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O desenvolvimento da identidade sexual pode ser encarado em três dimensões: a identidade de género, os papéis sexuais e a orientação sexual. A identidade de género – o primeiro componente da identidade sexual – desenvolve-se entre o nascimento e os três anos de idade, e Green define-a como “a convicção básica do indivíduo acerca do seu sexo biológico” (Green, 1974; cit in Shively & De Cecco, 1993: 81). Nem sempre é congruente com o sexo biológico visível, pois ocasionalmente alguns rapazes têm a convicção de serem raparigas e vice-versa. Sabemos que, enquanto na identidade de género há um processo de auto-identificação, na identidade biológica há uma identificação pelos próprios indivíduos e pelos outros (Shively & De Cecco, 1993).
Na formação da identidade sexual, o segundo componente a desenvolver-se são os papéis sociais e sexuais, ou seja, as características culturalmente associadas com ser homem ou mulher – que através dos estereótipos são percepcionados como as características masculinas ou femininas. Os papéis sociais estão muito associados à aparência, aos comportamentos, a aspectos de personalidade e ao que é esperado que uma pessoa pareça, aja ou se comporte, segundo determinadas normas culturais. Os papéis sexuais associam-se por sua vez, ao que se espera de uma “menina-menino”, evoluindo ao longo da vida, consoante as circunstâncias sociais. O desenvolvimento destes aspectos encontra as suas bases a partir dos três anos, até cerca dos sete anos de idade, no entanto, não são processos estáveis e definitivos, pois a abertura cultural à diversidade possibilita hoje muitas mais flutuações no modo como as pessoas se identificam a si mesmas e as categorias que utilizam e que metamorfizam ao longo do tempo. Assim, a identidade de género é a vivência privada do papel social e o papel social é a expressão pública da identidade de género (Money & Erhardt, 1972; Gomes & Marques, no prelo). Podemos encarar a identidade de género como um contínuo de masculinidade e feminilidade, como duas faces da mesma moeda (DeCecco et al., 1975; cit in Shively & De Cecco, 1993) ou como dois contínuos, um de presença ou ausência de masculinidade e outro paralelo de feminilidade. Fausto-Sterling (1993) considera as categorias de masculino e feminino demasiado rígidas em relação à realidade humana e às possíveis variações da vida biológica humana, como os exemplos de intersexualidade, que apresentam uma variedade impressionante de cromossomas, hormonas e características genitais masculinas e femininas. Esta autora, que tem muito apoio e reconhecimento pelos movimentos activistas, gerou alguma controvérsia no mundo científico, pois rejeita a própria existência do género. O terceiro componente da identidade sexual é a orientação sexual – a preferência por parceiros do sexo oposto, do mesmo sexo ou por ambos os sexos – que pode ser vista como tendo pelo menos dois aspectos essenciais: a preferência física sexual e a preferência afectiva. Há perspectivas bipolares da orientação sexual, de heterossexual a homossexual, ou ainda mais idiossincráticas e focadas na variabilidade da biologia à cultura, como defende Fausto-Sterling (1999). Milton Diamond, um médico que se dedicou a investigar a identidade de género, afirma que a orientação sexual engloba várias dimensões da identidade sexual, identidade de género e papéis sociais, sendo as categorias de homossexual, heterossexual ou bissexual mais adequadas como adjectivos que como nomes, pois referem-se apenas ao sexo do parceiro com que uma pessoa prefere em termos eróticos, amorosos, afectivos e também com quem deseja ter comportamentos sexuais (Diamond, 2002). Uma outra autora que se tem debruçado sobre a orientação sexual, Lisa Diamond, tem contestado o modo de estudar a sexualidade, particularmente a feminina, por se encarar a orientação sexual como a predisposição para experienciar atracção sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou por ambos; enquanto a identidade sexual é encarada como um auto-conceito que o sujeito organiza à volta desta disposição – a primeira com um desenvolvimento precoce, e a segunda a desenvolver-se desde a adolescência ou início da idade adulta, variando com o contexto social, histórico e cultural (Diamond, 2000). A fluidez na identidade sexual demonstra-se na quantidade de mudanças longitudinais na identidade sexual, nas atracções e nos comportamentos, nas categorias de orientação sexual, em diferentes circunstâncias, com as atracções sexuais a demonstrarem mudanças frequentes. Ter comportamentos ou atracções homossexuais não significará necessariamente ter uma identidade homossexual, pois os comportamentos e atracções são vividos pelo próprio como relativos às relações sexuais com parceiros do mesmo sexo, enquanto a identidade se relaciona com ver-se a si mesmo como homossexual (Davies & Neal, 1996). A importância de diferenciar os comportamentos da identidade, advém da compreensão geral da população e das vivências pessoais em relação à homossexualidade: a maioria das pessoas não descreve a sua sexualidade de modo congruente com o seu comportamento e fantasias. Albuquerque afirma que para se usar o termo homossexual, a orientação sexual tem de estar presente de um modo estável e duradouro (Albuquerque, 2006).
Flutuações e diferenças de género no desenvolvimento da orientação sexual:
Perspectivas teóricas
Joana Almeida e Ana Alexandra Carvalheira
Análise Psicológica (2007), 3 (XXV): 343-350