Papa denuncia machismo
"Sonha uma Igreja pobre, mas também uma Igreja «esposa e mãe», porque «a mulher é o grande dom de Deus, é a harmonia do mundo». Há muitas vezes intensidade lírica quando o papa Francisco fala das mulheres. Mas há também profundidade teológica – como emergiu há alguns dias na decisão de inscrever no calendário litúrgico a memória da Virgem Maria Mãe da Igreja – e paixão civil, como quando, na semana passada, denunciou «a persistência de uma certa mentalidade machista, inclusive nas sociedades mais avançadas, nas quais se consumam atos de violência contra as mulheres, vítimas de maus-tratos, de tráfico e lucro, bem como reduzidas a objetos em alguma publicidade ou na indústria do entretenimento».
Mas se, no dia dedicado à mulher, tivéssemos de ir à procura da “marca feminina” mais original de Francisco, só poderíamos salientar a sua atenção ao papel materno. E não só pelos muitos acenos dirigidos nestes anos à mãe Virgem Maria e à avó Rosa, mas sobretudo pelo que escreveu nos seus textos mais significativos. Na “Amoris laetitia”, refletindo sobre a queda da natalidade, anota: «O enfraquecimento da presença materna, com as suas qualidades femininas, é um risco grave para a nossa terra». Um compromisso materno que, a par das suas qualidades tipicamente femininas, «conferem-lhe também deveres, já que o seu ser mulher implica também uma missão peculiar nesta terra, que a sociedade deve proteger e preservar para bem de todos» (n. 173).
Também é forte no papa o tema da paridade e da reciprocidade homem-mulher, na convicção de que uma mãe, para destacar as suas características de maneira equilibrada, precisa de interagir com um homem-pai num plano de igual dignidade. Recordou-o, entre muitas outras ocasiões, na audiência geral de 22 de abril de 2015: «Quando finalmente Deus apresenta a mulher, o homem reconhece, exultante, que essa criatura, e só ela, é parte dele. (…) Finalmente há um espelhamento, uma reciprocidade. A mulher não é uma “réplica” do homem; vem diretamente do gesto criador de Deus». Homem e mulher – sublinhou – são da mesma substância e são complementares.
É a mesma convicção profunda que anima o papa nas suas frequentes referências à teoria do género. Não são referências casuais a uma lógica criticada a partir de uma perspetiva ideológica, mas desejo de não fragilizar a «beleza e a verdade» da reciprocidade homem-mulher. A 4 de outubro de 2017, dirigindo-se à Academia Pontifícia para a Vida, vincou que a denominada “utopia do neutro”, «em vez de contrastar as interpretações negativas da diferença sexual, que mortificam o seu valor irredutível para a dignidade humana», pretende eliminar, de facto, essa diferença, propondo técnicas e práticas que a tornam irrelevante para o desenvolvimento da pessoa e para as relações humanas. E, em última instância, traduz-se mais uma vez em discriminação contra a mulher.
Trata-se de temas que já tinha relevado a 7 de fevereiro de 2015, no discurso à assembleia plenária do Conselho Pontifício da Cultura, quando encorajou as mulheres as não se sentirem «hóspedes», mas «plenamente participantes dos vários âmbitos da vida social e eclesial», desejando também um maior envolvimento das mulheres nas «responsabilidades pastorais». Quais, em particular? Uma frente, esta, que espera uma especificação mais atenta, para além da poeira levantada pela questão das “diaconisas”, que por agora permanece ao nível – ainda assim importante – de uma comissão encarregada de estudar historicamente o tema.
Mas que o papa deseja um aprofundamento teológico da presença da mulher na Igreja está fora de dúvida. Logo nos primeiros meses do pontificado, a 12 de outubro de 2013, falando ao então Conselho para os Leigos, questionava-se sobre «que presença tem a mulher na Igreja». Se a perspetiva é a da reciprocidade e da igual dignidade – como várias vezes por ele sublinhado –, é fácil imaginar com que atitude Francisco acolheu denúncias como a publicada há alguns dias na revista “Donne Chiesa Mondo”, ligada ao “Osservatore Romano”, sobre religiosas muitas vezes tratadas como escravas pelos seus superiores, sem horário de trabalho e retribuição salarial. Ele próprio, de resto, no prólogo do livro “Dez coisas que o papa Francisco propõe às mulheres”, declarou-se preocupado que «na própria Igreja o papel de serviço a que cada cristão é chamado desliza, no caso das mulheres, por vezes, para papéis que são mais de servidão do que de verdadeiro serviço»."
Luciano Moia, In Avvenire
Tradução de SNPC, Publicado em 8 de março de 2018
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