"Estamos do lado do preconceito contra os nossos filhos ou do lado dos nossos filhos contra o preconceito?" A pergunta levou à criação da AMPLOS, Associação de Mães e Pais pela Liberdade da Orientação Sexual. Pelos filhos, pelos pais, "pelos valores mais fortes da família" - por amor
"Não reagimos da forma mais correcta possível. De certeza que fiz coisas erradas ou menos certas." Margarida Lima Faria, 51 anos, socióloga, casada há trinta, mãe de duas filhas, descobriu há cinco anos que uma delas, a mais nova, é homossexual. Descobriu é uma forma de dizer: foi informada pela própria. "Não foi uma conversa nada fácil, sobretudo para ela. Sinto orgulho por ela nos ter dito, por isso corresponder a uma relação de confiança e à noção que teria da nossa capacidade de a aceitar como ela é. E por corresponder a uma ética da verdade, algo que tentámos sempre construir na nossa família."
A hipótese, confessa, "nunca se tinha colocado". E a reacção foi "mais de confusão que de desilusão". Sorri. "Uma coisa que queria dizer aos outros pais é que no dia seguinte ao da revelação está tudo igual, o mundo não acabou - até está melhor, porque se tem um filho mais feliz." Mas nem toda a gente, é sabido, vê as coisas assim. "Tenho uma amiga médica que me contou que uns amigos lhe ligaram para falar do grande drama que acontecera à filha. E ele achou que era algo tão grave que perguntou 'Não me digam,é um cancro?'E eles responderam: 'Pior que isso' ."
No sossego da esplanada do Centro Cultural de Belém, local perto do seu emprego onde Margarida marcou o encontro, a brutalidade irredimível da frase suspende os gestos. "Aquilo que as pessoas são depende muito das relações primárias que se constroem no seio da família.
Se os pais não aceitam os filhos é um golpe terrível na sua auto-estima. E as pessoas que não gostam de si próprias não são bons cidadãos."
A fobia que leva pais a renegar filhos por causa da sua orientação sexual também se vira contra os pais que não os renegam. "É absurdo. Temos dificuldade de falar dos filhos homossexuais, pedem-nos que façamos de conta que não existem. Durante muito tempo quando me perguntavam pelas minhas filhas elidi a vida relacional de uma delas. Mas a partir de uma certa altura senti que devia começar a lidar com a coisa de forma completamente natural, porque de outra forma estava a discriminar uma filha em relação à outra. E as reacções começaram a ser muito estranhas. Quando dizia 'A minha filha tem uma namorada', havia quem me dissesse 'Estás a dizer isso para me provocar' e quem me falasse de doenças, a ponto de eu ficar numa tristeza..."
Foi em grande parte devido a essas reacções que começou a formar-se na cabeça de Margarida a ideia de uma associação. De fazer qualquer coisa mais estruturada, mais organizada, para mudar as coisas. De partilhar o que sentiu e decidiu e pensou durante os últimos cinco anos , desde que sucedeu aquilo que passou a ver "como uma boa oportunidade que a vida me deu".
Para Margarida, a AMPLOS não deve ser "só uma associação de pais de homossexuais" ,: deve ter lugar para toda a gente que ache esta luta importante. Também não quer que se diga "Ai, agora os pais têm de falar pelos filhos, defendê-los". "Não é nada disso, nem eu gostava que a minha filha estivesse nessa situação. Os nossos filhos são jovens adultos, sabem pensar pela sua cabeça e defender-se. A última vez que falei com uma professora da minha filha para a defender tinha ela dez anos. Não se trata disso... Mas estive com jovens que morriam de medo de contar aos pais. Fui a uma reunião da ILGA e quando lemos a primeira frase do manifesto, 'Somos um grupo de mães e pais', houve um jovem que disse 'Isto não está a acontecer'." Pára, como quem sustém qualquer coisa. "Havia pessoas com as lágrimas a correr pela cara abaixo." Lágrimas de felicidade, desta vez - ou de esperança. "Houve alguns que nos contaram que um dia a mãe ou o pai lhes perguntou 'És homossexual?', e eles responderam 'Não'. E a conversa acabou aí. As pessoas contentam-se com o que querem ouvir..." A esses pais, a todos os pais que acham que os filhos os desiludem com coisas como estas, Margarida gostaria de dizer isto: "Não é um problema, um grande problema. É uma contrariedade. A vida em sociedade faz-se de expectativas, das expectativas que acalentamos em relação aos outros. E se uma expectativa se gorar, há a capacidade de adaptação, em que é muito importante o amor e a inteligência. É tudo uma questão de amor, não é?"
A AMPLOS, nome de lugar grande, coisa que abarca, de abraço, nasceu sobretudo disso - "dos valores mais fortes da família". "Desde que pusemos a circular o nossomanifesto que recebemos imensos mails e contactos de encorajamento. As pessoas dizem 'Até que enfim', 'Força', 'Que bom'... Fiquei muito surpreendida com tantas reacções positivas. Um dos que mais me comoveu foi o da mãe de duas filhas de três e cinco anos que disse querer participar para que elas pudessem crescer num mundo melhor."
http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1328905
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