Mensagem para a Quaresma de 2015 do Papa Francisco
"«Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar», alerta.
A Quaresma, «tempo de renovação para a Igreja» e «para cada um dos fiéis», é sobretudo uma ocasião propícia para a «graça» de Deus, assinala Francisco, na mensagem que tem por tema “Fortalecei os vossos corações”, apelo extraído da carta bíblica de Tiago.
«Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa procura, quando o deixamos. Interessa-se por cada um de nós; o seu amor impede-lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece», lembra o papa.
O mesmo não acontece por parte do ser humano: «Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem».
Esta atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal, que podemos falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de enfrentar», vinca Francisco.
O documento faz referência à recusa de Deus patente na sociedade e às consequências que essa atitude pode ter nas comunidades católicas.
Com o nascimento, morte e ressurreição de Jesus, «abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra», sendo a Igreja «como a mão que mantém aberta» essa via.
«O mundo, porém, tende a fechar-se em si mesmo e a fechar a referida porta através da qual Deus entra no mundo e o mundo nele. Sendo assim, a mão, que é a Igreja, não deve jamais surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida. Por isso, o povo de Deus tem necessidade de renovação, para não cair na indiferença nem se fechar em si mesmo», declara a mensagem.
O texto retoma a imagem da Igreja como corpo, onde «não encontra lugar a tal indiferença», porque «quem é de Cristo, pertence a um único corpo e, nele, um não olha com indiferença o outro».
Para Francisco, esta perspetiva, aplicada à Igreja universal, deve ser concretizada nas paróquias e comunidades, a cujos fiéis propõe um exame de consciência.
«Nestas realidades eclesiais, consegue-se porventura experimentar que fazemos parte de um único corpo? Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo que Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada?», questiona.
Os católicos, prossegue o documento, devem «ultrapassar as fonteiras da Igreja visível em duas direções»: «Em primeiro lugar, unindo-nos à Igreja do Céu na oração»; e, depois, «cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos».
«A Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a cada homem, até aos confins da Terra. Assim podemos ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã pelos quais Cristo morreu e ressuscitou. Tudo aquilo que recebemos, recebemo-lo também para eles. E, vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom para a Igreja e para a humanidade inteira», frisa o papa.
Depois de se centrar na Igreja universal e a nível local, a mensagem dirige-se a cada pessoa que é atingida pela «tentação da indiferença»: «Estamos saturados de notícias e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência?»
«Em primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos a força da oração de muitos! (...)
O papa pede, a seguir, a ajuda às pessoas mais pobres através das organizações caritativas da Igreja, porque a Quaresma «é um tempo propício» para mostrar «interesse pelo outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas concreto» da participação pessoal na humanidade comum.
Num terceiro momento, Francisco destaca que o «sofrimento do próximo constitui um apelo à conversão»: «A necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos».
«Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos, sublinha.
A terminar, o papa acentua que «ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil»: «Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro».
«Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo: “Fac cor nostrum secundum cor tuum – Fazei o nosso coração semelhante ao vosso”. Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença», assinala Francisco."
por Rui Jorge Martins para SNPC 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário