No amor não há submissão
A igreja estava calorosa e acolhedora na festa da Sagrada Família, no passado mês de dezembro. Antes que a missa começasse, ofereci a minha oração habitual para estar aberta às graças da liturgia. Logo depois o meu coração fechou-se abruptamente quando ouvi a leitura da epístola. Depois de proclamar a instrução de S. Paulo para nos revestirmos «de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência» na sua carta aos Colossenses, o leitor leu: «Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor» (Colossenses 3, 18).
Há anos que ouço essas palavras proclamadas numa igreja. Desta vez, a mensagem pareceu ainda mais ofensiva do que no passado. Durante meses, ouvimos uma série de mulheres a falar sobre assédio sexual, abuso e condutas impróprias às mãos de homens poderosos. Também ouvimos as mulheres a dizer «acabou o tempo», o que significa que chegou o momento em que esses comportamentos já não são tolerados e as mulheres deixaram de ficar em silêncio.
Ouvir uma leitura das Escrituras que apoia a submissão das mulheres neste contexto parecia seriamente errado.
O dicionário define «submeter» como «pôr debaixo de», «tornar dependente», «sujeitar; obrigar; subjugar». Instruir as esposas a serem submissas aos seus maridos perpetua a ideia de que as mulheres devem ser obedientes aos homens e contribui para uma cultura do domínio masculino. Este tipo de pensamento abre uma caixa de Pandora para a subjugação das mulheres numa escala mais ampla. Com efeito, se as mulheres são consideradas inferiores ao seu parceiro no casamento, certamente serão tratadas como inferiores na sociedade em geral.
As palavras de S. Paulo foram escritas num tempo em que as mulheres eram consideradas inferiores aos homens. Mas os tempos mudaram. Porque é que, hoje em dia, a Igreja católica ainda proclama leituras das Escrituras que suportam um entendimento das mulheres como submissas? (…)
Se se ler todo o terceiro capítulo da carta aos Colossenses, observar-se-á que contém instruções para os escravos, dizendo: «Escravos, obedeçam em tudo aos vossos mestres humanos» (3, 22). Não ouvimos esta parte proclamada no ambão porque não está incluída no lecionário. Se a ouvíssemos, reconheceríamos que a leitura está desatualizada. Poderíamos objetar ao percebermos que a Igreja estaria a aceitar a escravidão quando se proclamasse um trecho da Escritura que diz aos escravos como se hão de comportar.
Então por que é que o lecionário inclui partes das Escrituras sobre esposas que também estão desatualizadas e são objetáveis?
A submissão das mulheres no contexto do casamento é inconsistente com o ensino da Igreja e a prática pastoral. O Catecismo da Igreja católica refere-se ao casamento como uma parceria entre um homem e uma mulher e fala de amor mútuo (1602, 1604). A bênção nupcial lida durante o sacramento do Matrimónio reza: «Confie nela o coração do seu marido, honrando-a como companheira igual em dignidade».
O papa Francisco desenvolve ainda mais esta mensagem de amor mútuo. Na sua exortação apostólica Amoris laetitia refere-se ao amor conjugal como «uma união que tem todas as características duma boa amizade: busca do bem do outro, reciprocidade, intimidade, ternura, estabilidade e uma semelhança entre os amigos que se vai construindo com a vida partilhada». No casamento «partilha-se tudo (…) sempre no mútuo respeito».
Expandindo até à noção de amor matrimonial, escreve Francisco: «O amor confia, deixa em liberdade, renuncia a controlar tudo, a possuir, a dominar. Esta liberdade, que possibilita espaços de autonomia, (…) consente que a relação se enriqueça».
Neste género de amor não há lugar para a submissão.
A compreensão que o papa tem do amor como uma força que não controla, possui ou domina é uma mensagem extremamente necessária na Igreja e na sociedade hoje. Este género de amor no contexto do casamento apoia a igualdade entre os cônjuges e encoraja o crescimento individualmente e em conjunto. Este género de amor que enriquece e expande os relacionamentos promove a cura e assegura o poder de transformar.
Temos um longo caminho a percorrer para mudar a nossa cultura de uma onde em que a má conduta sexual contra as mulheres é generalizada e tolerada para uma cultura em que as mulheres são tratadas com dignidade e respeito. A Igreja tem um papel importante a desempenhar na realização desta transformação. Podemos dar um passo simples e no entanto substancial nessa direção ao não proclamar textos da Escritura que submetem as mulheres. Melhor ainda, vamos remover completamente esses textos dos nossos lecionários.
Acabou o tempo.
Nancy Small In National Catholic Reporter
Tradução e edição: SNPC
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