Passo a citar a entrevista de José Frota e Paulo Paixão do semanário Expresso de 29 de Março de 2008
"Ser 'gay' é como ser canhoto"
Padre e autor de diversas obras, como a recentemente publicada "Carta a um Jovem Católico 'Gay'", o britânico James Alison participou no retiro, há uma semana, promovido por católicos homossexuais.
James Alison nasceu em 1959. Tem publicadas várias obras sobre cristianismo, entre as quais estudos sobre a questão "gay" (parte delas estão disponíveis, em várias línguas, no site de James Alison, no final do texto). Alison doutorou-se na Faculdade de Teologia de Belo Horizonte, no Brasil. Pertenceu aos dominicanos entre 1981 e 1995. No sábado participou no encontro promovido pelo Riacho. Na quarta-feira, por telefone, respondeu a questões do Expresso.
Esteve recentemente em Lisboa. Com que impressão ficou das aspirações dos homossexuais católicos portugueses?
Conheci muito poucos. Foi uma visita relâmpago, num fim-de-semana de Páscoa, complicado para a agenda de muitas pessoas. Mas as aspirações parecem-me muito parecidas às de outros "gays" noutras partes do mundo. Em Portugal percebi que existe aquela situação muito típica dos países mediterrânicos: a convivência "gay" é muito tranquila. Não há muitas figuras públicas (da televisão, políticos ou médicos, por exemplo) assumidas, algo que acontece cada vez mais noutros estados. Já quanto à Igreja portuguesa, creio que existe um silêncio total.
No panorama internacional (Europa e Américas, sobretudo), as reivindicações dos movimentos portugueses são um caso isolado ou inserem-se num fenómeno emergente?
Neste momento, trata-se de uma tendência universal. Em Espanha, por exemplo, já há matrimónio civil. A Igreja espanhola gritou alto contra a situação, mas o assunto tornou-se pacífico. Quando a sociedade aceita realidades assim, o protesto eclesiástico encontra ouvidos surdos. O fenómeno dissemina-se rapidamente, sobretudo em países sul-americanos, como Brasil, México ou Colômbia. Hoje em dia, a geração que pessoas com menos de 30 anos não entende o porquê das resistências da Igreja. E sente uma angústia por causa dessa incompreensão. A reivindicação do direito de cada um dizer honestamente quem é (pois é disso que se trata) tem-se espalhado muito rapidamente.
Que mecanismos ou razões permitem aos homossexuais serem mais tolerados dentro da Igreja Católica ou melhor tratados dentro de um determinada sociedade?
A Igreja Católica não pode afastar-se da lei civil. É muito difícil na Inglaterra, por exemplo, um cardeal falar em tons de ódio contra os "gays", porque há uma legislação contra um discurso que incite ao ódio. Assim, existe uma pressão das leis civis: estas condicionam uma maior abertura ou maior repressão da Igreja Católica. O triste desta questão é que, normalmente, a Igreja Católica resiste sempre às mudanças. Em Itália, por exemplo, a situação é ligeiramente diferente...
De que forma?
Há movimentos de homossexuais muito bem estruturados, que mantêm boas relações com a Igreja local. Mesmo com bispos. É o caso do movimento "La Fonte", protegido pela diocese de Milão. De um modo geral, a não ser que um determinado bispo tenha uma grande carga ideológica na sua actuação, o que a generalidade da estrutura eclesiástica deseja é que não se faça muito barulho com o assunto. Em todos os pontos, os grupos começam a reunir-se, sejam em terreno neutro, seja em espaços de uma paróquia, autorizados por um padre mais sensível à questão. As coisas desenvolvem-se a partir daí. A cumplicidade que se gera não é meramente nos vários níveis da estrutura da Igreja; é também na sociedade. Quando as situações já são dados adquiridos, claro que há bispos que podem gritar que é heresia! Mas há outros que dizem o contrário, pois o mais importante é que as pessoas se sintam bem dentro da Igreja
Há igrejas cristãs com maior abertura e tolerância face aos homossexuais?
Nos EUA há igrejas praticamente assentes na população "gay", como a Metropolitana ou Episcopaliana. Esta (a versão norte-americana da Igreja Anglicana) tem recorrentemente grandes problemas com os anglicanos. Os episcopalianos são "gay friendly" e têm mesmo um bispo que assume a sua homossexualidade. Já nas grandes igrejas protestantes há uma dupla realidade, que mostra divergências, entre uma ala "gay friendly" e outra homofóbica. Uma igreja muito mais intolerante do que a Católica é a Ortodoxa (sobretudo nos países eslavos). Nas paradas "gay" em Moscovo, por exemplo, elementos da Igreja Ortodoxa estão ao lado de neonazis e de "skinheads", ameaçando os manifestantes. No mundo ortodoxo é importante acompanhar a evolução da Igreja grega, um país da União Europeia, a caminhar para um sentido mais "gay friendly".
Como vê a posição doutrinária da Igreja Católica nesta questão?
A doutrina, na verdade, depende totalmente da avaliação de um dado objectivo. Ou ser-se "gay" é uma patologia (um desvio da natureza); ou então é uma anomalia natural, não patológica. Até recentemente a homossexualidade era considerada um desvio, um vício, um defeito de saúde (mental ou psíquica). Só que é cada vez mais difícil sustentar esta posição. Neste quadro, os "gays" não são mais nem menos perturbadas do que outras pessoas com determinada especificidade. É como ser canhoto, por exemplo.
Mas a doutrina prevalece?
Em boa verdade, a doutrina já mudou, mesmo sem as autoridades eclesiásticas quererem, ou o reconhecerem. Perante os factos - é hoje perfeitamente claro aquilo que um homossexual é -, há muito pouco para dizer. A Igreja não pode considerar intrinsecamente perversos os actos que procedem da natureza de cada pessoa. Ora, assim os actos não podem ser descritos como objectivamente desordenados. Ao fim ao cabo, prevalece uma doutrina formal. E mesmo os porta-vozes evitam justificar os seus argumentos com as teorias oficiais.
Tem uma produção bibliográfica sobre esta questão. Na apresentação da sessão proferida em Lisboa, o Riacho escreveu: "A ideia é procurar caminhos para a construção de uma vivência católica partilhada sem entrar em rivalidade com, ou ressentimento contra, o "statu quo" eclesiástico". Concorda com esta leitura muito prudente? O pragmatismo é a única via?
Não é uma questão de cautela: é de princípio. O grande problema de muitos "gays" é ficarem com um forte ressentimento, por razões todavia compreensíveis. O ponto-chave é não se deixarem arrastar, pois é fácil encontrar nas instâncias eclesiásticas um inimigo útil. A solução passa, com efeito, pela afirmação de uma sanidade mental e psíquica. Não podemos permitir que um mal que nos é infligido domine a nossa inteligência.
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