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A diversidade na Igreja

"A casa do meu Pai tem muitas moradas", diz-nos Jesus no evangelho.

A unidade na diversidade não é sempre aparente na Igreja enquanto povo de Deus, mas é uma realidade em Deus e uma presença na fé cristã desde a sua origem. A Palavra de Deus não é partidária, elitista e exclusiva. O Reino de Deus é como uma árvore que estende os ramos para dar abrigo a todos os pássaros do céu. Cristo não morreu na cruz para salvar uma mão cheia de cristãos. Até o Deus Uno encerra em si o mistério de uma Trindade.

A Palavra de Deus é inequívoca e só pode levar à desinstalação, à abertura ao outro, e a recebê-lo e amá-lo enquanto irmão ou irmã. Ninguém fica de fora, nem mesmo - se tivessemos - os inimigos.

Muitos cristãos crêem nesta Igreja, nesta casa do Pai, corpo de Cristo, templo do Espírito Santo. Mas como esquecer que muitos se sentem "de fora" por se verem rejeitados, amputados e anulados, e afastam-se por ninguém lhes ter mostrado que há um lugar para cada um, com a totalidade do seu ser?

Um blogue para cristãos homossexuais que não desistiram de ser Igreja

Porquê este blogue?

Este blogue é a partilha de uma vida de fé e é uma porta aberta para quem nela quiser entrar. É um convite para que não desistas: há homossexuais cristãos que não querem recusar nem a sua fé nem a sua sexualidade. É uma confirmação, por experiência vivida, que há um lugar para ti na Igreja. Aceita o desafio de o encontrares!

Este blogue também é teu, e de quem conheças que possa viver na carne sentimentos contraditórios de questões ligadas à fé e à orientação sexual. És benvindo se, mesmo não sendo o teu caso, conheces alguém que viva esta situação ou és um cristão que deseja uma Igreja mais acolhedora onde caiba a reflexão sobre esta e outras realidades.

Partilha, pergunta, propõe: este blogue existe para dar voz a quem normalmente está invisível ou mudo na Igreja, para quem se sente só, diferente e excluído. Este blogue não pretende mudar as mentalidades e as tradições com grande aparato, mas já não seria pouco se pudesse revelar um pouco do insondável Amor de Deus ou se ajudasse alguém a reconciliar-se consigo em Deus.
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sábado, 23 de junho de 2018

Um chamamento de Deus

"Aquarius": Cardeal Ravasi evoca Evangelho sobre acolhimento e desencadeia onda de reações

Uma evocação do Evangelho publicada esta segunda-feira no Twitter pelo presidente do Conselho Pontifício da Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi, a propósito do drama vivido pelas pessoas a bordo do barco "Aquarius", no Mediterrâneo, desencadeou uma onda de reações dirigidas ao prelado italiano e à Igreja.

«Era estrangeiro e não me acolhestes», foi a passagem mencionada, extraída do capítulo 25, versículo 43, do Evangelho segundo S. Mateus, que numa tradução em português europeu se lê: «Era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me».

Gianfranco Ravasi, biblista, aludia ao barco fretado pela organização não governamental SOS Mediterrané, onde se encontram 629 migrantes recolhidos no mar, e que ontem a Itália e Malta recusaram receber, tendo mais tarde recebido ofertas de acolhimento por parte de Espanha e, mais recentemente, da Córsega.

«Eminência, não podemos acolher todos. Como diz a minha velha mamã: primeiro tu, depois os teus, depois os outros, se puder ser...» é o primeiro dos mais de 1600 comentários ao "tweet" do cardeal.

Entre as respostas menos vulgares incluem-se «Que cuide deles o cardeal no Vaticano», «Eram pedófilos e não os prendestes», «O dinheiro do IOR [entidade bancária da Santa Sé] investi-o todo em África», «Vim para traficar, para violar, para islamizar, para viver à borla e não me acolhestes», «Jesus disse que a verdade vos tornará livres. Basta de negros e árabes que comem de borla».

«Abri as portas do Vaticano e colocai lá todos os clandestinos que quiserdes» e «Cardeal vós possuís riquezas imobiliárias superiores à dívida pública italiano, vendei alguns imóveis e ide para África e Médio Oriente para ajudar os pobres; devia estar na primeira linha para cessar o tráfico de escravos», são outros exemplos de comentários.

Há duas horas, o cardeal Ravasi voltou à Bíblia, citando desta vez a primeira carta de S. João (4, 16): «Deus é amor; quem está no amor permanece em Deus e Deus nele», depois de, ontem, ter evocado um autor cristão, Georges Bernanos: «Para encontrar a esperança é preciso ir para lá de todo o desespero. Quando se vai até ao fim da noite, encontra-se uma nova aurora».

«Tempo virá/ em que, exultante,/ te saudarás a ti mesmo chegado/ à tua porta, no teu próprio espelho/ e cada qual sorrirá ante a saudação do outro,/ e dirá: Senta-te aqui. Come./ Amarás de novo o estrangeiro que era o teu Eu./ Dá vinho. Dá pão. Devolve o coração/ a ele próprio, ao estrangeiro que te amou/ toda a tua vida, que ignoraste».

Na coluna que assinava diariamente no jornal italiano "Avvenire", o P. Ravasi, ainda não criado cardal, citou versos da poesia “Amor após amor”, de Derek Walcott, «o cantor dos mestiços, nascido numa ilha das Caraíbas, Santa Lúcia, em 1939».

«Como se intui, unem-se e sobrepõem-se duas fisionomias diversas, a minha e a do outro, o estrangeiro. Se ao espelho olhamos o nosso rosto, descobrimos nele os traços da humanidade, porque a ela todos pertencemos, para além das diferenças étnicas, culturais, religiosas.

"Amarás o estrangeiro que era o teu Eu", diz o poeta. "Amarás o teu próximo como a ti mesmo", diz a Bíblia. Neste paralelo há dois amores que se fundem, o espontâneo por si próprio e aquele que o é para os outros, muitas vezes conquistado com algum esforço mas que deverá ser, da mesma maneira, intenso.

Devemos tentar reconduzir o nosso coração "a si mesmo", isto é, à sua consciência profunda, e aí descobriremos que há o estrangeiro dentro de nós porque ele é semelhante a nós por causa do próprio Deus que o criou, do próprio Cristo que o redimiu, do próprio amor que foi deposto nele e em nós, e do próprio pecado que obscurece a nós e a ele», observou Ravasi.

Numa das múltiplas ocasiões em que se referiu aos migrantes, o papa Francisco lembrou que «tragicamente, no mundo há hoje mais de 65 milhões de pessoas que foram obrigadas a abandonar os seus locais de residência. Este número sem precedentes vai além de toda a imaginação».

«Se formos além da mera estatística, descobriremos que os refugiados são mulheres e homens, rapazes e raparigas que não são diferentes dos membros das nossas famílias e dos nossos amigos. Cada um deles tem um nome, um rosto e uma história, como o inalienável direito de viver em paz e de aspirar a um futuro melhor para os seus filhos», sublinhou em setembro de 2016.

Depois de encorajar «a dar as boas-vindas aos refugiados» nas casas e comunidades, «de maneira que a sua primeira experiência da Europa não seja a traumática de dormir ao frio nas estradas, mas a de um acolhimento quente e humano», Francisco lembrou as palavras evocadas agora pelo cardeal Ravasi, «tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era estrangeiro e acolhestes-me», e lançou um desafio: «Levai estas palavras e os gestos convosco, hoje. Que possam servir de encorajamento e de consolação».

Na segunda-feira, o arcebispo de Madrid, cardeal Carlos Osoro Sierra, também se exprimiu no Twitter: «O mandato é claro: "Fui forasteiro e hospedastes-me". Para além de considerações políticas e legais, ao ler a vida desde o Evangelho, um vai em busca do outro. #Aquarius é um chamamento de Cristo à Europa».

Imagem: D.R.
Publicado por SNPC em 12 de junho 2018

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Crise: perigo e oportunidade

Palavras do Papa Francisco no "encontro do mundo da cultura" na Sardenha

Setembro 2013

A intervenção do papa foi guiada pelas palavras «desilusão», «resignação», «esperança», baseadas na narrativa bíblica dos dois discípulos de Jesus que, após a sua morte, fazem o percurso de Jerusalém a Emaús; já ressuscitado, Jesus junta-se a eles no caminho mas os discípulos só o reconhecem à refeição, regressando logo depois a Jerusalém.

Excertos do discurso:

«1. Estes dois discípulos levam no coração o sofrimento e a desorientação pela morte de Jesus, estão desiludidos com o desfecho dos acontecimentos. Encontramos um sentimento análogo também na nossa situação atual: a delusão, a desilusão, devido a uma crise económico-financeira, mas também ecológica, educativa, moral, humana. É uma crise que diz respeito ao presente e ao futuro histórico, existencial do homem nesta nossa civilização ocidental, e que acaba por afetar o mundo inteiro.

E quando digo “crise”, não penso numa tragédia. Os chineses, quando querem escrever a palavra “crise”, escrevem-na com dois caracteres: o carácter do perigo e o carácter da oportunidade. Este é o sentido em que eu uso a palavra.

É verdade que cada tempo da história traz em si elementos críticos, mas, pelo menos nos últimos quatro séculos, não se viram tantos abalos nas certezas fundamentais que constituem a vida dos seres humanos como no nosso tempo. Penso na deterioração do ambiente, que é perigosa, pensemos antecipadamente na guerra da água que está a chegar; nos desequilíbrios sociais; no terrível poder das armas – falamos muito disto nestes dias; no sistema económico-financeiro, que tem no centro não o homem mas o dinheiro, o deus dinheiro; no desenvolvimento e no peso dos meios de informação, com toda a sua positividade, de comunicação, de transporte. É uma alteração que diz respeito ao próprio modo como a humanidade leva por diante a sua existência no mundo.

2. Diante desta realidade, quais são as reações? Regressemos aos dois discípulos de Emaús: desiludidos ante a morte de Jesus, mostram-se resignados e procuram fugir da realidade, deixando Jerusalém. Podemos ler as mesmas atitudes neste momento histórico.

Perante a crise pode ocorrer a resignação, o pessimismo em relação a cada possibilidade de intervenção eficaz. Num certo sentido, é um abandono da própria dinâmica da atual reviravolta histórica, denunciando os aspetos mais negativos com uma mentalidade semelhante àquele movimento espiritual e teológico do II século depois de Cristo denominado “apocalíptico”. Temos a tentação de pensar em chave apocalíptica.

Esta conceção pessimista da liberdade humana e dos processos históricos conduz a uma espécie de paralisação da inteligência e da vontade. A desilusão conduz também a uma espécie de fuga, a procurar “ilhas” ou momentos de trégua. É algo de semelhante à atitude de Pilatos, de “lavar as mãos”. Uma atitude que emerge como “pragmática”, mas que de facto ignora o grito de justiça, de humanidade e de responsabilidade social, e conduz ao individualismo, à hipocrisia, se não a uma espécie de cinismo. Esta é a tentação que temos à nossa frente, se andarmos por esta estrada da desilusão ou da delusão.

3. Chegados a este ponto, perguntamo-nos: haverá um caminho a percorrer nesta nossa situação? Devemos resignar-nos? Devemos deixar obscurecer a esperança? Devemos fugir da realidade? Devemos “lavar as mãos” e fecharmo-nos em nós próprios?

Penso não só que há uma estrada a percorrer, mas que precisamente o momento histórico que vivemos impulsiona-nos a procurar e encontrar caminhos de esperança, que abram horizontes novos à nossa sociedade. (...)

domingo, 24 de julho de 2011

Pensar a crise

Os Encontros do Lumiar (nas Monjas Dominicanas) do próximo ano vai abordar o tema Do Bom uso das Crises.

Programa:


15,30 H. CONFERÊNCIA
Seguida de debate e intervalo para o chá
EUCARISTIA

22 Out. É este o tempo de semear?
Serão as crises uma oportunidade?
P. Anselmo Borges

12 Nov. “Entre a dor e o riso”
Tempos interiores de mudança
Leonor Xavier e Alice Vieira

17 Dez. O elogio das crises de Fé
P. José Tolentino Mendonça

14 Jan. Da necessidade do caos para gerar
a estrela que dança
Uma conversa sobre economia
João Meneses

11 Fev. Crise e esperança no itinerário
espiritual de Etty Hillesum
P. Nélio Pita

10 Mar. A crise Pascal e a refiguração
do mundo
Isabel Allegro de Magalhães

12 Maio A crise como caminho para
a Sabedoria em José Augusto Mourão
Teresa Cruz

23 Jun. Viver no aberto de Deus e do mundo
P. José Tolentino Mendonça

25 -29 Jun. TARDES DE RETIRO
P. José Tolentino Mendonça


Num tempo em que escasseiam os mestres, não serão as crises os grandes mestres que têm alguma
coisa a ensinar-nos? É verdade que as crises representam, muitas vezes, aprendizagens interiores e históricas difíceis, para as quais raramente nos considerámos preparados. Mas não escutar, aturadamente, o que as crises nos dizem é desperdiçar uma oportunidade para aceder àquela profundeza que pode devolver sentido à vida.
Talvez precisemos compreender que, no decurso do nosso caminho, colectivo e pessoal, as crises nos
acontecem para que seja evitado algo pior. E pior o que é? Christiane Singer escreve: «O pior é ter tido a infelicidade de atravessar a vida sem naufrágios, é ter ficado apenas à superfície das coisas, ter dançado um enganador baile de máscaras, ter ficado a chapinhar na rasura do diz que diz, das meras aparências e nunca ter habitado uma vida que lhe pertencesse.»
Pe. José Tolentino de Mendonça

Contactos:
Mosteiro de Santa Maria
Quinta do Frade, à Praça Rainha Dª Filipa
1600-681 LISBOA
Tel.: 21 758 96 12
e-mail: monjas.op.lisboa@sapo.pt

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Há espaço para a Cultura no contexto da Crise Financeira?

fotografia do espectáculo
Paixão de São João Hospitaleiro,

 uma produção do Teatro Nacional D. Maria

Cultura é essencial na crise
O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura considera que a cultura emerge como elemento fundamental na época de crise que Portugal está a viver.

«A cultura não é uma questão de dinheiro, mas dos valores e do núcleo estruturante daquilo que somos», frisou o padre José Tolentino Mendonça em declarações à Rádio Vaticano.

«Precisamente porque a época é de crise e dificuldades enormíssimas, precisamos de lembrar uns aos outros aquilo que é essencial. E a cultura ajuda-nos a descobrir o que é o mais importante», salientou.

O responsável reconhece que o discurso «vigoroso e inspirador» proferido pelo papa Bento XVI a 12 de maio de 2010 no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, «trouxe um ânimo novo à Pastoral da Cultura em Portugal».

«A frase final com que ele acabou o seu discurso – “fazei coisas belas mas sobretudo transformai as vossas vidas em lugares de beleza” – é um desafio que cada um traz no seu coração como uma espécie de emblema e caminho.»

O poeta e biblista defende que «a cultura tem de ser não só um lugar esporádico da beleza, mas sobretudo um lugar onde a vida das mulheres e dos homens se torna a obra-prima e o lugar da afirmação do sentido e da epifania de Deus».

Referindo-se ao festival de cinema Festroia, que decorre em Setúbal entre 3 e 12 de junho, o responsável recorda que o certame «tem uma ligação histórica com a Igreja Católica».

«Alguns dos seus fundadores vinham da militância católica, que era também cultural», assinalou, lembrando que «em Portugal houve pessoas que tiveram uma paixão enorme pela divulgação, debate e exibição do melhor cinema, geração essa que está na origem do Festroia».

«Depois de se ter achado que o cinema ia morrer, hoje assistimos ao renascimento do interesse e ao aumento dos públicos, pelo menos em Portugal. O cinema tornou-se um espelho muito grande para perceber a condição humana e a cultura do nosso tempo, ao mesmo tempo que é um lugar muito especial, uma espécie de observatório, para traduzir os grandes valores éticos e da procura espiritual», afirmou.

A Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais está a «tentar renovar a presença da Igreja no mundo do cinema», prestando «uma atenção muito grande às iniciativas que existem em Portugal», nomeadamente com a «presença em festivais de cinema e através do diálogo com criadores».
Por outro lado, a Comissão «acompanha e sinaliza o melhor que se pode ver, valorizando a crítica cinematográfica, que durante anos esteve ausente», prioridade que a Igreja vê como um “serviço” para «ajudar a fazer uma interpretação de alguns dos mais importantes filmes».

Os secretariados nacionais da Pastoral da Cultura e das Comunicações Sociais da Igreja marcam presença desde há dois anos no IndieLisboa, festival internacional de cinema independente, e publicam semanalmente críticas sobre obras da Sétima Arte.

Rádio Vaticano / Rui Martins
© SNPC | 11.06.11 

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O fatalismo não é solução

Contrariar a ideologia da decadência
Desde o Ultimatum de 1890 quando Lord Salisbury ameaçou o estatuto imperial do nosso país que Portugal não se vê tão absorvido numa ideologia da decadência.
Os desafios que se avizinham assustam – é bem verdade. Esgueiram-se como correntes de ar nas casas dos portugueses e portuguesas. A crise financeira e política parece aninhada numa desconfiança geral. Estamos entrelaçados no nosso casulo por ramos espinhosos de informação: são pedaços pequenos com os quais queremos nos proteger do vento e frio mas arranham o conformismo. Muita informação impede por vezes que se veja além do nosso fatalismo.

Desconfiar em tudo e todos parece o caminho mais fácil, mais do que acreditar na força atrativa do Oceano, no grande mar povoado de tempestades onde já se escreveu história. Ernest Renan escreveu que cada nação assenta num consenso centrado não só sobre o que recordar mas também sobre o que esquecer. Eu receio que continuemos a centrar o português nessa hiperamnésia de valores que atravessam os discursos e as práticas quotidianas.

Na semana passada evocava-se Françoise Dolto num painel sobre a Bíblia e a Psicologia, onde se lembrava que aquela precursora da psicanálise em criança perguntava porque implicavam tanto com Judas quando sem ele jamais haveria a paixão de Jesus? Escolhido para levar o Mundo a ver como Cristo era o filho de Deus, não estamos nós inocentes almas a implicar tambem com o nosso Império do sentido? Onde sopra uma razão ao sentido não vale a pena calafetarmo-nos. Vivamos o nosso império do sentido de ser português com a devida paixão!

Uma nova estrutura de incentivos à confiança dos portugueses impõe-se. Hoje temos um enorme desafio no coletivo, mas que passa por cada um de nós. Esquecemos como desviados estamos das qualidades morais como a “franqueza”, a “lealdade”, a “tenacidade” e a “coerência entre o pensamento e a ação” tradicionalmente referido por intermédio da expressão “português velho”.

Em verdade o Ultimato britânico inspirou a letra do hino nacional português, "A Portuguesa". Hoje, na relação tensa com que vivemos a crise podemos confiar mais e viver menos a falha de memória coletiva gerindo talvez a nossa memória individual. Entre a história e o nosso testemunho está um oceano por navegar, onde velas suplicam o vento, e o vento surge das correntes de ar, as mesmas que se esgueiram na nossa vida.

Este texto integra a próxima edição (n.º 15) do "Observatório da Cultura", publicação semestral do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

Tiago Valladares Pacheco
Investigador do SIPA (School of International and Public Affairs), Universidade de Columbia, EUA
in SNPC

A crise que se vê

Quando é que começamos mesmo?
Quando estive em Lisboa da última vez, há semanas, avisaram-me que o país estava deprimido. Que isso se via na rua, nos rostos. Foi pouco depois da demissão de José Sócrates e pouco antes de se chegar ao facto de que Portugal terá que pedir emprestados cerca de 90 mil milhões de euros, um futuro que se adivinha mais negro que nunca. Vi, pois, aquilo de que me avisaram: gente a falar de Economia e a manobrar palavras com números como não me lembrava, conversas de café a começarem e acabarem no mesmo ponto, o aperto em que qualquer gesto quotidiano fora do colete de forças orçamental se transformou. E ouvi muita gente falar de uma espécie de política do medo que impera agora nas empresas, onde as chefias intermédias assustam os de baixo para obedecer aos de cima. Chamem-me cínica ou otimista, mas se estas chefias intermédias usassem a sua liderança para serem solidárias com quem precisa, algumas soluções para os problemas sociais, políticos e até mesmo económicos em Portugal poderiam estar mais perto. O problema é que quem chega ao poder não quer arriscar e isso em Portugal é ainda mais endogéneo. Sim, vi depressão mas vi também uma energia e uma vontade de mudança, com gente disposta a falar - mas que depois se cala e eu pergunto porquê? Ou essa energia é agarrada agora, pelas causas certas, ou o momentum passa e lá ficamos mais uma vez a pensar na mudança que nunca fizemos. Quando é que começamos mesmo?  

Este texto integra a próxima edição (n.º 15) do "Observatório da Cultura", publicação semestral do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

Joana Gorjão Henriques
Jornalista
in SNPC

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Cinemateca em risco

A Cinemateca é um espaço único em Lisboa em que os filmes podem ser vistos a um preço simbólico e onde a escolha criteriosa dos títulos nos fazem percorrer a já longa história da indústria cinematográfica. É um espaço cultural onde já tenho feito descobertas no mínimo inesperadas e um autêntico museu mutável e dinâmico do Cinema. Aparentemente, como todas as áreas frágeis da cultura, corre graves riscos de se transformar em fumo. Das duas salas já só uma está em uso, o número de sessões diárias caiu drasticamente, muitas têm sido anuladas ou suspensas, já não há folhas de informação impressas nem o programa mensal em papel... 


Divulgo um alerta e um convite que uma amiga me fez chegar:



As imagens só existem com o fogo da projecção. Contudo, é possível queimar as imagens ao interditar a sua projecção como um auto da fé de livros. Marcel Hanoun 

Aos muito lá de casa a quem a Cinemateca importa,
e que lamentam as 13 sessões canceladas em Março e as 46 temporariamente suspensas em Abril, os filmes que não podem ser vistos porque os cortes no financiamento e a recente perda de autonomia -imposta pelo Ministério das Finanças- comprometem o transporte regular de cópias, o habitual programa estar reduzido a pobres fotocópias e o desdobrável apenas disponível on-line, e que lamentam e temem a interrupção do trabalho de restauro e o ANIM  estar em risco e com ele todos os filmes do nosso espólio cinematográfico, por haver quem no poder ainda se pergunte se o cinema é património, 
a quem os filmes possam vir a faltar,
 
encontro marcado na Cinemateca
no dia 13 de Abril, à sessão temporariamente suspensa das 19h30
 
para pensar em formas de acção (projecções, manifestos, ocupações)
pelo cinema que, no contínuo trabalho de coleccionar, preservar, documentar e apresentar, a Cinemateca permite existir.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A "meia-idade" e o meio da vida: será crise?

«A meio do caminho desta vida
me vi perdido numa selva escura.

Este verso de Dante, num dos pórticos da sua Divina Comédia, mostra como há diferentes idades e tempos na nossa vida e como o chamado «meio da vida» nos traz a experiência da complexidade. Muitas vezes, a sensação que nos sobrevém é a de uma desorientação ou de um certo adormecimento interior. Olhamos e a vida tornou-se uma floresta. As evidências parecem-nos menos frequentes e acessíveis. O caminho faz-se, agora, através de ramos e folhagens, por vezes, árduas de transpor. Levamos mais tempo entre um ponto e outro, quando em outros tempos essa viagem nos parecia tão imediata, transparente e possível.


Jesus vem ao nosso encontro em todas as idades e o encontro com Ele torna cada estação uma hora de Graça. Há, de facto, uma possibilidade de Graça para o momento que estamos a viver. Jesus dialoga connosco em cada tempo. (...)»

José Tolentino Mendonça, In “A pergunta do meio do caminho” (publicado em "O tesouro escondido")


Ler mais em SNPC

Porque estou aqui

Sinto-me privilegiado por ter encontrado na Igreja um lugar vazio, feito à minha medida. É certo que tê-lo encontrado (ou encontrá-lo renovadamente, pois não é dado adquirido) foi também mérito da minha sede, do meu empenho, de não baixar os braços e achar, passivamente, que não seria possível. Passo a contextualizar: a comunidade onde vou à missa é pequena e acolhedora, e podia bem não o ser. Ao mesmo tempo, sentia um desejo grande de reflexão de vida cristã e encontrei um casal (heterosexual) que tinha a mesma vontade. Começámo-nos a reunir semanalmente numa pequena comunidade de oração e reflexão que, apesar de crítica, nos tem ajudado a sermos Igreja e a nela nos revermos. Paralelamente, face ao contínuo desencanto em relação a algumas posturas e pontos de vista de uma Igreja mais institucional e hierárquica, tive a graça de encontrar um grupo de cristãos homossexuais, que se reuniam com um padre regularmente, sem terem de se esconder ou de ocultar parte de si.

Sei que muitos cristãos homossexuais nunca pensaram sequer na eventualidade de existirem grupos cristãos em que se pudessem apresentar inteiros, quanto mais pensarem poder tomar parte e pôr em comum fé, questões, procuras, afectos e vidas.

Por tudo isto me sinto grato a Deus e me sinto responsável para tentar chegar a quem não teve, até agora, uma experiência tão feliz como a minha.

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