Nunca ouvi ninguém dizer que não gosta de sexo, nunca ouvi ninguém dizer que é "mau na cama", nunca ouvi ninguém falar mal do seu próprio desempenho sexual. De facto, no mundo em que vivemos, acaba por ser um tabú assumir que não se "liga" ao sexo. Tudo o resto se vai normalizando, desde que tenha muito sexo - poli-amor, swing, bondage, poligamia, sado-masoquismo, exploração de fetiches, relações abertas, ménages, orgias... - mas cada vez é maior o silêncio que reveste a insatisfação sexual, quer esta resulte da falta de libido, frigidez, impotência, cansaço, falta de auto-estima ou stress.
E no entanto há uma enorme quantidade de pessoas que se esforça para ser "normal", isto é, que quer corresponder àquilo que a sociedade aparenta ser, uma fábrica de bombas sexuais, de super-homens e super-mulheres sempre no auge da sua performance sexual. E quem faz esse esforço, não o faz sem sofrimento: por um lado sente-se extremamente só nesse caminho - acha-se "raro" e "esquisito", porque as histórias como a sua não abundam nos media e nos filmes, nem sequer nas conversas entre amigos -, por outro lado sente que este esforço é inglório e luta sem grande esperança - pois não sente grandes avanços nem os pode testar, na medida em que se vai fechando mais aos outros e a experiências que, para si, podem aprofundar as feridas abertas -e, por último, sofre por não ser bem sucedido no "encaixar" e sente-se amarfanhado num sentimento de culpa ou de inferioridade.
A este propósito li um post que me parece muito interessante para abrir à realidade da Assexualidade. Passo a citar:
"Parece estranho que, num mundo onde todos os gestos são passíveis de serem erotizados e a sexualidade é usada para vender detergentes, existam pessoas que não têm interesse em sexo. Não são falhos de nada, não têm qualquer problema físico, mental ou emocional, apenas fogem ao comum e não se movem por pulsões e instintos sexuais. São os Assexuais, um núcleo de pessoas que se vem juntar aos homossexuais, aos não monogâmicos, aos casais que vivem em casas diferentes, aos que têm uma relação com alguém de outra etnia, como mais um quebra-cabeças para o modelo hegemónico e comum de organização de sociedade.
Posto isto, o que significa ser assexual? Em termos simples, um assexual é alguém que não tem desejo sexual. Coisa aparentemente do domínio da psiquiatria mas, ao que parece, não é. Também não é uma promessa de abstinência, um voto de celibato, uma questão de identidade de género, um descontrolo hormonal, medo de relações e de intimidade e, sobretudo, não é uma escolha. E é este o ponto fulcral desta orientação sexual, orientada pela ausência da vontade de ter sexo. O que não significa que não tenham relacionamentos ou não possam estar romanticamente ligados a outrem, simplesmente, o desejo sexual não existe, ou existe por si só, desligado de qualquer pessoa.
Numa sociedade hipersexualizada, parece confuso o mundo sem desejo sexual. Mas, e o amor? De acordo com Mark Carrigan, da Universidade de Warwick, que há muito estuda o tema, existem dois tipos de assexuais no que toca ao tema: os não românticos, que além de não terem interesse sexual também não sentem emoções românticas; e os românticos, que, apesar de não sentirem atração sexual experienciam atração romântica, o que significa que, ao olharem alguém que lhes interesse, o desejo não desperta mas existe um interesse em conhecerem-na melhor, estar mais perto, partilhar.
Uma das confusões mais comuns quando se aborda esta questão é a de pensar que os assexuais têm uma disfunção sexual, sofreram maus tratos ou abusos ou, simplesmente, ainda não encontraram a pessoa certa com quem viver a sua sexualidade, como se a vida sem sexo fosse uma vida menos digna. Este tipo de ideias assenta na convicção de que todos vivemos o sexo da mesma forma, do mesmo modo, o que prova, em si mesmo, o quão pouco sabemos e à vontade estamos com esta temática.
Em Portugal, a comunidade assexual tem dois anos e é encabeçada pela investigadora Rita Alcaire. A sua primeira manifestação pública esteve integrada na marcha LGBT, em Coimbra, onde um grupo de 15 pessoas envergou a bandeira com as cores roxa, branca, cinzenta e preta, justamente as cores da assexualidade. Mas para além do pantone, o grande símbolo que identifica esta comunidade, tanto em Portugal como noutros países, é o bolo. Isto porque, como dizem, “bolo é melhor do que sexo”.
Segundo o “Medical Daily”, estima-se que existam cerca de 70 milhões de assexuais em todo o mundo. Setenta milhões de pessoas que não se encaixam naquilo que nos dizem, desde novos, ser o “correcto”, o “certo”, para se ter ter uma família e uma vida feliz. Mas o que fazer quando a natureza do que sentimos e desejamos (ou não desejamos) é diferente do que é suposto sentir e fazer? Antes de mais, perceber o que se sente. Depois, informarmo-nos. Por isso, aqui ficam algumas respostas:
Não sinto atração sexual. Sou assexual? Não necessariamente. A assexualidade é apenas umas das razões para não haver atração sexual. Outros motivos passam por traumas, transtornos psicológicos ou razões hormonais.
A assexualidade é uma doença? Não. Pesquisas recentes mostram que não há nenhuma base patológica associada à assexualidade.
Não tenho atração sexual mas já me apaixonei. Isso significa que não sou assexual? Paixão e desejo sexual não são a mesma coisa. Do mesmo modo que o sexo é possível sem a paixão ou qualquer outro sentimento romântico, isso também existe sem que tenha necessariamente que haver desejo sexual.
Ter praticado sexo significa que não sou assexual? Há muitas razões pelas quais temos sexo com outras pessoas, as quais não se ligam à líbido ou desejo; sendo a mais recorrente a paz ou manutenção da relação.
Se mesmo depois destas questões continua com dúvidas, questione-se: não tem qualquer interesse em sexo? O seu interesse em sexo existe mais de um ponto de vista teórico que prático? Sente-se constrangido a falar de sexo? Se já teve sexo, não considera repeti-lo? Sente-se deslocado por não olhar para o sexo da mesma forma que os outros? Isto são apenas pistas, a resposta a estas perguntas não indicam nada por si só. O importante neste tema, como em toda a sexualidade, é sabermos quem somos nesse plano, do que gostamos, mesmo que isso não se acomode no politicamente correto em que o mundo nos mergulha." Sílvia Baptista, em delas.pt
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