«Quantas vezes dirigiram-se a você com a palavra “você” numa publicação católica? (...) Normalmente, sempre que há uma discussão sobre questões gay em publicações católicas, o estilo torna-se rapidamente duro e aparece um misterioso “eles”.»
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«E se me oferece a oportunidade de falar a você, não em caráter oficial, mas como irmão, um irmão com um pouco de história de vida que inclui ser um homem abertamente gay. É-me dada a oportunidade de dirigir-me a você partindo do mesmo nível em que você está, como alguém que não sabe melhor que você a respeito de quem você é, e mesmo não sabe muito a respeito de quem eu sou. No entanto aconteceu algo novo. Tornou-se possível, numa publicação católica da tendência dominante, que a palavra “você” seja pronunciada de forma aberta e sem restrições, de uma forma que espero ressoe criativamente no seu íntimo, por um “eu” em cujo timbre de voz são evidentes as inflexões daquela tensão amorosa que é a seqüela de viver como um homem abertamente gay no seio da Igreja católica.»
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«“... Mas o Deus que nos é revelado em Jesus não poderia de maneira alguma tratar essa pequena porção da humanidade que é gay e lésbica com dois pesos e duas medidas, da maneira como a Igreja chegou a fazê-lo”. Ele não poderia de maneira alguma dizer: “Eu amo você, mas só se você se tornar outra coisa”; ou: “Ame seu próximo, mas, em seu caso, não como a você mesmo e sim como se você fosse um outro”; ou: “O amor de você é por demais perigoso e destrutivo, encontre algo diferente para fazer”.»
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«Não! Não quero pretender que ser um católico abertamente gay é algo fácil ou óbvio. Não é. Para começar, o simples fato de você querer ler uma carta como esta é um sinal de quantos obstáculos você já deve ter superado. É bem possível que você já tenha enfrentado ódio e discriminação em seu país, por parte de membros da sua família, na escola, nas mãos de legisladores ávidos de votos fáceis, através de manchetes gritantes de jornais que lhe queimam a alma, e diante das quais você fica sem palavras para se defender. E você provavelmente notou que, no melhor dos casos, a Igreja que se diz – e é – sua Santa Mãe manteve-se calada a respeito do ódio e do medo. Enquanto muitíssimas vezes seus porta-vozes ter-se-ão rebaixado ao nível dos políticos de segunda classe, vociferando ódio enquanto afirmam apoiar o amor. O simples fato de você, através e em meio e apesar de todas estas vozes odiosas, ter ouvido a voz do Pastor chamando você a fazer parte de seu rebanho já é um milagre muito maior do que você imagina, que prepara você para uma obra mais sutil e mais delicada do que aquelas vozes poderiam conceber.»
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«Você compartilhará todo o desprezo que o mundo moderno tem pela Igreja católica pelo fato de você apegar-se firmemente à fé que recebeu – pensarão que você terá pouca coisa de valor a oferecer. E, pelo fato de ser um católico, você estará sempre a ponto de ser considerado uma espécie de traidor de qualquer projeto que seus contemporâneos procuram construir. Nenhuma surpresa nisto: isso faz parte do jogo. Mas você enfrentará alguma coisa a mais, porque será considerado uma espécie de traidor também no seio da Igreja. “Não é bem um dos nossos”. E certamente não alguém que possa representar publicamente a Igreja, ser uma parte visível do sinal que leva à salvação.»
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«Porque, evidentemente, eu posso ter perdido o chão embaixo dos pés e caído no espaço onde não há nenhum olhar por ter-me tornado hermético em meu próprio orgulho e auto-ilusão. Neste caso, nunca encontrarei um olhar, mas irei dançar ao ritmo dessa auto-decepção, imaginando-me santo e especial enquanto a morte não chega. Ou, se estou sendo levado pelo Espírito de Deus, o lugar onde não existe nenhum olhar pode transformar-se no espaço onde sou encontrado pela atenção de Deus. E isto será experimentado por mim como um “nada” ao meu redor, e só os outros podem perceber que existe um “eu” sendo chamado ao ser por Alguém cujos olhos não posso ver, mas Ele pode ver-me, um sopro que não posso sentir e no qual no entanto estou sendo sustentado. E, evidentemente, os outros não entenderão necessariamente mais do que eu o que eles vêem vindo ao ser.»
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«"¡Esto va para largo…!" ["Isto vai levar muito tempo!"] – era o sábio conselho que me dava um dos meus formadores, um dos meus treinadores, que além de ser gay é historiador. Ele me dizia, como eu estou dizendo a você, que o processo de ajustamento à verdade nesta esfera vai levar muito, muito tempo. E só acontecerá se pessoas como você e eu estiverem preparadas para amar o projeto (...) Aquele que por primeiro deu vida ao projeto para nós, irá infundir-nos coragem e força e esperança»
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«Será, meu amigo, que esta oportunidade de comunicação irá se repetir? Será que é apenas um ruído no ar, será que os bloqueadores das ondas de rádio católicas conseguirão impedir ainda mais um intercâmbio aberto entre um “eu” católico e um “você” católico, que por acaso são ambos gays? Ou será que não há algum degelo no permafrost eclesiástico e a conversa se tornará muito, muito mais fácil? Seja como for, permita-me dizer a você o que descobri em meus anos de clandestinidade em território inimigo: você não está sozinho, e as promessas d’Ele são verdadeiras.»
http://www.jamesalison.co.uk/texts/eng52.html
http://www.diversidadecatolica.com.br/bibliografia_detalhes.php?id=44
Que texto maravilhoso! E como temos sêde de documentos desse tipo... Agradeço ao blog por tão belo presente. Isto é serviço cristão, caridade!
ResponderEliminarÉ a Presença do Amor. É a Presença de Deus.
Fico muito feliz com o comentário do Benjamin. E não se esqueçam que o blogue é de todos e que sempre que encontrem algo que pudesse caber neste blogue, podem mandar-me um mail (ver o meu endereço abaixo das mensagens). E também podem seguir este blogue e acompanhar o seu desenvolvimento inscrevendo-se como "seguidores".
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