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A diversidade na Igreja

"A casa do meu Pai tem muitas moradas", diz-nos Jesus no evangelho.

A unidade na diversidade não é sempre aparente na Igreja enquanto povo de Deus, mas é uma realidade em Deus e uma presença na fé cristã desde a sua origem. A Palavra de Deus não é partidária, elitista e exclusiva. O Reino de Deus é como uma árvore que estende os ramos para dar abrigo a todos os pássaros do céu. Cristo não morreu na cruz para salvar uma mão cheia de cristãos. Até o Deus Uno encerra em si o mistério de uma Trindade.

A Palavra de Deus é inequívoca e só pode levar à desinstalação, à abertura ao outro, e a recebê-lo e amá-lo enquanto irmão ou irmã. Ninguém fica de fora, nem mesmo - se tivessemos - os inimigos.

Muitos cristãos crêem nesta Igreja, nesta casa do Pai, corpo de Cristo, templo do Espírito Santo. Mas como esquecer que muitos se sentem "de fora" por se verem rejeitados, amputados e anulados, e afastam-se por ninguém lhes ter mostrado que há um lugar para cada um, com a totalidade do seu ser?

Um blogue para cristãos homossexuais que não desistiram de ser Igreja

Porquê este blogue?

Este blogue é a partilha de uma vida de fé e é uma porta aberta para quem nela quiser entrar. É um convite para que não desistas: há homossexuais cristãos que não querem recusar nem a sua fé nem a sua sexualidade. É uma confirmação, por experiência vivida, que há um lugar para ti na Igreja. Aceita o desafio de o encontrares!

Este blogue também é teu, e de quem conheças que possa viver na carne sentimentos contraditórios de questões ligadas à fé e à orientação sexual. És benvindo se, mesmo não sendo o teu caso, conheces alguém que viva esta situação ou és um cristão que deseja uma Igreja mais acolhedora onde caiba a reflexão sobre esta e outras realidades.

Partilha, pergunta, propõe: este blogue existe para dar voz a quem normalmente está invisível ou mudo na Igreja, para quem se sente só, diferente e excluído. Este blogue não pretende mudar as mentalidades e as tradições com grande aparato, mas já não seria pouco se pudesse revelar um pouco do insondável Amor de Deus ou se ajudasse alguém a reconciliar-se consigo em Deus.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Uma carta aberta de Hans Küng

Uma voz incómoda, uma pedra no charco. Partilho esta carta aberta de um teólogo:


Perda histórica de confiança

Igrejas vazias – e agora ainda por cima um escândalo: Cinco anos após Bento XVI ter sido eleito Papa, a Igreja Católica vê-se a braços com a maior crise de confiança desde a Reforma.

Venerados bispos,
Joseph Ratzinger, agora Bento XVI, e eu éramos em 1962-1965 os teólogos mais jovens do Concílio. Agora somos os mais velhos e os únicos ainda em actividade. Entendi sempre o meu trabalho teológico como sendo também um serviço para a igreja. Assim, no quinto aniversário do pontificado do papa Bento XVI, escrevo-vos uma carta aberta, pois estou preocupado com a nossa igreja, que se debate com a crise de confiança mais profunda desde a Reforma. Não tenho outra maneira de chegar a vós.
Prezei muito o facto de Bento XVI me ter convidado para uma conversa de quatro horas, pouco depois da sua eleição, apesar de eu ser um crítico seu. A conversa foi amigável e deu-me esperança de que o meu antigo colega da Universidade de Tubinga encontrasse o caminho para o prosseguimento da renovação da igreja e do entendimento ecuménico, no espírito do Concílio Vaticano II.

Oportunidades perdidas
Infelizmente, as minhas esperanças, assim como as de tantos católicos e católicas empenhados, foram vãs e eu comuniquei isso ao papa Bento XVI em diversas cartas. Ele cumpriu sem dúvida conscienciosamente os seus deveres papais e até já nos deu três proveitosas encíclicas sobre a fé, a esperança e o amor.
Mas no que respeita aos grandes desafios do nosso tempo, o seu pontificado é cada vez mais caracterizado pelas oportunidades perdidas e não pelas ocasiões aproveitadas:
— Perdeu-se a oportunidade de aproximação com as igrejas evangélicas: não são entendidas como igrejas em toda a acepção da palavra, pelo que não é possível reconhecer os seus ministros e realizar celebrações conjuntas da eucaristia.
— Perdeu-se a oportunidade de diálogo com os judeus: o papa reintroduziu uma oração pré-conciliar pela iluminação dos judeus e abre as portas da igreja a bispos cismáticos notoriamente anti-semitas, beatificou Pio XII e entende o judaísmo somente como raiz histórica do cristianismo, e não como comunidade de fé existente com um caminho próprio de salvação. Irritação dos judeus em todo o mundo por causa da homília de Sexta-Feira Santa do pregador da Casa Pontifícia, que comparou as críticas ao papa com ódio anti-semita.
— Perdeu-se a oportunidade de diálogo confiante com os muçulmanos: sintomático foi o discurso de Bento em Regensburgo, no qual, mal aconselhado, falou do Islão como uma religião da violência e da desumanidade, tendo provocado uma desconfiança duradoura entre os muçulmanos.
— Perdeu-se a oportunidade de reconciliação com os povos nativos colonizados da América Latina: o papa tem afirmado seriamente que eles “ansiavam” pela religião dos seus conquistadores.

Luta contra a SIDA
— Perdeu-se a oportunidade de ajudar os povos africanos: na luta contra a sobrepopulação através da aprovação de medidas de contracepção e na luta contra a SIDA através da autorização do uso do preservativo.
— Perdeu-se a oportunidade de selar a paz com a ciência moderna: através de um reconhecimento sem reservas da teoria da evolução e da aprovação diferenciada de novos campos da investigação, como a investigação sobre células estaminais.
— Perdeu-se a oportunidade de transformar finalmente o espírito do Concílio Vaticano II na bússola da Igreja Católica dentro do próprio Vaticano e de levar por diante as reformas nele preconizadas.
O último ponto, venerados bispos, é especialmente importante. Este papa tem vindo sempre a relativizar os textos do Concílio e a interpretá-los contra o espírito dos pais do Concílio, recuando em vez de avançar. Toma até uma posição expressa contra o Concílio Ecuménico que, segundo o direito canónico católico, constitui a autoridade máxima da Igreja Católica:
— Admitiu incondicionalmente na igreja bispos da tradicionalista Fraternidade Pio X, ilegalmente ordenados, à margem da Igreja Católica, que rejeitam o Concílio nos seus pontos centrais.
— Promove com todos os meios a missa medieval segundo o rito tridentino e celebra ocasionalmente a eucaristia em latim de costas voltadas para o povo.
— Não cumpre o acordo delineado em documentos ecuménicos oficiais com a Igreja Anglicana (ARCIC), mas tenta atrair para a Igreja Católica Apostólica Romana religiosos anglicanos casados, libertando-os da obrigação do celibato.
— Fortaleceu globalmente as forças anticonciliares no interior da Igreja, através da nomeação para cargos de chefia (secretários de estado, congregação da liturgia, etc.) de pessoas com posições anticonciliares e bispos reaccionários.

Política de restauração falhada
O papa Bento XVI parece distanciar-se cada vez mais da grande maioria do povo católico, que se preocupa cada vez menos com Roma e, na melhor das hipóteses, se identifica apenas com a comunidade e o bispo local. Sei que muitos de vós também sofrem com isso: a política anticonciliar d o papa é inteiramente apoiada pela cúria romana. Esta procura sufocar as críticas no episcopado e na igreja, e desacreditar os críticos por todos os meios.
Através de uma renovada sumptuosidade barroca e de manifestações com impacto nos meios de comunicação social, Roma procura apresentar uma Igreja forte, com um “Vigário de Cristo” absolutista, que reúne nas suas mãos todo o poder legislativo, executivo e judicial.
No entanto, a política de restauração de Bento XVI fracassou. Todas as suas aparições, viagens e documentos não conseguiram alterar, no sentido da doutrina romana, as opiniões da maioria dos católicos acerca de questões controversas, principalmente em termos de moral sexual. E mesmo os encontros de juventude, frequentados sobretudo por agrupamentos carismáticos conservadores, não conseguiram travar o abandono da Igreja por parte de fiéis, nem despertar mais vocações para o sacerdócio.

Abandonados
Serão justamente os bispos quem mais profundamente lamentará este facto: desde o Concílio, dezenas de milhares de sacerdotes abandonaram o sacerdócio, sobretudo devido à lei do celibato obrigatório. A renovação não só de sacerdotes, mas também de congregações religiosas, freiras e irmãos laicos decaiu, tanto em quantidade como em qualidade. A resignação e a frustração alastram no seio do clero e entre os membros mais activos da igreja.
Muitos sentem-se abandonados nas suas necessidades e sofrem na Igreja. Em muitas das vossas dioceses deve acontecer isto: cada vez mais igrejas vazias, seminários vazios, residências paroquiais vazias. Nalguns países as comunidades católicas são fundidas, por falta de padres e frequentemente contra a sua vontade, em “unidades de assistência espiritual” gigantescas, nas quais os poucos padres disponíveis estão completamente sobrecarregados e que apenas servem para simular uma reforma da Igreja.
E eis que aos muitos factores de crise vêm ainda juntar-se escândalos que bradam aos céus: acima de tudo, o abuso de milhares de crianças e jovens por clérigos, nos Estados Unidos, na Irlanda, na Alemanha e noutros países — tudo isto ligado a uma crise de liderança e confiança sem precedentes.

Não ao silêncio
Não se pode calar o facto de que o sistema de encobrimento global de delitos sexuais de clérigos foi dirigido pela Congregação para a Doutrina da Fé do Cardeal Ratzinger (1981-2005), na qual, ainda no pontificado de João Paulo II, os casos foram compilados sob o mais estrito sigilo.
Ainda em Maio de 2001, Ratzinger enviou uma carta solene acerca dos delitos graves (“Epistula de delictis gravioribus”) a todos os bispos. Nesse documento os casos de abuso eram colocados “sob Secretum Pontificium”, cuja violação pode implicar severas penas canónicas. É, pois, com justiça que muitos exigem do então prefeito e agora papa um ”Mea culpa” pessoal. Contudo, infelizmente este deixou passar a oportunidade de o fazer na Semana Santa. Em vez disso, fez atestar “urbi et orbi” a sua inocência através do cardeal decano, no Domingo de Páscoa.
As consequências de todos estes escândalos para o prestígio da Igreja Católica são devastadoras. Isto é confirmado também por titulares de altos cargos da Igreja. Inúmeros pastores e educadores irrepreensíveis e altamente empenhados são agora vítimas de uma suspeita generalizada.
É a vós, venerados bispos, que cabe perguntar como deve ser o futuro na nossa Igreja e nas vossas dioceses. Contudo, gostaria de vos esboçar um programa de reformas; é algo que fiz por várias vezes, antes e depois do Concílio.

Dêem uma perspectiva à nossa Igreja
Gostaria de fazer apenas seis sugestões, que é minha convicção serem comuns a milhões de católicos que não têm voz:
1. Não calar: O silêncio torna-vos cúmplices de tantos males graves. Muito pelo contrário, nos casos onde considerem determinadas leis, disposições e medidas como contraproducentes, devem dizê-lo publicamente. Não enviem declarações de submissão a Roma, mas sim reivindicações de reforma!
2. Ajudar as reformas: São muitos os que se queixam de Roma, na Igreja e no Episcopado, mas nada fazem. No entanto, quando, numa diocese ou paróquia, os serviços religiosos não são frequentados, a assistência espiritual é pobre, a abertura às necessidades do mundo é limitada, a colaboração ecuménica é mínima, então a culpa não pode ser assacada simplesmente a roma. Bispo, sacerdote ou leigo – cada um faça algo pela renovação da Igreja no âmbito maior ou menor da sua vida. Muitas coisas extraordinárias, tanto a nível paroquial como na totalidade da Igreja, começaram por iniciativas solitárias ou de pequenos grupos. Na vossa qualidade de bispos, há que apoiar e estimular essas iniciativas, e ir ao encontro das queixas fundamentadas dos fiéis, sobretudo agora.
3. Agir em colegialidade: O Concílio decretou, após um debate intenso e contra a oposição persistente da cúria, a colegialidade do papa e dos bispos, no sentido da história dos apóstolos, na qual Pedro não agia sem o colégio dos apóstolos. Mas, no período pós-conciliar, os papas e a cúria têm vindo a ignorar esta decisão conciliar central. Desde que o papa Paulo VI, apenas dois anos depois do Concílio, publicou uma encíclica em defesa da controversa lei do celibato, sem ter consultado o episcopado, o magistério e a política papais regressaram ao velho estilo não colegial. Até na liturgia o papa se apresenta como autocrata, perante o qual os bispos, de que ele gosta de se rodear, surgem como meros comparsas, sem direitos nem voz. Por isso, venerados bispos, há que agir não apenas individualmente, mas em comunidade com os outros bispos, os sacerdotes e o povo da Igreja, homens e mulheres.

A obediência é devida apenas a Deus
4. A obediência incondicional é devida apenas a Deus: Na sagração solene como bispos, todos fizeram um voto de obediência incondicional ao papa. Mas também todos sabem que a obediência incondicional nunca é devida a uma autoridade humana, mas apenas a Deus. Assim, o vosso voto não deve impedir-vos de dizer a verdade acerca da actual crise da Igreja, da vossa diocese ou do vosso país. Em absoluta conformidade com o exemplo do apóstolo Paulo, que resistiu [a Pedro] frente a frente, porque merecia censura“ (Gal 2, 11)! Pressionar as autoridades romanas no espírito da fraternidade cristã pode ser legítimo, quando estas não correspondem ao espírito do Evagelho e à sua missão. A utilização das línguas nacionais na liturgia, a alteração das disposições relativas aos casamentos mistos, a aceitação da tolerância, da democracia, dos direitos humanos, do entendimento ecuménico e tantas outras coisas, apenas foram conseguidas graças a uma perseverante pressão vinda de baixo.
5. Procurar soluções regionais: O Vaticano mostra-se frequentemente surdo às reivindicações do episcopado, dos sacerdotes e dos leigos. Tanto mais necessária é, pois, a procura inteligente de soluções regionais. Um problema particularmente delicado, bem o sabeis, é a lei do celibato, oriunda da Idade Média, que está a ser justificadamente posta em causa no contexto dos escândalos de abusos sexuais. Uma alteração contra a vontade de roma parece quase impossível. No entanto, isso não significa que se esteja condenado à passividade: um sacerdote, que após madura reflexão pensa em casar, não teria de renunciar automaticamente ao seu cargo, se o bispo e a comunidade o apoiassem. As várias conferências episcopais poderiam avançar com soluções regionais. Mas o melhor seria procurar uma solução para toda a Igreja. Portanto:
6. Exigir um Concílio: Tal como foi necessário um Concílio Ecuménico para alcançar a reforma litúrgica, a liberdade religiosa, o diálogo ecuménico e interreligioso, o mesmo acontece para a resolução dos problemas que agora eclodem de modo tão dramático. O Concílio de Constança, no século anterior à Reforma, determinou a convocação de um Concílio a cada cinco anos, mas essa decisão tem sido ignorada pela cúria romana. Sem dúvida que esta também agora fará tudo para evitar um Concílio do qual tem a recear uma limitação do seu poder. É responsabilidade de todos vós levar a cabo a realização de um Concílio ou, pelo menos, de uma assembleia representativa do episcopado.

Enfrentar os problemas com sinceridade
É este, venerados bispos, o apelo que vos faço perante uma igreja em crise, pôr na balança o peso da vossa autoridade episcopal, revalorizada pelo Concílio. Nesta difícil situação, os olhos do mundo estão postos em vós. Inúmeras pessoas perderam a confiança na Igreja Católica. Só uma abordagem aberta e séria dos problemas e a adopção das reformas indispensáveis pode ajudar a recuperar essa confiança. Peço-vos com todo o respeito, que cumpram a vossa parte, sempre que possível em colaboração com os outros bispos, mas em caso de necessidade também sozinhos, com “desassombro” apostólico (Act 4, 29.31). Dêem sinais de esperança e coragem aos vossos fiéis e uma perspectiva à nossa Igreja.

Saúdo-vos na comunhão da fé cristã
Vosso
Hans Küng

uma entrevista à Euronews
sobre Hans Küng (biografia)

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Porque estou aqui

Sinto-me privilegiado por ter encontrado na Igreja um lugar vazio, feito à minha medida. É certo que tê-lo encontrado (ou encontrá-lo renovadamente, pois não é dado adquirido) foi também mérito da minha sede, do meu empenho, de não baixar os braços e achar, passivamente, que não seria possível. Passo a contextualizar: a comunidade onde vou à missa é pequena e acolhedora, e podia bem não o ser. Ao mesmo tempo, sentia um desejo grande de reflexão de vida cristã e encontrei um casal (heterosexual) que tinha a mesma vontade. Começámo-nos a reunir semanalmente numa pequena comunidade de oração e reflexão que, apesar de crítica, nos tem ajudado a sermos Igreja e a nela nos revermos. Paralelamente, face ao contínuo desencanto em relação a algumas posturas e pontos de vista de uma Igreja mais institucional e hierárquica, tive a graça de encontrar um grupo de cristãos homossexuais, que se reuniam com um padre regularmente, sem terem de se esconder ou de ocultar parte de si.

Sei que muitos cristãos homossexuais nunca pensaram sequer na eventualidade de existirem grupos cristãos em que se pudessem apresentar inteiros, quanto mais pensarem poder tomar parte e pôr em comum fé, questões, procuras, afectos e vidas.

Por tudo isto me sinto grato a Deus e me sinto responsável para tentar chegar a quem não teve, até agora, uma experiência tão feliz como a minha.

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