responsabilidade de moldar tais instituições, mediante uma interrogação profunda. Como podemos garantir que as nossas liturgias, rituais e cerimónias respiram com o tipo de espírito contemplativo que atrairá os de fora da instituição além de seduzir mais profundamente aqueles que se possam manter hesitantes nas suas margens?

Nota: Esta transcrição omite as notas de rodapé.
por Patrick Woodhouse, In Etty Hillesum - Uma vida transformada, ed. Paulinas
ler mais em SNPC

Deus é a maior e mais contínua aventura interior

As quatro vias para a espiritualidade cristã contemporânea de Etty Hillesum
parte I

Etty tem muito a dizer sobre questões do nosso tempo. Esta jovem intelectual, emocionalmente confusa e sexualmente aventureira, de uma família disfuncional, que não estava interessada em religião institucional, é uma pessoa curiosamente moderna.

(...) Há quatro áreas em que ela fala de modo particular.

Primeiro, quebra o nosso ceticismo acerca da fé e convida-nos a acreditar de novo. Segundo, interrompe as nossas estreitas convicções acerca da própria religião, e convida-nos a rezar. Terceiro, interrompe os nossos ódios fáceis ao nosso inimigo, convidando-nos a ver. Finalmente, interrompe o nosso desespero acerca do futuro, e convida-nos a ser corajosos.

Um convite a acreditar de novo

(...)
O seu diário e as suas cartas contam a história de uma aventura de descoberta. Há uma entrada do seu diário em que, impaciente com a «primitiva» palavra «Deus», Etty lhe dá uma nova definição, descrevendo Deus como «a nossa maior e mais contínua aventura interior». A energia, o dinamismo e a direção desta «aventura interior» lenta, mas, seguramente, como um grande rio, reuniu tudo o que ela era, e transformou-a. Do fundo do caos emergiu a coerência emocional; o poder do seu turbulento desejo foi transformado numa paixão pelo amor; o empenhamento pela verdade tornou-se uma força motriz; por baixo da sua vitalidade intelectual e emocional, Etty descobriu uma corrente subterrânea de sabedoria; e, no segredo de uma casa de banho suja, o desejo mais profundo do seu coração foi satisfeito na prática de adoração. Finalmente, até mesmo frente ao mal mais bárbaro, Etty mostrou que uma vida pode encontrar dentro de si própria profundos reservatórios de uma estranha alegria. Acima de tudo, deu testemunho da realidade de uma profunda dimensão interior à pessoa humana. Era à vastidão interior da sua alma a que Etty regressava constantemente, e foi esta qualidade de profundidade que lhe permitiu enfrentar o barbarismo e o ódio que a circundava, e lidar com eles.

A sua vida constitui um desafio à dúvida e ao ceticismo radicais do nosso tempo. Não às dúvidas da honesta interrogação própria da abertura de espírito que constitui um aspeto essencial da fé, mas o tipo de dúvida que alimenta o desespero cínico, pois afirma cegamente que a aventura da fé é uma ilusão, e, por isso, está condenada desde o princípio.

Esta jovem mulher tomou a seu cargo a responsabilidade extraordinária de tornar Deus crível, até mesmo num mundo como Westerbork. «Tem de haver alguém que viva tudo isto e dê testemunho do facto de que Deus continuou a viver, até mesmo em tempos como estes. E porque não havia de ser eu essa testemunha?»

O seu caminho de fé

(...)
Foi a sua prática de prestar profunda atenção que a transformou. Ela começou por aprendê-lo ajoelhada no tapete castanho de fibra de coco da casa de banho de sua casa, em Amesterdão. Essa prática foi-se desenvolvendo sob a pressão do terror até se ter tornado habitual. Ao longo dos meses no campo, à medida que o seu contemplativo coração se ia apercebendo cada vez mais da sua vida interior, a sua direção ia-se afirmando. Etty desenvolveu um profundo sentido de solidariedade para com o seu povo, e ela descobriu que ansiava por cuidar dos mais fracos e dos mais vulneráveis. Sempre atenta a sinais dessa vida «nas suas milhares de nuances»no rosto dos que a rodeavam e no mundo natural para lá do arame farpado, estava decidida a não ficar estonteada pela crueldade, mas a continuar a ver, a fim de poder contar a história do seu destino. Foi descobrindo cada vez mais que a sua prática de «repousar em Deus» libertava dentro de si uma profunda nascente de gratidão que, por vezes, se tornava irreprimível. Até no inferno daquele campo ela brotava das profundezas do seu ser. A sua figura de pé, numa extremidade do campo, com lágrimas de profunda emoção e gratidão a correr-lhe pelo rosto é uma imagem, uma expressão, de profunda fé mística.

Escutar era o modo principal da sua crença. À medida que o seu tempo em Westerbork ia passando, essa prática aumentou de intensidade, embora houvesse momentos em que «nada fazia sentido». Na sua carta a Henny Tideman, Etty escreveu: «As coisas vão e vêm num ritmo mais profundo, e as pessoas devem ser ensinadas a escutar; é a coisa mais importante que temos de aprender nesta vida.» E a escuta conduziu a um anseio mais profundo: «A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto contigo, ó Deus»; e esse anseio conduzia-a numa única direção: «Desemboco sempre numa única palavra: Deus.»

Era esta a fé de Etty. Tê-la-á sustentado até ao fim? A fé tem de fazer frente àquilo que tenta bloqueá-la. Na sequência da longa carta de 24 de agosto, em que ela descrevia os guardas grosseiros a carregar a sua miserável carga humana, escreveu a Maria Tuinzing, confessando-se «estranhamente cansada». Pressente-se que as torrentes de gratidão a que se referira numa carta, poucas semanas antes, já não seriam apropriadas. Talvez já não fossem possíveis. Etty vira demasiado. «Agora estamos um pouco mais velhos. Nós próprios mal nos apercebemos disso: ficámos marcados pelo sofrimento para toda a vida.» Contudo, não tinha perdido a fé. «...A vida, nas suas profundezas insondáveis, é tão maravilhosamente boa, Maria», escreveu ela. E Deus não se perdera, «...se nós nos preocuparmos o suficiente, Deus estará seguro nas nossas mãos, apesar de tudo o resto...»

A sua fé susteve-a até ao fim. Deixou o campo a cantar. A última vez que a vimos foi sentada na mochila dentro do vagão de gado superlotado e fechado com tábuas, cercada por inúmeros outros judeus, tendo pela frente uma viagem de três dias. No último postal que enviou para o mundo exterior, a primeira coisa que escreveu foi um versículo: «O Senhor é a minha torre segura.» É difícil imaginar uma situação em que a fé pudesse ser mais posta à prova. A sua vida diz muito sobre o que é a fé e o que a fé torna possível. Etty interrompe o ceticismo sarcástico do nosso tempo, acerca da fé religiosa, e também nos convida a aprender o que significa escutar profundamente e voltar a acreditar.


Nota: Esta transcrição omite as notas de rodapé.
por Patrick Woodhouse, In Etty Hillesum - Uma vida transformada, ed. Paulinas
ler mais em SNPC

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Um cristão não é uma ilha

De onde nos vem a fé?

«A fé é um ato pessoal: “eu creio”, eu respondo pessoalmente a Deus que se faz conhecer e quer estabelecer amizade comigo. 
Mas eu recebo a fé dos outros, numa família, numa comunidade que me ensina a dizer “eu creio”, “nós cremos”. 
Um cristão não é uma ilha! Nós não nos tornamos cristãos em laboratório, nós não nos tornamos cristãos sozinhos e com as nossas forças, mas a fé é um presente, é um dom de deus que nos é dado na Igreja e através da Igreja.»

Papa Francisco

in SNPC

A quem não crê

Para quem não crê em Deus, a questão é obedecer à sua consciência. Escutá-la e obedecer-lhe significa tomar decisões perante o que é entendido como bem ou mal. E é sobre esta decisão que se joga a bondade ou maldade de uma nossa ação.

Papa Francisco na carta ao fundador de "La Reppublica"
ver mais em SNPC

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Somos únicos?

Vittorio Carvelli
Cada um de nós é uma parcela de infinito

Não é possível propôr para todos uma palavra única sobre o amor, sobre a felicidade, sobre a procura do sentido da vida ou sobre a espiritualidade. É evidente que certas palavras podem pôr em comunicação as experiências ou os itinerários de todos. Poder-se-ia mesmo supôr que, para os crentes, a palavra Deus bastaria, tão grande ela é, para os reunir numa visão unificante de todas as suas aspirações e percursos espirituais. E contudo, esta palavra imensa tanto é fonte de contradições e conflitos como também pode anunciar em cada ser aquilo que o constitui e o habita para a consumação nele de um destino que o transfigura e funda a sua liberdade.

Quando, entre os homens, o mistério de Deus está em causa – e seria possível que o não esteja na confrontação das religiões – eu quereria entregar-me ao olhar sem limite da relação contemplativa. Sejamos único uns para os outros, não banalmente porque somos diferentes, mas porque cada um de nós é habitado por uma parcela de infinito e o seu ser próprio é a parte singular do divino que não pertence senão a ele e de que ninguém pode apropriar-se nem julgar. Ninguém é herético no seu mistério.

Àquele que fixa em mim um olhar contemplativo, eu diria: «Quereria revelar-me a ti para te deixar vislumbrar o segredo que me habita sem destruir aquele que dá à tua vida essa luz que mais ninguém possui. E se me tiver acontecido querer ensinar-te aquilo que não se ensina, esquece esses discursos indevidos que não são senão expressão da fragilidade. Também eu, na minha noite, avanço para a luz, e se procuro a tua presença não é para te convencer, mas porque desejo que te mantenhas ao meu lado. Em ti reconheço um companheiro cuja fé e oração são a oferenda do teu ser a esse Deus não revelado para o qual o nosso comum desejo inventou as religiões como um caminho inacabado

Como seria belo que entre os homens o mistério de Deus não os opusesse. Que a palavra pronunciada por cada um sobre a sua própria fé seja investida pela escuta da fé do outro. Que toda a humanidade esteja à escuta do silêncio de Deus, acompanhada por esse murmúrio que a atravessa, esse murmúrio da fé e da oração que revelaria a comum expectativa. Que todo o rito e toda a palavra possam nascer dessa vibração de infinito. Que ninguém impeça a passagem a fim de que os céus permaneçam abertos à consciência de todos.

Apreender o instante desta vibração, um instante próximo da surpresa. Nada dizer, nada explicar, conservando a memória, e sorrir diante do não-saber.

Que todo o homem seja uma sugestão do infinito.

Bernard Feillet in "L’arbre dans la mer" tradução de José Mendonça

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Sexualidade e fé católica: a luta de um encontro (9 testemunhos)

John Singer Sargent
"Como assumir ao mesmo tempo a sua orientação sexual e a sua crença em Deus? Como é que a Igreja acolhe e acompanha estas pessoas que, diariamente, ou através da sua caminhada de vida, descobrem uma atracção, um amor por uma pessoa do mesmo sexo? Mesmo que o assunto permaneça tabu, nascem iniciativas, desenham-se aberturas…

Xavier e Benoît, um casal e uma comunidade de Vida Cristã (espiritualidade inaciana)
«Como casal desde há sete anos, permanecemos profundamente ligados à Igreja. Estamos activos no seio da CVX [1], ou na nossa paróquia. De facto, respeitamos infinitamente a posição da Igreja sobre este assunto, até quase que a compreendemos, se considerarmos que ela não pode ter outro discurso. Vivemos simplesmente, acolhemos aquilo que a vida nos «reservou» sem que o tivéssemos escolhido, a não ser a escolha de assumir, como a parábola dos talentos: a nós de fazer frutificar o que nós somos, de dar amor onde estamos e de testemunhar essa fé que nos foi passada. Essa fé, tentamos transmiti-la aos três filhos de Xavier, quando eles estão em casa, de férias, tentamos partilhá-la o mais simplesmente na CVX, o mais profundamente possível, sem provocações e sem chocar… essa fé, exprimimo-la aquando da cerimónia do nosso Compromisso: nesse dia, em 2010, fizemos a escolha de exprimir o nosso amor mútuo, que voltamos resolutamente para todos aqueles que partilham o nosso caminho (crianças, famílias, amigos, etc.). Esta cerimónia, que criámos em torno daqueles que nos são mais próximos, não a quisemos como uma simulação de casamento, isso não faria qualquer sentido e, fiéis à Igreja, não desejamos colocarmo-nos contra Ela. Confiámos, simplesmente, o nosso projecto, o nosso futuro, a Deus, confiando-lhes as orações dos nossos entes queridos» 
Xavier e Benoît

Fiel à minha fé, apesar da minha consternação
«Sim, sou homossexual e católico. E praticante em ambos os casos… porque não teríamos o direito, também nós, de amar e ser amados em plenitude de sentimentos? Não pedimos compaixão mas a assunção de uma realidade biológica. Um dia, em confissão, um padre recusou-me a absolvição devido ao único de lhe ter confessado que era homossexual… Que humilhação para mim! Se acrescentarmos a isso o facto de a minha situação nunca ter sido verdadeiramente aceite pela minha família, o facto de levar uma vida pública bastante intensa e o facto de habitar na província, facilmente se compreenderá que nem sempre é fácil ser homossexual em 2011. Os costumes evoluem, mas não as mentalidades, pelo menos ao mesmo ritmo. Apesar dos períodos de turbulência e de dúvida, permaneci fiel à minha fé e encontro-me igualmente envolvido na minha paróquia. Eu acomodo-me, mas luto pela minha condição, pensando que o amor de Deus é mais forte que a maldade dos homens.» 
Olivier

É preciso intervir junto dos pais e dos alunos
«A 4 de Agosto de 1990, o nosso quarto filho, Jean-Baptiste, morreu aos 26 anos, no nosso apartamento, devido a uma doença, diagnosticada em 1981 nos Estados Unidos e tida então como o «cancro gay»: a SIDA. Três anos antes, em vez do Serviço militar, ele era professor na Universidade de S. José, em Beirute, em plena guerra civil. Não foi uma bala perdida que o atingiu, mas o VIH. Ele dizia que tanto se sentia atraído por raparigas como por rapazes… A doença de Jen-Baptiste deu-me a conhecer que as pessoas homossexuais têm comportamentos tão variados como aqueles que se dizem heterossexuais, ainda que nós, concidadãos, não vejamos frequentemente senão a ponta do iceberg. Por exemplo a entreajuda e a fidelidade ao longo dos anos, podem ser vividas entre dois homens de forma tão intensa, senão mais intensa, que entre casais heterossexuais. Isto não deveria continuar a ser ignorado pela minha Igreja Católica, reservando a palavra «matrimónio» para os casais formados por um homem e uma mulher. Realço um documento notável do ensino católico (Maio de 2010) sobre a «educação afectiva relacional e sexual nos estabelecimentos católicos de ensino». «Um número significativo de homens e mulheres têm tendências homossexuais profundas. Eles não escolhem a sua condição homossexual. A educação aborda, pois, aqui, uma questão extremamente sensível. Formas diversas de homofobia podem ferir gravemente as pessoas… O educador deve, portanto, velar particularmente na articulação entre o que pode dizer sobre a diferença sexual no respeito incondicional pelas pessoas». Para fazer isso seria desejável que existissem mais pessoas que se formem, de modo a intervirem junto dos pais e dos alunos. 
Um pai de família

Os Bispos devem ter a questão em consideração
«Escutei o apelo de Deus aos 12 anos, numa idade em que descobri igualmente qual era a minha sexualidade. Nunca a vivi de forma errada, pois fui criado num meio muito ecuménico. Vi que a reflexão antropológica levada a cabo pela outras Igrejas permitia ver o problema de outro modo. À minha volta, no entanto, depressa me apercebi dos danos que o silêncio fazia junto de muitos padres, seminaristas, que se torturam sobre esta questão. Os bispos devem ter a questão em consideração para os membros interessados do clero e propor-lhes um lugar de partilha. Depois, é necessário familiarizar as comunidades com esta questão e permitir aos que o desejem de se encontrarem para melhor viverem a sua presença em comunidade. Membro de uma grande ordem religiosa durante vários anos, decidi abandoná-la quando me apaixonei, tendo explicado a razão da minha partida. Uma verdadeira renuncia, pois era um religioso feliz. Este «sair do armário» institucional deu origem a uma verdadeira tempestade na minha ordem. Há um medo terrível da verdade. Sugeriram-me, antes, que ficasse, mas que me calasse, preocupando-se sobretudo com o que as pessoas iriam pensar. Acontece que os fiéis apoiaram-me e compreenderam-me. Por outro lado, nunca coloquei em causa a minha vocação sacerdotal; a minha orientação sexual não me impede de viver e servir. Actualmente, encontrei um ministério pois fui acolhido numa paróquia. O bispo conhece a minha história. Tenho um amigo que escolhi e perante o qual estou comprometido, mas renunciei a uma vida sexualmente activa no casal. É um caminho que enche e completa a minha vida. Nunca me senti tão equilibrado.» 
François, 42 anos, pároco

Para uma abordagem de aceitação da minha encarnação
«Desde os meus doze anos que penso que sou mau. Aos vinte anos mandei a religião passear. Deus não poderia querer nada comigo, pois eu era homossexual. Alguns anos mais tarde fui agarrado pela sua mensagem de amor. Ele amava-me como eu era. Então, preparei-me para uma vocação religiosa, que era muito forte, sem voltar a colocar-me a questão da minha homossexualidade. Encontrava-me, provavelmente, numa forma de rejeição. Depois tive uma relação com um seminarista e tomei consciência que, de facto, o problema ultrapassava-me largamente. Com todas estas questões, cheguei a um retiro de escolha de vida. Aí, Deus colocou-me, de forma esmagadora, frente às minhas contradições. Foi na experiência espiritual que compreendi que deveria ter plenamente em consideração quem eu era… não tinha avançado nada durante todos estes anos! Hoje, coloquei de parte o meu projecto religioso – que, por um lado me permitia regular o meu problema – para encetar o que considero ser uma abordagem razoável para aceitar a minha encarnação. A Igreja deve retirar a homossexualidade da marginalização. Se continua a caricaturá-la como uma vida de perdição, ela empurra-nos para o silêncio e a uma vida instintiva oculta que não queremos!» 
 Luís, 28 anos
(...)

Finalmente associei o meu espírito ao meu corpo
«Sou cristã, homossexual e feliz: a minha orientação amorosa é diferente, mas não inferior. No entanto, interiorizei desde muito nova que «os homossexuais não fazem parte do plano de Deus». Para fazer parte do plano de Deus, realizei uma clivagem mental: amava Deus, os outros, era uma católica apaixonada pelo Evangelho, era uma enfermeira apaixonada pelos doentes e a tratá-los mas não era uma mulher. Casei-me com um cristão muito meigo. Mas na aliança perfeita homem-mulher-Deus, vivi uma espécie de desolação. Foi um casamento de morte, uma relação contra a minha natureza, que me deixou gravemente doente. Prefiro morrer de amor na eternidade, pois era incapaz de amar, dizia. De facto, era o meu amor que não estava no sítio certo. Encontrei uma mulher. Foi essa a minha verdade. Deste modo, a descoberta e a aceitação da minha homossexualidade foram espectaculares. Associei, enfim, a minha fé, a minha sexualidade, o meu espírito e o meu corpo. É a separação que nos torna doentes. Perante Deus, o meu primeiro amor, pude juntar as peças espartilhadas, tornar-me naquela que sou, desculpabilizada, acalmada e abençoada. Cada baptizado é chamado ao amor e à dádiva.» 
Sophie

O centro Tiberíade, uma família para os doente de SIDA
«Tendo acompanhado toda a minha vida, no quadro das minhas actividades profissionais, pessoas homossexuais maioritariamente marcadas pela infecção pelo VIH, encontrei-me com naturalidade como administrador e acompanhante dum centro de acolhimento de dia para essas mesmas pessoas, quando chegou a minha idade de reforma. O Centro Tiberíade, organizado pela Diocese no coração do 7.º bairro de Paris e criado pelo Monsenhor Jean Marie Lustiger a pedido da Madre Teresa. Uma equipa de voluntários e de elementos permanentes que acolhe, durante cinco dias por semana, pessoas para quem a vida foi madrasta, muitas vezes isoladas e doentes. Perto de 7000 refeições, preparadas por uma equipa discreta de voluntários, são servidas todos os anos. As pessoas acolhidas romperam frequentemente todos os laços com as suas famílias. Encontram no Tiberíade um ambiente caloroso e atencioso onde podem, com naturalidade, partilhar o seu dia-a-dia, expor as suas angústias e encontrar uma escuta e ajuda psicológica e terapêutica. Há à disposição uma biblioteca, jogos, actividades artísticas, visitas, (...) sem esquecer uma iniciação à fé cristã e a presença regular dum capelão com uma possível participação na missa de sexta-feira à tarde. Vive-se em Tiberíade uma fraternidade real, ao ponto de numerosos acolhidos afirmarem diariamente «a minha família está aqui».
Michel

Ser católico e transgénero
«Embora a Igreja comece timidamente a ter em consideração a homossexualidade, parece ignorar completamente ou mesmo rejeitar as pessoas transgéneras ou transexuais. Foi desta forma que não tendo encontrado, até há quatro anos, nenhum lugar na Igreja para me acolher com a minha especificidade, caminhei durante mais de 15 anos com um grupo de homossexuais cristãos: «Devenir Un En Christ (DUEC)», que me ajudou, mas não respondia plenamente à minha «diferença». Descobri a Comunidade Betânia. O único lugar da Igreja, que eu saiba, que se preocupa com o CCI (Cruzamento dos Cristãos Inclusivos) das pessoas transidentitárias que, de momento, me acompanha no plano espiritual e me ajuda a conciliar Fé e Transidentidade.
Isabelle

Pais de homossexuais
«É indispensável e urgente dar liberdade de expressão aos pais de homossexuais que se encontram frequentemente em grande sofrimento e aos jovens que não sabem para quem se voltar quando se apercebem que são homossexuais.
De facto a Igreja (de facto a Igreja é o quê?) trata o tema de forma expedita, como já o fez em relação à contracepção, mesmo quando tem o cuidado de não condenar as pessoas.
O Magistério denuncia frequentemente este estado (pois não é uma escolha, é um estado de facto) como uma desordem (no melhor), uma perversão (no pior) e somente tem como proposta «a vida na castidade».
O grupo «Reflexão e Partilha», no qual participamos, reúne pais preocupados com este problema e jovens, frequentemente em casal, e elaborou um folheto informativo sobre o tema «A Orientação sexual e a vida cristã» e deseja que sejam formados outros grupos e que estes proponham às autoridades eclesiásticas uma palavra apaziguadora e construtiva.
Claude e Jacques

Texto orignal: Elisabeth Marshall e Joséphine Bataille
Órgão: La Vie
Tradução: José Leote
in Rumos Novos

[1] Comunidade de Vida Cristã. A CVX é uma comunidade mundial de leigos, com Estatutos aprovados pela Igreja, e uma Espiritualidade própria: a Espiritualidade Inaciana; isto é, a sua fonte de inspiração característica, para além das Sagradas Escrituras e do Sentido de Igreja, são os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. As linhas orientadoras da CVX estão consignadas nos Princípios Gerais, que ajudam a unir a Fé e a Vida numa opção apostólica.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Homenagem ao Frei José Augusto Mourão, op

Morreu esta manhã o Frei José Augusto Mourão, da Ordem dos Dominicanos, um nome tão incontornável como pouco reconhecido da Igreja e da Cultura portuguesa. Vai ser celebrada uma missa no Convento dos Dominicanos (Alto dos Moinhos) hoje (dia 5 de Maio) às 21h.
Cito um texto do Pe. José Tolentino Mendonça como homenagem a este homem:


O VAZIO VERDE
  
Um dia, quando se fizer a história do catolicismo português que nos é agora contemporâneo, há-de ver-se, em toda a clareza, que um dos seus actores magistrais foi, afinal, um frade e poeta, quase clandestino, que morreu esta manhã em Lisboa. Chamava-se José Augusto Mourão, e pertencia à Ordem dos Dominicanos. Nasceu em Vila Real em 1947, e construiu uma inscrição absolutamente invulgar na universidade e na cultura portuguesas. Foi professor na Universidade Nova de Lisboa, especializando-se no campo da semiótica, e prestando uma contínua atenção a expressões de vanguarda que transformam os próprios dispositivos da criação (por exemplo, as mutações da literatura na época de cibernética ou as diversas formas de hipertextualidade ou de hiperficção que a nossa alta modernidade tem gerado). Aí deixa uma obra que, sob muitos aspectos, se pode considerar seminal e profética.

Mas ele transportou também o mesmo espírito de profecia para aquela que é a opera magna da sua existência: a impressionante ponte (apetece escrever a “impossível ponte”) que ele, quase marginalmente, desenha entre o campo da fé e o da razão, entre a liturgia e a poética, entre a regra e o desejo. Por alguma razão, ele nunca foi um criador confortável, nem para o campo católico, nem para os parâmetros da cultura dominante. Os ouvidos crentes só a custo se abriam, porque ele operava com uma gramática inusual e exigente, buscava metáforas vivas, que é como quem diz, novas metáforas. Do mesmo modo, ele nunca obteve a visibilidade que certamente merece da parte da cultura. A sua poesia é, por exemplo, litúrgica, coisa que, em Portugal, é imediatamente catalogada de género menor. E alguns dos seus textos mais fundamentais são homilias: ora, as últimas homilias que a cultura portuguesa ouviu foram as do Padre António Vieira! Talvez um dia se reconheça a originalidade e a marca deste homem e se possa então valorizar o que ele hoje nos deixa em herança. Para já sentimos o grande vazio que a sua morte representa, que, como aponta o título do seu primeiro livro de poemas, somos desafiados a viver como um “Vazio Verde”.

                                                           José Tolentino Mendonça

domingo, 20 de março de 2011

Considerações sobre as Uniões homossexuais: um documento a desbravar

Um novo Documento em Destaque no blogue é a série de considerações que a Congregação para a Doutrina da Fé, na pessoa do cardeal Ratzinger (actual Papa), publicou no ano de 2003 (ler na íntegra aqui).

O documento, intitulado Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das Uniões entre pessoas homossexuais será um interessante e polémico objecto de estudo, porventura pouco novo mas, ainda assim, esclarecedor no que diz respeito ao que a Igreja (instituição) conhece - ou desconhece - da realidade da homossexualidade. É também espelho da falta de vontade da Igreja se desvincular dos poderes políticos e dum discurso que cai no moralismo dos costumes em vez de ir beber insaciavelmente à revelação do Evangelho.


Este documento encontra-se originalmente no site do Vaticano

sábado, 19 de março de 2011

Iluminismo, religiões e razão comum

"Pátio dos Gentios" em contagem decrescente
O Vaticano apresentou esta sexta-feira, 18 de março, a sua nova estrutura para o diálogo com os não crentes, denominada “Pátio dos Gentios”, destinada a «derrubar» muros, segundo o presidente do Conselho Pontifício da Cultura (CPC), o cardeal italiano Gianfranco Ravasi.

«Crentes e não crentes estão em territórios diferentes, mas não se devem encerrar num isolamento sacro ou laico, ignorando-se ou, pior, lançando troças e acusações recíprocas, como desejariam os fundamentalistas de uma e outra parte», sublinhou o prelado na conferência de imprensa realizada no Vaticano.

O diretor executivo do “Pátio dos Gentios”, padre Laurent Mazas, recordou aos jornalistas que o “Cortile dei Gentili” vai ter a sua primeira iniciativa internacional a 24 e 25 de março em Paris, cidade escolhida por representar a «herança do iluminismo». Segundo os responsáveis do CPC, a iniciativa não quer ter um caráter neutro mas mostrar «testemunhos apaixonados» que consigam chegar a resultados e convergências.

A diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, o ex-primeiro-ministro italiano Giuliano Amato e o filósofo Jean-Luc Marion são algumas das presenças confirmadas.

Três colóquios sobre o tema “Iluminismo, religiões e razão comum” ganham destaque nesta «iniciativa de intercâmbio, diálogo e ação comum entre crentes e não crentes», promovida por indicação do Papa Bento XVI.

As conferências, que decorrem em espaços simbólicos do mundo laico, realizam-se na tarde de 24 de março (na sede da UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), e no dia seguinte (Universidade de Sorbonne e Academia de França). Depois das sessões está prevista uma mesa-redonda no Colégio dos Bernardinos, edifício histórico do século XIII. A iniciativa inclui uma festa pensada para os mais jovens, designada “No pátio do Desconhecido”, que vai decorrer na catedral de Notre Dame, também na capital francesa, com música, espetáculos e um encontro de reflexão, seguindo-se uma vigília de oração e uma meditação.

Durante este momento, agendado para 25 de março, o Papa vai falar sobre o «significado e os objetivos» da iniciativa através de uma ligação em direto ao Vaticano.

O nome “Pátio dos Gentios” evoca o espaço com o mesmo nome que no antigo Templo de Jerusalém hospedava os não judeus.

O Conselho Pontifício da Cultura precisa que a nova instituição é «um espaço complementar para o diálogo inter-religioso, desenvolvido há muitas décadas, e constitui um compromisso da Igreja a longo prazo, que vai interessar a numerosas pessoas no mundo, crentes e não crentes».

O objetivo do “Pátio” é, segundo a Santa Sé, «contribuir para que as grandes interrogações da existência humana, sobretudo as de caráter espiritual, sejam verdadeiramente tomadas em conta».

O Vaticano assinala que, depois de Paris, as iniciativas do «Pátio dos Gentios» vão passar por Florença (Itália), Tirana (Albânia), Estocolmo (Suécia), Berlim (Alemanha), Moscovo (Rússia), Quebeque (Canadá), Praga (República Checa), Chicago e Washington (EUA).

O CPC, segundo as tarefas definidas em 1988 pelo Papa João Paulo II, tem como missão promover as relações entre a Santa Sé e «os cultores das ciências, das letras e das artes».

Octávio Carmo / SNPC
In Agência Ecclesia, publicado in SNPC

terça-feira, 15 de março de 2011

Singularidades de uma oração cristã

Rezar até à impossibilidade de rezar
A cada instante da sua vida, Jesus reza. Tome-se, por exemplo, o testemunho que nos dá o Evangelho de São Lucas. É «no momento em que Jesus se encontra em oração» que o Espírito se manifesta no batismo (3,21): «Tu és o meu Filho muito amado; em ti coloquei toda a minha alegria»; antes de escolher os Doze, Ele «passa toda a noite a rezar a Deus» (6,12); a questão que provoca a «confissão de Pedro» é colocada aos discípulos «num dia que Ele rezava» (9,18); e se um deles lhe pede para que os ensine a orar, é porque viu o próprio Senhor «rezando» (11,1). Cristo ora ainda para que a fé de Pedro não desfaleça (22,32) e, pregado à Cruz, Ele reza ao Pai pelos homens (23,34): «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem», e por si mesmo (23,46): «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.»

Para Jesus, a oração não fazia apenas parte da vida: ela era a vida. A sua existência era cumprida na presença de Deus, seu Pai, a cada instante. Jesus não esconde nada ao Pai. As suas alegrias e dores, as suas esperanças e as suas noites foram sempre partilhadas com o Pai.

A oração cristã não é uma viagem ao fundo de si mesmo. Não é um movimento introspetivo. Não é uma diagnose dos nossos pensamentos e moções externas ou íntimas. A oração cristã é ser e estar diante de Deus, colocar-se por inteiro e continuamente diante da sua presença, com uma atenção vigilante Àquele que nos convida a um diálogo sem cesuras. Não é oferecer a Deus alguns pensamentos, mas entregar-lhe todos os pensamentos, tudo o que somos e experimentamos.

A oração é uma conversão de atitude, porque a verdadeira oração cristã descentra-nos de nós mesmos - das nossas preocupações e afanos, dos nossos desejos egóticos e pouco purificados - e orienta-nos para Deus, de modo que tudo o que passamos a desejar é a vontade de Deus, o dom do seu olhar que, como dizia Santo Agostinho, é «mais íntimo a nós que nós próprios». Isso que a “Oração de Abandono”do Beato Charles de Foucauld, traduz tão bem:


Meu Pai,
Eu me abandono a ti,
Faz de mim o que quiseres.
O que fizeres de mim,
Eu te agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Desde que a tua vontade se faça em mim
E em tudo o que Tu criaste,
Nada mais quero, meu Deus.
Nas tuas mãos entrego a minha vida.
Eu te a dou, meu Deus,
Com todo o amor do meu coração,
Porque te amo.
E é para mim uma necessidade de amor dar-me,
Entregar-me nas tuas mãos sem medida
Com uma confiança infinita
Porque Tu és... meu Pai!


Quanto tempo devemos rezar? É essencial que existam tempos fortes neste caminho quotidiano de entrega e, com todo o realismo, temos mesmo de reservar em cada dia um quinhão para Deus e Deus só. Mas não nos iludamos: a oração não pode ser um compartimento do meu dia, um pequeno nicho que eu encho de pensamentos e fórmulas piedosas. A oração cristã é aquela que se desenvolve seguindo os passos de Jesus e, aí, rezar é viver, com todas as nossas forças e com toda a nossa realidade, na presença de Deus. Precisamos passar de um entendimento egocêntrico da oração, para um entendimento teocêntrico, fundado afetiva e efetivamente em Deus. Pondo os nossos olhos em Cristo, os nossos olhos e o nosso coração aprendem, na graça do Espírito Santo, o caminho para o Pai. Todo o Ser de Jesus é uma intimidade e uma revelação permanente do Pai. «Ninguém viu jamais o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em Deus: esse é que viu o Pai» (Jo 6,46).

Quanto tempo devemos rezar? No nosso interior devemos sentir que rezamos continuamente. Não há, talvez, outra maneira mais simples ou mais vibrante de compreender a natureza da oração de Jesus. Que lição maravilhosa e necessária nos concede o clássico da espiritualidade cristã, “Relatos de um peregrino russo ao seu pai espiritual”. Começa assim: «Por graça de Deus sou homem e sou cristão; pelas minhas ações sou um grande pecador. Meus bens são: as costas, uma sacola com pão duro, a santa Bíblia no bolso e só... Por estado, sou peregrino da mais baixa condição, andando sempre errante de um lugar a outro. No vigésimo quarto domingo depois de Pentecostes, fui à igreja para ali fazer as minhas orações durante a liturgia. Estava a ser lida a primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses e, entre outras palavras, ouvi estas: "Orai incessantemente(1Ts 5,17). Foi esse texto, mais que qualquer outro, que se inculcou em minha mente, e comecei a pensar como seria possível rezar incessantemente, já que um homem tem de se preocupar também com outras coisas a fim de ganhar a vida.»

A verdade é que a nossa conversão à oração incessante está longe de ser fácil. Experimentamos uma resistência inexplicável à ideia de vivermos vulneráveis, pobres e sem defesas diante de Deus. Não foram apenas Adão e Eva que, ao ouvirem os passos de Deus no jardim, se esconderam (Gn 3,8). Certamente, dispomo-nos a amar a Deus e a adorá-lo, mas queremos guardar para nós uma parte da nossa vida espiritual. Por isso caímos frequentemente na tentação de escolher muito bem os pensamentos que vamos ter presentes nos nossos colóquios com Deus. Seja por medo ou por insegurança, facilmente damos um caráter demasiado introspetivo à oração e, muitas vezes, escondemos de Deus (mas será que podemos esconder?) aquilo, em nós, que está mais necessitado da sua ação transformante e pacificadora.

O peregrino russo faz um longo caminho, e longo também será o nosso. Mas, ajudado pela comunidade orante, ele chega realmente àquele ponto em quê a oração se torna a presença ativa do Espírito de Deus, que conduz pela mão a nossa vida.

Lembremos algumas palavras marcantes que constituíram pedras de apoio no caminho do peregrino russo, que no fundo é o itinerário de todo o cristão.
1. «O Apóstolo disse: “Orai sem cessar”(l Ts 5,17), isto é, ele diz-nos que nos lembremos de Deus em qualquer altura e em todas as coisas. Em tudo o que faças, deves ter em mente o Criador de todas as coisas. Se vês a luz, lembra-te de quem ta deu. Se vês o Céu, a terra, o mar e tudo o que neles se encontra, admira e enaltece o seu Criador. Ao vestires-te, lembra-te de quem te deu essa dádiva e agradece-lhe, a Ele, que provê a tua vida. Enfim, qualquer que seja o movimento, será uma razão para lembrar e enaltecer o Senhor. A tua alma estará sempre alegre, se rezares sem cessar.»
2. «A oração interior permanente é o esforço constante do espírito do homem para com Deus. Para se ter sucesso nesse piedoso exercício, deve pedir-se a Deus que Ele nos ensine a orar sem cessar. Ao orares mais e aplicadamente, a oração por si só mostrar-se-á permanente. Para isso, é necessário bastante tempo.»
3. «Dá graças a Deus, querido irmão, por Ele ter despertado em ti o insuperável gosto do conhecimento pela oração interior permanente. Aceita o reconhecimento de Deus e acalma-te, certo de que até ao momento presente se operou em ti uma experiência de acordo com a tua vontade aos olhos de Deus, e que te foi dado compreender que não se alcança a luz celestial - a oração interior sem cessar – pelo conhecimento do mundo onde se vive, nem pelo desejo do conhecimento externo, mas, ao contrário, pela pobreza do espírito e pela experiência ativa, na simplicidade do coração
4. «Senta-te em silêncio e isolado, baixa a cabeça, fecha os olhos, respira silenciosamente, imagina-te a olhar para dentro do teu coração e faz com que o teu raciocínio, isto é, o teu pensamento passe da cabeça para o coração. Ao respirares diz: «Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim!»,mexendo os lábios silenciosamente ou apenas em pensamento. Esforça-te por afugentares os pensamentos, não te impacientes e repete cada vez mais este exercício.»
5. «A oração interior e permanente de Jesus é a invocação ininterrupta do nome divino de Jesus Cristo, com os lábios, com a cabeça e com o coração, imaginando-o sempre na nossa presença, e pedindo-lhe a graça para todos os nossos atos, em qualquer lugar, em qualquer momento, até durante o sono. Expressamo-la com as seguintes palavras: "Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim." Finalmente, passado algum tempo, comecei a sentir que a oração, por si própria, passava para o coração, isto é, o coração no seu próprio ritmo, lá no seu interior, começou como que a dizer as palavras da oração, acompanhando a cadência: l - Senhor... 2 - Jesus... 3 - Cristo... e assim por diante. Deixei de dizer a oração com os lábios e comecei a escutar com fervor o que dizia o coração.»

Jesus é o verdadeiro Mestre da oração cristã, quer porque a sua oração é o modelo de toda a oração, quer porque Ele nos ensina a rezar. A parábola que Jesus conta em Lucas 18,9-14 é um importante ensinamento sobre a oração.
«Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu e o outro, publicano ou cobrador de impostos. O fariseu, de pé, fazia interiormente esta oração: "Ó Deus, dou-te graças por não ser como o resto dos homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo." O publicano, manten-do-se à distância, nem sequer ousava levantar os olhos ao céu; mas batia no peito, dizendo: "Ó Deus, tem pie­dade de mim, que sou o pecador." Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.»

Podemos rezar como o fariseu. O vocativo inicial, «Ó Deus», confere às suas palavras uma cadência solene e retórica. A sua é uma oração autorreferenciada: ouve-se o «eu», «eu», «eu» por toda a parte. O motivo de louvor que encontra é a diferenciação face aos outros, que são isto e aquilo: ladrões, adúlteros, injustos, que são sobretudo como aquele publicano que está atrás dele no templo. Ele é um bom praticante, que se contempla a si mesmo, deslumbrado com as suas obras que, na oração dele, não têm um caráter penitenciai ou de súplica.

Enquanto o fariseu faz um uso do espaço sem grandes preocupações nem pruridos (ele está simplesmente de pé e fala, fala muito), o publicano distingue o próximo e o distante, o alto e o baixo, o corpo e a palavra: ele sente-se «longe», não ousa erguer o olhar e bate no peito enquanto profere algumas escassas palavras. Tem consciência daquilo que o afasta. Desloca-se não no eixo horizontal, mas no vertical. Ele não finge uma proximidade que não existe. Mas mostra-se assim, tal qual, a Deus. Quando, na oração, ele se identificar como «o pecador», isso não será um mero artifício do discurso, mas corresponderá a uma verdade existencial que a intensidade simbólica da sua atitude corporal vibrantemente corrobora.
Diversos autores consideram que o gesto do publicano bater no peito deve ser interpretado como um sinal da sua contrição. O significado mais frequente deste gesto, no mundo daquela época, é o de uma emoção intensa, provocada por um desgosto ou por uma situação desesperada, associando-se também à ideia de lamento. A sua angústia, porém, não é total: do fundo áspero da sua noite ele clama a Deus. E reza: «Ó Deus, tem misericórdia de mim, o pecador.» Esta passagem é a única do Evangelho em que a «pecador» se junta o artigo (o pecador). Isto não quer dizer que o publicano seja o maior pecador à face da terra, mas é assim que ele se sente e se coloca diante de Deus.

O ponto espiritual de viragem na parábola é esta atitude de verdade do publicano, em significativo contraste com a do fariseu. Ele faz convergir para Deus toda a sua vida, o seu bloqueio, as suas lágrimas, o seu desespero. Ele coloca-se completamente na dependência de Deus. Que Deus faça. Que Deus tenha misericórdia. Rezar, outra coisa não é que expor-se a Deus, sem máscaras, nem véus, nem falsas virtudes, nem diferenciações. É expor tudo. Expor até a nossa impossibilidade de rezar.

José Tolentino Mendonça
In O tesouro escondido, ed. Paulinas, publicado por SNPC

Porque estou aqui

Sinto-me privilegiado por ter encontrado na Igreja um lugar vazio, feito à minha medida. É certo que tê-lo encontrado (ou encontrá-lo renovadamente, pois não é dado adquirido) foi também mérito da minha sede, do meu empenho, de não baixar os braços e achar, passivamente, que não seria possível. Passo a contextualizar: a comunidade onde vou à missa é pequena e acolhedora, e podia bem não o ser. Ao mesmo tempo, sentia um desejo grande de reflexão de vida cristã e encontrei um casal (heterosexual) que tinha a mesma vontade. Começámo-nos a reunir semanalmente numa pequena comunidade de oração e reflexão que, apesar de crítica, nos tem ajudado a sermos Igreja e a nela nos revermos. Paralelamente, face ao contínuo desencanto em relação a algumas posturas e pontos de vista de uma Igreja mais institucional e hierárquica, tive a graça de encontrar um grupo de cristãos homossexuais, que se reuniam com um padre regularmente, sem terem de se esconder ou de ocultar parte de si.

Sei que muitos cristãos homossexuais nunca pensaram sequer na eventualidade de existirem grupos cristãos em que se pudessem apresentar inteiros, quanto mais pensarem poder tomar parte e pôr em comum fé, questões, procuras, afectos e vidas.

Por tudo isto me sinto grato a Deus e me sinto responsável para tentar chegar a quem não teve, até agora, uma experiência tão feliz como a minha.

Este blogue também é teu

São benvindos os comentários, as perguntas, a partilha de reflexões e conhecimento, as ideias.

Envia o link do blogue a quem achas que poderá gostar e/ou precisar.

Se não te revês neste blogue, se estás em desacordo com tudo o que nele encontras, não és obrigado a lê-lo e eu não sou obrigado a publicar os teus comentários. Haverá certamente muitos outros sítios onde poderás fazê-lo.

Queres falar?

Podes escrever-me directamente para

rioazur@gmail.com

ou para

laioecrisipo@gmail.com (psicologia)


Nota: por vezes pode demorar algum tempo a responder ao teu mail: peço-te compreensão e paciência. A resposta chegará.

Os textos e as imagens

Os textos das mensagens deste blogue têm várias fontes. Alguns são resultados de pesquisas em sites, blogues ou páginas de informação na Internet. Outros são artigos de opinião do autor do blogue ou de algum dos seus colaboradores. Há ainda textos que são publicados por terem sido indicados por amigos ou por leitores do blogue. Muitos dos textos que servem de base às mensagens foram traduzidos, tendo por vezes sofrido cortes. Outros textos são adaptados, e a indicação dessa adaptação fará parte do corpo da mensagem. A maioria dos textos não está escrita segundo o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, pelo facto do autor do blogue não o conhecer de forma aprofundada.

As imagens que ilustram as mensagens são retiradas da Internet. Quando se conhece a sua autoria, esta é referida. Quando não se conhece não aparece nenhuma referência. Caso detectem alguma fotografia não identificada e conheçam a sua autoria, pedimos que nos informem da mesma.

As imagens são ilustrativas e não são sempre directamente associáveis ao conteúdo da mensagem. É uma escolha pessoal do autor do blogue. Há um critério de estética e de temática ligado ao teor do blogue. Espero, por isso, que nenhum leitor se sinta ofendido com as associações livres entre imagem e conteúdo.

Contribuidores

Amigos do blogue

Mensagens mais visitadas nesta semana

Categorias

11/9 (1) 2011 (1) 25 de Abril (1) 3ª idade (1) 5ª feira Santa (1) abandono (3) abdicar (1) abertura (4) aborto (3) abraão (1) abraço (1) abstinencia sexual (2) abusos (4) acção (4) aceitação (4) acolhimento (19) acompanhamento (3) açores (1) acreditar (1) acrobacia (1) activismo (2) activistas (2) actores (1) actos dos apostolos (1) actualidade (85) adão e eva (1) adesão (1) adeus (2) adilia lopes (2) administrativo (1) admiração (1) adolescentes (1) adopção (15) advento (15) afecto (3) africa (21) África (1) africa austral (1) africa do sul (8) ágape (1) agenda (2) agir (1) agressividade (1) água (2) alan gendreau (1) alegorias (1) alegria (11) aleluia (1) alemanha (15) alentejo (3) alerta (1) alexandra lucas coelho (1) Alexandre Quintanilha (1) alimento (1) alma (4) almada (1) alteridade (2) alternativo (9) amadeo de sousa cardoso (1) amantes (2) amargura (1) américa (5) américa central (1) américa latina (10) AMI (1) amigo (3) amizade (4) amnistia internacional (2) amor (54) amplos (2) androginia (1) andrógino (1) angelo rodrigues (1) angola (2) animal (3) anjos (8) anselmo borges (2) anti-semitismo (1) antigo testamento (15) antiguidade (1) antónio ramos rosa (3) antropologia (1) anunciação (2) anuncio (1) ao encontro (1) aparência (1) aparições (2) apatia (1) API (1) apocalipse (1) apócrifos (2) apoio psicologico (1) apolo (2) apóstola (1) apóstolos (1) apple (1) aprender (1) aproximar (1) aquiles (1) ar livre (1) arabes (1) arabia saudita (2) arbitro (1) arco-iris (4) argélia (4) argentina (9) arquétipo (1) arquitectura (9) arrependimento (1) arte contemporanea (18) arte e cultura (322) arte sacra (59) artes circences (1) artes plásticas e performativas (32) artista (2) arvo pärt (6) árvore de natal (1) ascensão (1) asia (9) asilo (2) assassinato (1) assembleia (2) assexuado (3) assexual (1) assexualidade (2) assintomático (1) associação do planeamento da família (1) associações (1) astronomia (1) ateliers (1) atenção (5) atender (1) ateu (2) atletas (2) australia (6) autoconhecimento (1) autodeterminação de género (2) autonomia (1) autoridade (2) avareza (1) ave-maria (2) avô (1) azul (1) bach (6) bairro de castro (1) baixa (1) banal (1) banco alimentar (3) bancos (2) bandeira (2) baptismo (1) baptizado (2) barcelona (5) barroco (3) basquetebol (1) beatificação (2) beatos (1) beckham (1) beijo (4) beja (1) bela e o monstro (1) beleza (18) bélgica (2) belgrado (1) belo (5) bem (5) bem estar (1) bem-aventuranças (3) ben sira (1) beneditinos (2) bento xvi (35) berlim (5) berlusconi (1) best-sellers (1) bethania (2) betos (1) bi (1) bíblia (45) bibliografia (1) bicha (1) bienal (1) bifobia (1) bigood (1) bill viola (1) binarismo (1) biografias (28) biologia (4) bispos (10) bissexualidade (9) bizantina (1) bjork (1) blogue informações (44) bloguer (1) blogues (2) blondel (1) boa nova (1) boa vontade (1) bom (1) bom pastor (1) bom samaritano (1) bombeiro (1) bondade (2) bonecas (1) bonhoeffer (2) bose (5) botswana (1) boxe (2) braga (2) brasil (15) brincadeira (1) brincar (1) brinquedos (2) britten (1) budismo (2) bullying (5) busca (1) buxtehude (1) cadaver (1) calcutá (1) calendário (3) calvin klein (1) caminhada (1) caminho (5) campanha de prevenção (1) campanha de solidariedade (6) campo de concentração (3) cancro (2) candidiase (1) candomblé (1) canonização (2) cantico dos canticos (3) canticos (2) canto (1) cantores (2) capela do rato (11) capelania (1) capitalismos (1) caraíbas (3) caravaggio (4) carcavelos (1) cardaes (1) carência (1) caridade (7) caritas (2) carlos de foucauld (1) carmelitas (2) carnaval (1) carne (1) carpinteiro (1) carta (15) carta pastoral (2) casa das cores (1) casais (17) casamento (61) casamento religioso (1) castidade (3) castigo (1) catacumbas (1) catalunha (3) catarina mourão (1) catástrofes (1) catecismo (3) catolica (1) catolicismo (26) causas (1) CD (1) cegueira (1) ceia (1) celebração (3) celibato (9) censos (3) censura (2) centralismo (1) cep (1) cepticismo (1) céu (1) chamamento (1) chapitô (1) charamsa (1) charles de foucauld (1) chatos (1) chechénia (1) chemin neuf (1) chicotada (1) chile (2) china (3) chirico (1) chorar (1) ciclone (1) cidade (2) ciência (2) cig (1) cimeira (3) cinema (41) cinemateca (1) cinzas (1) ciparisso (1) circo (1) cisgénero (1) civismo (1) clamidia (1) clarice lispector (1) clarissas (1) clausura (3) clericalismo (3) clero (5) cliché (1) co-adopção (3) coccopalmerio (1) cockinasock (2) cocteau (2) código penal (2) colaborador (1) colegialidade (1) colegio cardenalicio (2) colégio militar (1) colóquio (2) colossenses (1) combate (1) comemoração (2) comentário (1) coming out (1) comissão justiça e paz (1) comodismo (1) compaixão (3) companhia de jesus (11) comparação (1) complexidade (1) comportamento (2) composição (1) compromisso (1) comunhão (18) comunicação (2) comunidade (3) comunidade bahai (1) comunidades (3) conceitos (15) concertos (18) concílio (1) condenação (8) conferência (15) conferencia episcopal portuguesa (2) confessar (1) confiança (4) confissão (3) conformismo (1) conhecer (2) conjugal (1) consagrado (2) consciência (4) consumo (1) contabilidade (1) contemplação (5) contos (1) contracepção (1) convergencia (1) conversão (3) conversas (1) convivência (2) cópia (1) copta (1) coração (5) coragem (4) coreia do norte (1) cores (1) corintios (1) corita kent (1) coro (1) corpo (19) corpo de Deus (2) corporalidade (2) corrupção (1) corrymeela (1) cracóvia (1) crença (1) crente (1) creta (1) criação (5) crianças (8) criatividade (1) crime (8) criquete (1) crise (8) crisipo (2) cristãos lgbt (1) cristianismo (41) cristiano ronaldo (2) crítica (15) crossdresser (2) CRS (2) cruz (11) cuba (1) cuidado (1) cuidar (2) culpa (4) culto (2) cupav (2) cura (2) curia (1) curiosidade (6) cursos (4) CVX (1) dádiva (3) dador (2) dadt (8) daltonismo (1) dança (7) Daniel Faria (4) daniel radcliffe (2) daniel sampaio (1) danielou (1) dar (3) dar a vida (12) dar sangue (2) Dark Hourses (1) David (8) david lachapelle (3) deficiência (1) defuntos (1) delicadeza (1) democracia (1) dependências (1) deportação (1) deputados (1) desânimo (1) desassossego (3) descanso (1) descentralização (1) descobrir (1) desconfiança (1) descrentes (1) descriminalização (4) desejo (5) desemprego (1) desenho (12) deserto (3) desfile (1) desilusão (2) desordenado (1) despedida (1) desperdicio (1) despojar (1) desporto (34) detecção (1) Deus (50) deuses (1) dia (1) dia mundial dos pobres (1) diaconado (1) diácono (1) diálogo (9) diálogo interreligioso (7) diferenças (3) dificuldade (1) dignidade (2) dinamarca (1) dinamismo (1) dinheiro (1) direcção espiritual (1) direito (30) direito laboral (1) direitos humanos (51) direitos lgbt (9) discernimento (1) discípulas (1) discípulos (1) discriminação (29) discurso (2) discussão (5) disforia de género (1) disney (2) disparidade (1) disponibilidade (1) ditadura (1) diversidade (8) divindade (2) divisão (2) divorciados (4) divórcio (3) divulgação (1) doação (1) doadores (1) doclisboa (1) documentários (3) documentos (1) doença (2) dogma (1) dois (1) dom (10) dom helder câmara (1) dom manuel martins (2) dom pio alves (1) doma (1) dominicanas (3) dominicanos (6) donativos (1) dons (1) dor (4) dos homens e dos deuses (1) dostoievsky (1) doutores da igreja (2) doutrina da fé (2) doutrina social (5) drag (2) drag queens (2) dst (2) dureza (1) e-book (1) eckart (2) eclesiastes (3) eco (1) ecologia (6) economia (7) ecos (1) ecumenismo (14) edith stein (3) educação (7) efémero (1) efeminação (1) efeminado (2) egipto (2) ego (1) egoismo (1) elite (1) emas (1) embrião (1) emoção (1) empatia (1) emprego (10) enciclica (2) encontro (16) ensaios (11) ensino (1) entrevista (15) entrudo (1) enzo bianchi (2) equipa (1) equipamentos (1) erasmo de roterdão (1) erotismo (3) escandalo (2) escândalo (2) esclarecimento (1) escócia (1) escolas (5) escolha (2) escravatura (1) escultura (8) escuridão (1) escuta (7) esgotamento (1) esmola (1) espaço (3) espanha (10) espanto (1) esparta (1) espectáculos (1) espera (6) esperança (3) esperma (4) espermatezoide (1) espírito (4) Espírito Santo (4) espiritualidade (100) esquecer (1) estar apaixonado (1) estatística (13) estética (3) estoril (2) estrangeiro (2) estrelas (1) estudos (20) estupro (1) eternidade (1) ética (3) etty hillesum (4) eu (5) EUA (39) eucaristia (11) eugenio de andrade (4) eurico carrapatoso (8) europa (45) eutanásia (1) evangelho (19) evangelização (2) évora (1) ex-padre (1) exclusão social (2) exegese (1) exemplo (3) exercicios espirituais (2) exército (12) exibicionismo (2) exílio (1) exodus (1) exposição (1) exposições (13) ezequiel (1) f-m (1) f2m (1) facebook (4) fado (1) falar (1) falo (2) falocratismo (1) faloplastia (1) família (36) famílias de acolhimento (1) famosos (18) fardo (1) fariseismo (1) fátima (4) favela (1) (22) fé e cultura (5) fecundidade (2) feio (1) felicidade (1) feminino (4) feminismo (3) fernando pessoa (2) festa (2) festival (11) fiat (1) fidelidade (4) FIFA (4) figuras (11) filho pródigo (1) filhos (3) filiação (1) filipinas (1) filmes (27) filoctetes (1) filosofia (4) finlandia (1) firenze (2) flagelação (1) flaubert (1) flauta (2) floresta (1) fome (3) fontana (2) força (1) forças armadas (2) formação (3) fotografia (41) fr roger de taizé (3) fra angelico (1) fracasso (1) fragilidade (5) frança (9) franciscanos (1) francisco de sales (1) francisco I (78) francisco tropa (1) françoise dolto (2) fraqueza (1) fraternidade (4) frederico lourenço (5) freira (3) frescos (1) freud (2) frio (2) fronteira (2) ftm (1) fundacao evangelizacao culturas (3) fundamentalismos (1) funeral (1) futebol (16) futebol americano (1) futuro (3) galileu (1) galiza (1) ganancia (1) gandhi (2) ganimedes (2) gastronomia (2) gaudi (4) gaudium et spes (2) gay (112) gay lobby (3) gaydar (1) gayfriendly (2) género (25) generosidade (1) genes (1) genesis (3) genética (4) genital (1) geografia (1) gestos (1) gilbert baker (1) ginásio (1) global network of rainbow catholics (1) glossário (15) gnr (2) GNRC (1) goethe (1) gomorra (2) gonorreia (1) gozo (2) gratuidade (3) gravura (1) grécia (1) grécia antiga (9) grit (1) grün (1) grupos (1) gula (1) gulbenkian (3) habitação (1) haiti (1) harvey milk (1) hasbro (1) havai (1) heidegger (1) helbig (1) hellen keller (1) hemisfério sul (1) henri de lubac (1) héracles (1) herança (1) heresia (1) hermafrodita (2) hermafroditismo (2) herpes genital (1) heterofobia (1) heteronormatividade (1) heterosexuais (5) heterosexualidade (3) heterossexismo (2) hierarquia (34) hilas (1) hildegarda de binden (1) hildegarda de bingen (1) hinos (1) hipocrisia (3) história (42) história da igreja (1) Hitler (1) holanda (5) holocausto (2) homem (14) homenagem (2) homilia (6) homoafetividade (7) homoerotismo (14) homofobia (65) homoparentalidade (3) homossexualidade (150) honduras (1) hormonas (1) hospitais (1) hospitalidade (4) HPV (1) HSH (3) humanidade (5) humildade (6) humor (9) hysen (2) icone gay (9) icones (4) iconografia (1) idade (1) idade média (2) idealização (1) identidade (13) ideologia do género (2) idiota (1) idolatria (2) idolos (1) idosos (1) ignorância (2) igreja (156) igreja anglicana (7) igreja episcopal (2) igreja lusitana (1) igreja luterana (2) igreja presbiteriana (1) igualdade (9) II guerra mundial (7) ikea (2) ILGA (10) iluminismo (1) iluminuras (1) ilustração (1) imaculada conceição (1) imigração (2) imitação (1) impaciencia (1) impotência (1) imprensa (53) inácio de loyola (1) incarnação (4) incerteza (1) inclusão (5) incoerência (1) inconsciente (1) indemnização (1) india (2) indiferença (1) individuo (1) infalibilidade (1) infancia (1) infância (2) infecção (1) infertilidade (1) infinito (1) informática (1) ingenuidade (1) inglaterra (3) iniciativas (1) inimigos (3) injustiça (1) inocentes (1) inquérito (1) inserção social (1) instinto (1) instrumentos musicais (1) integração (2) inteligencia (1) inter-racial (1) intercessão (1) intercultural (2) interior (4) internacional (3) internet (1) interpretação (1) interrogação (1) intersexualidade (5) intolerância (2) inutilidade (1) inveja (1) investigação (4) invocação (1) invocar (1) iolau (1) irão (1) irlanda (6) irmão (2) irmão luc (1) irmãos de jesus (1) irmãs de jesus (1) irreverencia (1) isaias (2) islandia (1) islão (12) isolamento (1) israel (2) IST (3) italia (5) jacinto (1) jacob (3) jacopo cardillo (1) jacques berthier (1) james alison (4) james martin (4) jantar (1) japão (1) jardim (1) jasão (1) jean vanier (1) jejum (2) Jeová (1) jeremias (1) jerusalem (1) jesuitas (3) jesus cristo (49) JMJ (8) joana de chantal (1) João (8) joao climaco (1) joao paulo II (8) joão XXIII (2) job (2) jogos (2) jogos olimpicos (2) jonas (1) Jonatas (5) jorge sousa braga (1) jornadas (1) jornalismo (2) josé de arimateia (1) josé frazão correia (1) jovens (7) judaismo (9) judas (4) jung (2) justiça (21) juventude (5) kenose (1) kitsch (3) krzystof charamsa (1) l'arche (1) ladrão (1) lady Gaga (2) lagrimas (2) lágrimas (1) laicidade (2) laio (2) lançamento (1) lázaro (1) lazer (2) LD (1) lectio divina (1) lei (25) lei da blasfémia (1) leigos (3) leigos para o desenvolvimento (1) leiria (1) leituras (37) lenda (1) leonardo da vinci (1) lésbica (48) lev tolstoi (1) Levinas (1) levitico (2) levítico (2) lgbt (74) lgbti (20) liberdade (8) libertinagem (1) liderança (3) limpeza (1) linguagem (2) lisboa (83) literalidade (1) literatura (4) lituania (1) liturgia (6) livrarias (2) livros (36) ljungberg (2) londres (1) Lopes-Graça (1) loucura (1) lourdes castro (4) loures (1) louvor (2) lua (1) lubrificante (1) lucas (5) lucian freud (1) luiz cunha (1) luta (5) luto (3) luxemburgo (1) luz (2) m-f (1) M2F (1) macbeth (1) machismo (4) macho (2) madeleine delbrel (1) madre teresa de calcuta (9) madureira (1) mãe (1) mães (7) mafra (1) magdala (2) magia (1) magnificat (8) magrebe (1) mal (2) malasia (2) man (1) mandamentos (1) manifestação (1) manuel alegre (1) manuel cargaleiro (1) manuel clemente (4) manuel graça dias (1) manuel linda (1) manuel neuer (2) maori (1) mãos dadas (2) marcelo rebelo de sousa (1) marcha (5) marcos (1) Maria (18) maria de lourdes belchior (1) maria madalena (4) maria-rapaz (1) marinheiros (1) marketing (1) marrocos (2) martha medeiros (1) martin luther king (1) martini (2) mártir (5) martírio (3) masculinidade (10) masculino (1) mastectomia (1) masturbação (2) matéria (1) maternal (1) maternidade (1) mateus (7) matrimónio (1) mattel (1) mecenas (2) media (2) mediação (1) médicos (2) medio oriente (2) meditacao (8) medo (9) meia-idade (1) melancolia (1) membro (1) memória (1) memorial (1) mendigo (1) menino (4) menores (2) mensagem (2) menstruação (1) mentira (1) mercado (1) mesa (1) mestrado (1) metafora (1) metanoia (1) méxico (3) michael stipe (2) Michelangelo (2) Michele de Paolis (2) micronesia (1) migrante (1) miguel esteves cardoso (2) milão (1) mimesis (1) mineiros (2) minimalismo (1) ministerio publico (1) minorias (1) minorias étnicas (1) mira schendel (1) misericordia (3) misericórdia (3) misoginia (1) missa (7) missão (4) missionarias da caridade (1) missionário (3) mistério (3) mística (6) mitcham (2) mito (3) mitologia (8) mitos (2) moçambique (4) moda (5) modelos (8) modernidade (2) moina bulaj (1) moldavia (1) monge (4) monogamia (1) monoparentalidade (1) montenegro (1) montserrat (1) monumentos (1) morada (1) moral (6) moralismo (1) morte (25) mosteiro (1) movimento civico (1) movimento gay (1) MRAR (1) MSV (1) MTF (1) mudança (1) mudança de nome (1) mudança de sexo (6) mulheres (19) mundial (3) mundo (148) munique (1) murais (1) muro pequeno (2) musculos (1) museus (11) musica (2) música (87) musical (1) namoro (3) nan goldin (1) não crentes (2) não-violência (1) narciso (2) natação (1) natal (43) natividade (3) NATO (3) natureza (5) naufrago (1) nauru (1) nazis (5) newman (1) nigeria (1) nobel (2) noé (1) nómada (1) nome (5) nomeação (1) nós somos igreja (2) nossa senhora (1) nota imprensa (1) notícias (2) nova iorque (2) nova zelandia (2) novelas (1) novo testamento (5) nudez (20) numero (1) núncio apostólico (1) NY (1) o nome da rosa (1) obediência (1) objectivos milénio (1) obra (14) obstáculos (1) oceania (1) ocupação (1) ódio (5) ofensa (1) oferta (1) olhar (4) olho (1) olimpicos (2) olimpo (1) omnissexualidade (1) ONU (14) opinião (157) oportunidades (3) optimismo (2) opus gay (2) oração (59) oração comum (2) oração do nome (1) orar (3) ordem de cister (2) ordem dos advogados (1) ordem dos médicos (6) ordenação de gays (5) ordenação de mulheres (8) orgão (3) orgia gay (1) orgulho gay (7) orientação (12) oriente (1) origem (2) orlando cruz (1) ortodoxia (2) oscar romero (1) ousar (1) outro (2) ovideo (1) ovocitos (1) ovulo (1) paciencia (1) pacificador (1) pacífico (3) pacifista (2) padraig o tuama (1) padre (22) padre antónio vieira (1) padres (2) padres casados (1) padres da igreja (1) padres do deserto (2) paganismo (1) pai (7) pai natal (1) pai-nosso (2) pais (6) pais de gales (2) paixão (15) palácios (1) palavra (8) palestina (1) palestra (1) paneleiro (1) pansexualidade (1) papas (41) papel da mulher (11) papiloma (1) paquistão (1) paradas (3) parágrafo 175 (2) paraíso (3) parcialidade (1) parentalidade (4) paridade (2) paris (7) parlamento (3) paróquias lgbt (1) participação (2) partilha (8) pascal (3) páscoa (4) pasolini (2) pastoral da saúde (1) pastoral homossexual (27) pastoral trans (2) pastoral universitária (2) paternal (1) paternidade (3) patinagem (3) patio dos gentios (2) patriarca (1) património (5) pátroclo (1) paul claudel (4) paulo (5) paulo VI (1) pausanias (1) paz (12) pecado (7) pederasta (1) pederastia (1) pedir (1) pedofilia (10) pedra (1) pedro arroja (1) pélope (1) pena (4) pénis (1) penitência (5) pensamentos (3) pensão (1) pentecostes (2) perdão (6) peregrinação (1) peregrino russo (1) perfeição (2) pergunta (2) periferias (4) perigo (1) perplexidade (1) perseguição (1) perseverança (1) pessimismo (2) pessoa (8) petição (2) piano (1) piedade (1) pina bausch (3) pink narcisus (1) pintura (15) piolho-da-pubis (1) pirítoo (1) pistas (1) pluralidade (1) pobreza (14) poder (1) poesia (53) poitiers (1) polémica (4) poliamor (1) policia (3) polissexualidade (1) política (50) polo aquatico (1) polónia (1) pontes (1) pontificado (1) pontífices (1) POP art (1) população (1) pornodependencia (1) pornografia (2) portas (1) porto (9) porto rico (1) portugal (115) poseidon (1) povo de Deus (3) praia (1) prática (2) prazer (4) prece (3) preconceito (3) pregador (1) prémios (12) presença (2) presentes (1) presépios (5) preservativo (12) presidente (3) prevenção (1) pride (1) primavera (3) primeiros cristãos (1) principes (1) prisão (3) priscilla (1) procriacao (3) procura (4) professores (1) projecto (1) prostituição (4) prostituta (2) protagonista (1) provisório (1) próximo (5) psicanálise (1) psicologia (16) psicoterapia (1) psiquiatria (1) publicidade (4) pudor (1) qatar (4) quaintance (1) quakers (1) quaresma (35) queer (7) quenia (1) questionário (1) quotidiano (2) racial (1) racismo (4) radcliffe (2) rahner (1) rainhas (1) ranking (1) rapto (2) raul brandão (1) rauschenberg (1) razão (2) realidade (5) recasados (3) reciclar (5) reciprocidade (1) recolha de alimentos (1) recolhimento (1) reconciliação (5) rede ex aequo (8) redes sociais (5) refeição (1) reflexão (61) reforma (3) refugiados (3) registo civil (2) reino de Deus (2) reino unido (14) reis (9) relação (14) relatórios (2) religião (18) religion today (1) religiosidade (3) religioso (2) REM (2) Renascimento (1) renúncia (1) repetição (1) repouso (1) repressão (1) reproducao (2) república (1) republica checa (1) respeito (3) respiração (1) responsabilidade (2) ressurreição (2) restauro (1) retiro (10) retrato (4) reutilizar (5) rezar (2) Richard Zimler (1) ricky cohete (1) ricky martin (4) ricos (1) rigidez (1) rilke (4) rimbaud (2) riqueza (1) rival (1) rodin (1) roma (3) romance (1) romanos (1) romenia (1) rosa (6) rosa luxemburgo (1) rosto (1) rothko (1) rotina (1) roupa interior (1) rufus wainwright (5) rugby (4) rui chafes (2) rumos novos (4) russia (4) ryan james caruthers (1) s. bento (7) s. valentim (1) sábado santo (1) sabedoria (2) sacerdócio (2) sacerdotes (1) sacerdotisas (2) sacramentos (4) sacro (1) sagrada família (5) sagrado (7) sahara ocidental (3) sair (2) sair do armario (19) salmos (5) salvação (5) Samuel (1) sanção (1) sangue (1) santa catarina (1) santa cecilia (1) santa hildegarda (1) santa sé (2) santa teresa de avila (2) santarem (4) santas (2) santegidio (1) santidade (8) santo agostinho (3) santo ambrosio (1) santo antonio (1) santos (18) são cristóvão (1) sao francisco (7) sao joao (1) São José (2) sao juliao (1) sao tomas de aquino (1) sao tome e principe (1) sapatas (1) sapatos (1) saramago (1) sartre (1) saúde (26) Saul (1) schütz (1) seamus heaney (1) sebastião (9) séc XX (1) secura (1) sede (10) sedução (1) segurança (2) sem-abrigo (2) semana santa (7) semen (1) seminários (5) sensibilidade (1) sensibilização (1) sentença (1) sentidos (4) sentimentos (2) sepulcro (1) sepultura (1) ser (3) ser humano (3) ser solidário (44) sermões (5) serralves (1) servia (2) serviço (8) setúbal (3) sexismo (2) sexo (10) sexo biológico (2) sexo seguro (2) sexta feira santa (2) sexualidade (23) shakespeare (1) sic (1) sicilia (1) sida (20) sífilis (1) sightfirst (1) silêncio (12) sim (1) símbolos (2) simone weil (4) simplicidade (3) singapura (1) singularidade (1) sínodo (5) sintomas (1) sintomático (1) sobrevivente (1) sobreviver (1) sociedade (89) sociologia (1) sodoma (3) sodomia (2) sofrimento (13) solicitude (1) solidão (13) solidariedade (4) sondagem (10) sonhos (2) Sophia (8) st patrick (1) steven anderson (1) stockhausen (1) stölzel (1) stonewall (2) submissão (1) sudário (1) suécia (4) suicidio (5) sul (1) surrealismo (1) susan sontag (1) sustentabilidade (1) taborda (1) tabu (2) taizé (6) talentos (1) tapeçaria (1) tavener (6) TDOR (1) teatro (14) teatro do ourives (1) tebas (1) tecnologia (3) tel aviv (1) televisão (2) templo (2) tempo (4) temps d'images (1) tenebrismo (1) tentação (2) teologia (46) teologia da libertação (2) teólogo (2) teoria do género (1) terceiro género (1) teresa benedita da cruz (1) teresa forcades (1) terras sem sombra (1) terrorismo (1) teseu (1) teste (1) testemunhas de jeová (1) testemunhos (39) testículos (1) textos (2) the king's singers (1) Thibirine (2) thomas merton (2) tibães (1) timor (1) timoteo (1) tocar (1) tolentino (32) tolerância (5) torres vedlas (1) tortura (1) trabalho (6) trabalho doméstico (1) tradição (1) traição (1) transexualidade (22) transfobia (6) transformista (1) transgender (8) transgeneridade (1) transgéneros (3) trapistas (2) travesti (3) travestismo (3) trevor hero (1) triângulo (5) tribunal (4) tricomoniase (1) Trindade (3) trinidad e tobago (1) tristeza (2) troca (1) troilo (1) tu (2) turim (1) turismo (2) turquia (3) ucrania (2) uganda (6) últimos (1) umberto eco (1) umiliana (1) unção (1) UNESCO (1) união (15) único (1) unidade (7) unitaristas (1) universal (1) universidade (2) universo (1) utero (1) útil (1) vaidade (3) valores (2) vanitas (1) vaticano (48) vaticano II (12) vazio (1) velhice (3) veneza (3) vento (1) verdade (10) vergonha (1) via sacra (10) vício (1) vida (64) vida dupla (1) vidas consagradas (5) video (39) vieira da silva (1) vigarice (1) vigiar (2) vih/hiv (19) vingança (1) vintage (1) violação (4) violência (9) violência doméstica (1) VIP (1) virgindade (1) viril (2) virilidade (1) vírus (1) viseu (1) visibilidade (2) visitação (1) visitas (7) visões (1) vitimas (2) vítor melícias (1) vitorino nemésio (1) vitrais (1) viver junto (2) vocação (5) voluntariado (10) von balthasar (2) vontade (2) voyeur (1) warhol (1) whitman (1) wiley (1) wrestling (1) xenofobia (4) youtube (1) yves congar (1) zeus (1)

As nossas visitas