por Anabela Mota Ribeiro, a 11 Nov 2012
Excertos da Entrevista:
Muito mais do que um rótulo: o inesperado de uma paixão
(...)A.Q. - Os meus pais não eram nada preconceituosos. Não disse que era gay, não existia essa expressão quando tinha 16 anos. Disse aos meu pais que estava apaixonado por um homem e que não percebia. Não havia role models [exemplos] para isso. O meu pai disse-me que não era uma coisa que ele percebesse, mas que se isso me preocupava podia arranjar uma pessoa com quem eu pudesse falar. E fui falar com um psiquiatra, duas vezes. (...) Na primeira vez em que estive com esse homem extraordinário, dei-lhe a ler um diário meu. Estava convencido de que era uma obra-prima da literatura [riso]. Na sessão seguinte, entregou-mo e disse: "Você está apaixonado. Isso é uma sensação maravilhosa. Devia estar satisfeito por estar apaixonado." Eu não tinha a certeza se era mesmo gay ou se era bi. A minha mãe, a única coisa que me disse foi: "Quero é que sejas feliz."
(...)
Olhando retrospectivamente, acha que se apaixonava de facto por homens e por mulheres ou estava a tentar perceber se era mesmo homossexual?
A.Q. - Se calhar, as duas coisas. Com 20 anos, sabemos muito pouco. Quando temos uma grande atracção por uma pessoa, quando a atracção e a admiração, e a paixão, se tornam muito intensas, duvido de que não haja uma parte física, seja qual for a pessoa. Esta coisa de nos definirmos como hetero ou homo... não me defino dessa maneira. Defino-me como uma pessoa que gosta de literatura, que gosta de música, de ciência. Deixou de ser um label[rótulo].
(...)
A.Q. - (...) O que me surpreendeu não foi ser atraído fisicamente por homens e por mulheres; foi apaixonar-me por uma pessoa, o que é diferente. Tenho alguma pena das pessoas que fazem uma separação entre o emocional e o sexual. (Agora faço essa separação, porque somos essencialmente monogâmicos, não queremos ter outras relações.) É uma pena ver duas pessoas que estão muito atraídas uma pela outra espiritualmente e que têm medo de se tocar para além da festa.
(...)
Homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade
(...)Freud dizia que potencialmente somos todos bissexuais.
A.Q. - Não sei se somos.
R.Z. - Há pessoas que são totalmente heterossexuais - uma minoria - e há pessoas totalmente homossexuais - outra minoria. São poucas as que são 50/50. Sou 90% homossexual. Já tive relações, mas não seria possível manter uma relação duradoura com uma mulher.
A.Q. - É muito forte em mim esta repulsa pelas camisolas. Pertencer ao Futebol Clube do Porto ou ser do Benfica, ser católico ou ser protestante. Ou ser de Joanesburgo, sul-africano, moçambicano. O que é que eu sou? Tenho uma mãe alemã, um pai açoriano, nasci em Moçambique, vivi na África do Sul muito anos, estive na Califórnia, estou em Portugal, tenho nacionalidade portuguesa e americana. Não me faz confusão nenhuma não saber identificar-me.
(...)
Exibicionismo ou preconceito?
(...)
R.Z. - Todos os dias vejo jovens a beijarem-se em frente a toda a gente; isso também é exibicionismo? Se um casal homossexual fizesse isso, toda a gente ficava horrorizada, mas acontece todos os dias em Lisboa e no Porto e ninguém diz nada. Há um duplo standard. Sou gay, sou judeu, sou americano em Portugal. Há a tendência por parte de pessoas liberais, não-progressistas, de dizer: "Não gosto nada dos judeus, mas gosto de si." Ou: "Não gosto nada de homossexuais, mas tu és fixe." Nessas circunstâncias sou o mais judeu, o mais americano e o mais homossexual possível. Não quero ser aceitável. Quem sou eu para julgar aquele homossexual efeminado ou aquele judeu religioso, ou aquele americano que só come hambúrgueres e pizza?
(...)
Relações de longa duração
(...)Insisto na longevidade da vossa relação, depois da turbulência dos primeiros anos. O mais difícil numa relação, independentemente da orientação sexual dos cônjuges, é estarem tanto tempo juntos e bem. Por isso as pessoas perguntam: "Qual é o segredo?"
R.Z. - Temos um bocadinho de sorte, e foi um bocadinho de trabalho. Em qualquer relação que é um verdadeiro casamento (e há casamentos que não são casamentos, são duas pessoas a viver juntas), existe a pessoa A, a pessoa B e o casamento. Há três seres vivos numa relação e tem de se ter muito cuidado com o terceiro ser vivo: o próprio casamento. Tem de se valorizar, polir, prestar atenção, senão a relação vai acabar. Os dois estamos muito conscientes disso. Apaixonarmo-nos por uma pessoa é muito fácil (com algumas pessoas que conheço, acontece de duas em duas semanas). Mas é preciso aprender a respeitar o outro. Para o Alexandre, era mais natural, tinha dois pais muito respeitosos. Eu não tinha isso. Os meus pais diziam coisas um ao outro que eu não diria ao inimigo mais feio do mundo, coisas reles. Apaixonar-me por ele era superfácil, mas respeitar a sua opinião, a sua maneira de ser, as coisas que ele dizia e com as quais não concordava, as coisas que ele fez e que não compreendi, levou-me anos.
A.Q. - Não acredito que haja relações duradouras se cada uma das pessoas não tem a sua própria vida construída. Quando o Richard está a escrever (já sei, porque escreveu vários livros), está de tal maneira obcecado com a escrita que eu sou uma espécie de audiência. E quando estou muito ocupado e ando muito cansado, ele sabe que estou a fazer qualquer coisa que para mim é importante. Nessas alturas, temos muito respeito para não exigir mais do outro. Isto aprende-se. Quando a pessoa começa a sentir uma verdadeira realização pessoal com a realização do outro, quando deixa de haver aquela necessidade egocêntrica - "preciso que me dês mais atenção porque estou inseguro" -, isso é que é uma relação conseguida.
(...)
Casar para quê?
(...)
Por que é que para si foi importante casar?
R.Z. - Simbolismo. Ainda há sítios no mundo em que ser homossexual pode ser punido com sentença de morte, com penas de dez anos, ou mais, de prisão. Para mim, como escritor, como ser humano, o facto de ser um crime exprimir o que é melhor dentro de nós, a afeição, a paixão, a solidariedade e a amizade, é inconcebivelmente injusto. É muito importante reivindicarmos os nossos direitos no Ocidente, para que um jovem que tenha acesso à Internet no Burkina Faso, na Nigéria ou na Birmânia, possa ir ao site do PÚBLICO em Portugal [e ler esta entrevista].
É também por isso que dão a entrevista?
R.Z. - Claro que sim. Vivi num mundo em que não era possível as pessoas das pequenas aldeias dos Estados Unidos assumirem-se. E em Portugal talvez ainda não seja possível em aldeias do interior. Falo disto para que aquela jovem lésbica de Castelo Branco, ou o jovem transexual de Fafe possam olhar para mim e para o Alexandre e descobrir: "Não tenho de mudar para ser aceite. Posso ser como sou. Tenho os mesmos direitos dos outros. Não há cidadãos de segunda em Portugal."
A.Q. - Pensei muito sobre se devia dar esta entrevista ou não, porque não tenho de explicar rigorosamente nada. As pessoas são aquilo que fazem e aquilo que são, e não aquilo que dizem. Há uma pequenina coisa que é muito importante: a questão dos role models. A grande diferença entre um casal heterossexual e homossexual, para já - no futuro não vai ser assim - é que os casais heterossexuais têm filhos, têm netos. No nosso caso, como não temos filhos (já pensámos adoptar, volta e meia, mas não foi uma coisa muito premente), essas relações têm de ser substituídas por outras. Temos de inventar outras partes da nossa relação que sejam alternativas a essas. Temos de nos reinventar e dar a noção a outros gays de que isso é possível, realizável. É preciso que o mundo à nossa volta perceba que não me acho especial, positiva ou negativamente, por ser assim. Tive muita sorte em encontrar uma pessoa como o Richard, tive muita sorte em ter os pais que tive, em viver nos sítios onde vivi, apesar de às vezes me sentir muito só e de ter momentos muito difíceis de afirmação pessoal. Isso também é uma história que vale a pena divulgar. Numa sociedade que está cada vez mais competitiva, é importante as pessoas falarem daquilo que não é competição selvagem. É a partilha, é sentirmos - isto parece uma treta... - que o mundo, se tivermos boa vontade e se funcionarmos de boa-fé, vale a pena.
Por que é que para si foi importante casar?
R.Z. - Simbolismo. Ainda há sítios no mundo em que ser homossexual pode ser punido com sentença de morte, com penas de dez anos, ou mais, de prisão. Para mim, como escritor, como ser humano, o facto de ser um crime exprimir o que é melhor dentro de nós, a afeição, a paixão, a solidariedade e a amizade, é inconcebivelmente injusto. É muito importante reivindicarmos os nossos direitos no Ocidente, para que um jovem que tenha acesso à Internet no Burkina Faso, na Nigéria ou na Birmânia, possa ir ao site do PÚBLICO em Portugal [e ler esta entrevista].
É também por isso que dão a entrevista?
R.Z. - Claro que sim. Vivi num mundo em que não era possível as pessoas das pequenas aldeias dos Estados Unidos assumirem-se. E em Portugal talvez ainda não seja possível em aldeias do interior. Falo disto para que aquela jovem lésbica de Castelo Branco, ou o jovem transexual de Fafe possam olhar para mim e para o Alexandre e descobrir: "Não tenho de mudar para ser aceite. Posso ser como sou. Tenho os mesmos direitos dos outros. Não há cidadãos de segunda em Portugal."
A.Q. - Pensei muito sobre se devia dar esta entrevista ou não, porque não tenho de explicar rigorosamente nada. As pessoas são aquilo que fazem e aquilo que são, e não aquilo que dizem. Há uma pequenina coisa que é muito importante: a questão dos role models. A grande diferença entre um casal heterossexual e homossexual, para já - no futuro não vai ser assim - é que os casais heterossexuais têm filhos, têm netos. No nosso caso, como não temos filhos (já pensámos adoptar, volta e meia, mas não foi uma coisa muito premente), essas relações têm de ser substituídas por outras. Temos de inventar outras partes da nossa relação que sejam alternativas a essas. Temos de nos reinventar e dar a noção a outros gays de que isso é possível, realizável. É preciso que o mundo à nossa volta perceba que não me acho especial, positiva ou negativamente, por ser assim. Tive muita sorte em encontrar uma pessoa como o Richard, tive muita sorte em ter os pais que tive, em viver nos sítios onde vivi, apesar de às vezes me sentir muito só e de ter momentos muito difíceis de afirmação pessoal. Isso também é uma história que vale a pena divulgar. Numa sociedade que está cada vez mais competitiva, é importante as pessoas falarem daquilo que não é competição selvagem. É a partilha, é sentirmos - isto parece uma treta... - que o mundo, se tivermos boa vontade e se funcionarmos de boa-fé, vale a pena.
Um conselho de moradasdedeus, vale mesmo a pena ler a entrevista.