A Igreja precisa de uma reforma nas questões do amor, afirma o cardeal
Segunda Parte
Castidade e sexualidade são sentidas como antíteses...
A castidade mantém o Eu ordenado. Eliminá-la significa reduzir o amor a mera habilidade sexual, veiculada por uma subestrutura de relações humanas que se fundamenta num grave equívoco e isto está na ideia de que no homem exista um ‘instinto sexual’ como ocorre com os animais. A psicanálise demonstra que não é verdade: também no nosso inconsciente mais profundo nada se joga sem o envolvimento do Eu. O sacrifício e o distanciamento requeridos pela castidade mantêm o Eu pessoal unido, abrindo caminho para uma possessão mais autêntica. O sacrifício não anula a posse, é a condição que o expõe.
Os doutores da Igreja falavam de ‘gaudium’ (gozo). O puro prazer, que por sua natureza acaba rapidamente, pede para ser inserido no gozo, pois se ficar fechado em si mesmo a posse o anula lentamente, enfraquece, deprime. Impressiona-me o facto de, quando digo estas coisas aos jovens, encontrar mais surpresa do que crítica.
Gozo e sexualidade parecem conceitos incompatíveis com a doutrina católica.
Não é assim. A mensagem bíblica foi a primeira, historicamente falando, a fazer ver a diferença sexual de uma óptica absolutamente positiva e criativa, como dom de Deus. Mas como em todas as coisas humanas, o positivo, o bem, o verdadeiro nunca são fáceis. Mas sem o belo, o bom, o verdadeiro, a vida enfraquece, não há em si energia para conduzir ao marasmo do real.
No livro dos Provérbios, entre as coisas muito árduas para compreender, o autor considera ‘o caminho do homem numa jovem mulher’. A mulher é a figura daquela que está no começo: eu saio dela ao nascer. Então, quando o homem e a mulher se encontram, fazem ao mesmo tempo a experiência de recomeçar aquilo que de qualquer forma já conheciam e de dar vida a uma novidade. Aqui existe a intrínseca raiz da fecundidade. O amor objectivo nunca é uma relação a dois. Aprendemo-lo através da Trindade.
Mas o que tem a reforma da Igreja a ver com isso?
Tem tudo a ver! Fundamental para a reforma da Igreja é reencontrar testemunhas credíveis do belo amor que Cristo, com uma infinidade de santos na sua grande maioria anónimos, introduziu na história. Penso em tantas gerações vividas na lógica do belo amor. Penso nos meus pais, nos olhos com que o meu pai aos noventa anos olhava a minha mãe também com noventa, doente, debilitada por um cancro violento nos rins. (...) Que amor teria sobrevivido melhor ao Eu do que esta ligação indissolúvel? Objectivamente não há comparação entre a densidade de uma experiência assim definitiva e o passar indefinido de uma sequência de relações precárias. No fim, quer seja a necessidade de amar definitivamente, quer seja a fragilidade sexual serão marcadas pelo terror da morte.
Para amar verdadeiramente devo ser amado definitivamente, ou seja, além da morte; e é isto que Jesus veio fazer. Se há um delito que nós, cristãos, cometemos, é não mostrar o dom maravilhoso de Jesus: dar a vida para nos fazer entender a beleza do amor objectivo e efectivo. Isto tem sempre um carácter nupcial, inseparável conexão de diferença, dom de si e fecundidade. O outro não está fora do meu Eu, o outro permeia-me todos os dias; a minha própria concepção está ligada a este permear-me. Por isso, humanizar a sexualidade através da castidade é um recurso capital para vencer a aposta do pós-moderno, para o homem do terceiro milénio que queira salvar o caminho do belo amor, que nos faz gozar verdadeiramente a vida.
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