Rezar é superar o isolamento
O que significa hoje rezar e como exercitar a arte do «discernimento», questão escolhida pelo papa Francisco para o próximo Sínodo dos Bispos, que em outubro vai debater a relação da Igreja com os jovens? Entrevista ao padre, teólogo e artista esloveno Marko Ivan Rupnik, que entre outras obras de arte concebeu o painel de mosaicos situado atrás do altar da basílica da Santíssima Trindade, em Fátima.
A oração é a primeira das três práticas que o cristão é chamado a redescobrir na Quaresma [a par do jejum e da esmola]. O homem de hoje ainda tem espaço para rezar, ou a oração arrisca-se tornar-se uma prática fora de uso?
Se a oração é entendida como um exercício requerido por uma religião, é normal que se torne difícil e árdua, e que muitas vezes não se consiga ver nela o sentido. Sobretudo se a religião se baseia na educação, fazendo da oração uma obrigação, um dever. Rezando deste modo o homem contemporâneo, tirando alguns efeitos muito superficiais e psíquicos de uma certa pacificação ou algo de semelhante, não pode entrever. Mas para nós, cristãos, a oração não é absolutamente isso. A oração dos cristãos é expressão de uma vida que se recebe em dom no Batismo.
A oração é perceber-se a si próprio unido a Cristo, ou melhor, como parte dele. Rezar quer dizer viver a própria vida em relação com o Pai, por meio de Cristo, no Espírito Santo, que continuamente plasma a nossa mentalidade de filhos.
É um estado dialógico, uma superação do isolamento. No Batismo somos enxertados no Corpo de Cristo e no Espírito Santo é nos dada a vida filial. Segundo a nossa fé, toda a nossa humanidade, do Batismo em diante, é fundada na humanidade de Cristo, e isto não acontece através de um exercício individual e subjetivo mediante um esforço de concentração ou de auto-sugestão, mas através de uma realidade verdadeiramente objetiva como são os sacramentos. Daqui se conclui que também a oração pessoal, como a eclesial, cresce desta realidade sacramental da nossa humanidade em Cristo. É uma expressão da nossa vida em Cristo. Antes de se encontrar em Cristo, a oração é sobretudo a súplica e o pedido pela misericórdia.
Na última oração do Angelus, o papa definiu a oração como uma ocasião para exercitar um combate contra o diabo. Como operar, não só na Quaresma, o discernimento?
Uma vez que Deus se fez homem em Cristo, comunica com o homem numa linguagem humana. Tal como a Palavra de Deus é comunicada por meio da palavra humana e em Cristo todo o universo de Deus, tudo o que é a comunhão das Pessoas divinas comunica-se na humanidade do Filho. Isto quer dizer que o discernimento é a arte de como entender-se com Deus, e como Deus fala através dos nossos pensamentos e sentimentos, é uma questão de descobrir quais são.
Os pensamentos podem chegar-me de muitas fontes, mas é preciso ver, como dizem os grandes mestres espirituais, que espírito sopra através deles. Tudo depende da orientação fundamental do coração. Se o coração é filial e está orientado para o Pai, o inimigo da salvação do ser humano procurará corrompê-lo com um ataque pelas costas, sugerindo dúvidas, aumentando as dificuldades no caminho, esvaziando de sentido as ações, os pensamentos, os passos, as relações, concentrando assim aos poucos o ser humano em si próprio.
Os sentimentos e os pensamentos ligam-se na ótica da direção na qual nos impelem e levam: se nos movem para uma comunhão cada vez mais real ou se nos fecham em nós. O combate espiritual significa saber ler-se a si próprio no que respeita à comunhão ou ao isolamento, o individualismo ou a abertura. O medo por si ou o dom de si. Isto é, ver o sentido da própria Páscoa.
Quando fala de oração, o papa Francisco exorta muitas vezes a chamar Deus com o nome de «Pai». Que necessidade há de paternidade, naquela que o pontífice define frequentemente como uma «sociedade de órfãos»?
Os últimos séculos tornaram a vida espiritual muito problemática, porque Deus foi maioritariamente abordado em chave filosófica e Cristo em chave de homem perfeito, modelo da humanidade. Mas o próprio Cristo, no Evangelho segundo João (8, 19), diz: «Vós não conheceis nem a mim nem o meu Pai; se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai». Isto quer dizer que o lugar do conhecimento é a relação e a inteligência é a do ágape, do amor. Se Deus não é experimentado como o Pai, que tem um amor louco pelo Filho, é difícil também a oração do Pai-nosso.
Uma pessoa sente-se filho quando está à mesa a falar com o pai. Sente-se filho quando sabe a origem e a meta. Quando o amor não é a meta a atingir mas o ponto de partida, as coordenadas da existência e a festa do cumprimento. O Pai é o garante do amor livre, é o porto que espera, é a segurança ontológica e, portanto, existencial. São tudo realidades de que hoje se ouve o grito da necessidade.
O discernimento é também o tema do próximo sínodo dos bispos. Para os jovens é uma arte talvez ainda mais difícil do que para os adultos; encontram eles mestres capazes de os ensinar a exercitá-lo?
Parece-me que os jovens procuram a vida e nós ainda nos deixamos ofuscar pelos métodos, pelas aproximações pastorais que tentam captar o seu interesse, para nos fazer próximos deles, mas creio que eles percebem imediatamente que essa é uma metodologia; ao contrário, o amor não é metodologia mas é o nosso modo de existência que revela também o conteúdo da fé.
Os jovens são particularmente sensíveis ao discernimento, mas como isso significa entender-se com Deus, é necessário fazer com que eles se encontrem com Deus, com Cristo, descubram que existe o Espírito Santo, que é dom de uma vida particular, que move como o vento faz à vela, isto é, toda a humanidade.
Não acredito que seja possível conhecer Cristo se não na misericórdia, no sacramento da amnistia, num abraço forte que, aquecendo o coração, abre novos horizontes.
M. Michela Nicolais In SIR
Traduzido e publicado por SNPC
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