Os três primeiros trabalhos serão: “A Subversão da Espera”, de D. Carlos Moreira Azevedo; “Esperança Godot”, de Castro Guedes, e “Para Onde vai a Luz Quando se Apaga?”, de José Tolentino Mendonça. O encenador José Castro Guedes preparou um DVD com uma proposta de encenação que poderá inspirar os diferentes grupos que levarão as peças aos palcos. Aqui fica um testemunho deste encenador do site da Pastoral da Cultura. A fotografia é retirada do filme do Desassossego.
«Há espera de esperar, não só estar à espera!»
Castro Guedes, encenador«Com um certo atrevimento (que é coisa que se permite aos artistas) gostaria de esperar que este sinal, em boa hora chegado pela mão do Secretariado Diocesano da Pastoral da Cultura do Porto, com a colaboração da Universidade Católica (Pólo do Porto), seja a anunciação de um advento para que a arte reocupe um lugar profundamente religioso, de onde nunca saiu, mesmo em tempos de interpretações mais extremadas ou injustas entre o mundo laico e o mundo clerical.
Aliás em plena Idade Média o teatro renasce no seio da Igreja com a Confraria dos Sans-Soucis, realizando os actos da Paixão, em quadros ambulantes na rua, enquanto o antifonário litúrgico vai-se transformando em litúrgia dramática e esta em drama litúrgico até se desdobrar em mistérios, milagres e moralidades, tudo formas teatrais religiosas, que ainda hoje se podem perscrutar e encontrar indícios no teatro contemporâneo de natureza não religiosa especificamente.
De resto, como se diz no texto de Dom Carlos Azevedo, «o essencial não é saber se Deus existe»... «o essencial é saber quem é e como é. E é nesse Deus que Cristo trouxe em Filho do Homem que me revejo na concepção de todo este espetáculo, porque, creio – neste projeto de que não sou autor, mas tão só um técnico (teatral) ao serviço dele – o mais importante na mensagem do Advento que aqui se traz é uma espera com esperança e não o esperar sem crer, num Mundo em que se anuncia um apocalipse civilizacional justamente pela descrença, mas que é possível recuperar em esperança de Salvação.
Metida esta foice em seara alheia (mas é impossível falar da forma sem ter presente o conteúdo), o que me compete, como encenador, chamar mais a atenção é para esse outro lado do teatro tantas vezes esquecido: o teatro não é literatura. O texto dramático tem, deve ter, um valor literário intrínseco, mas a palavra escrita é apenas o ponto de partida para ela ser dita. E dizê-la não é só reproduzi-la melhor ou pior interpretada em termos de perceção auditiva. É colori-la com o sentimento através daquilo a que chamamos “inflexões”, sentido último do texto em situação e do subtexto, que é o que se quer dizer para lá do dito. Todavia este colorido não se obtém só no modo de dizer, mas também no gesto, no movimento dos actores (a que no léxico teatral se chama “marcações”), no significado que se pode ler nos próprios cenários, indumentárias, luzes, som... Mas tendo sempre por centro o actor e a sua inimitável capacidade de ser o outro, a personagem que vive.
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E como o teatro é, por excelência, uma arte de conjunto, cada um e cada coisa que nestes espaço se move implica com a(s) outra(s) num conjunto de ações- reações a que importa estar atento (tarefa do encenador) no resultado de uma leitura globalizante e não só individual de cada personagem ou de cada gesto, movimento ou fala de per si. Por isso também – porque do corpo e da alma que nesse corpo se expressa em representação, a matéria-prima da obra é gente e não óleo, letras ou sequer imagens virtuais – o teatro é a mais humana de todas as artes, que só acontece, efemeramente, no momento em que se apresenta diante de terceiros, a público. E é (permitam-me outra vez a ousadia de um artista, ao finalizar este texto) uma sagração da vida. Vida que nos diz que “há espera de esperar”, esperar com esperança.
In A Espera, Secretariado Diocesano da Pastoral da Cultura (Porto), 18 de Novembro de 2010
http://www.snpcultura.org/pcm_pastoral_cultura_porto_apresenta_propostas_teatrais_sobre_a_espera.html
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