Uma mulher de palavra
Bastaria citar Hildegarda de Bingen (1098-1179) para compreender quão pouco conhecemos do papel da mulher na Igreja e o quanto alguns santos serviram de alimento a gente distante da fé. Vive num tempo de papas e antipapas e consegue, surpreendentemente, subtrair-se ao influente clero de Mainz, oferecendo uma leitura totalmente pessoal do seu tempo.
Hildegarda deixa a abastada Disibodenberg, transferindo-se para uma região rupestre, Rupertsberg, fundando um novo mosteiro. Deste “púlpito” fala a papas e imperadores, entra em diálogo com figuras do calibre de S. Bernardo, permanecendo submissa às legítimas autoridades, eclesiásticas e não.
Apresentando a relação entre homem e mulher com surpreendente liberdade, Hildegarda ensina às suas religiosas a serem antes de tudo mulheres, depois cristãs, depois monjas. Com uma antecipação de oito séculos relativamente a Bonhoeffer (que, aprisionado pelos nazis, afirmava a necessidade de se ser crente, e não religioso), exalta a experiência do crente contra categorias religiosas que sufocam o real conhecimento do divino.
Uma mulher assim não deslizou para análises estéreis da realidade, que nunca levam à salvação, mas propôs uma experiência de vida. Lançou uma proposta nova, num tempo difícil dominado por homens. (...) Foi um desafio para a estrutura política e religiosa do seu tempo. E também não vestiu roupas “modernas” para agradar ao seu mundo em mudança. Permaneceu monja, educando as suas irmãs através do teatro e do canto, a exprimir-se em beleza, santidade e fé. Não lhe faltaram críticas e transtornos, e no entanto hoje é fonte inesgotável de inspiração para leigos e consagrados.
Fazem falta pessoas assim: figuras políticas, masculinas e femininas, figuras religiosas capazes de produzir frutos constituídos por factos, não por palavras. Pessoas de escolhas corajosas e contracorrente que voltem aos princípios fundadores de uma existência humana digna desse nome e de uma política que ofereça ao cidadão a garantia da vida, sã no corpo e na mente.
Gloria Riva, In Avvenire
Tradução e edição: SNPC
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