Precisamos é de bicicletas
Penso em dois grandes pulmões espirituais na Europa que nos está mais próxima: Taizé e Bose. Taizé é uma minúscula povoação que fica a 390 Kms a sudeste de Paris. Em 1940, era uma espécie de zona de demarcação entre a França ocupada pelas tropas alemãs e a França livre. Precisamente nesse ano chega a esse lugar um jovem teólogo suíço, Roger Schutz. Ele vinha buscando, dentro de si, qual seria a sua missão. E não tinha encontrado ainda respostas. O que é engraçado é que a primeira vez que ele chegou a Taizé, fê-lo de bicicleta (veio a pedalar desde Genebra). Poderia ser só um passeio ou uma fuga para lugar nenhum. Taizé não tinha nada, mas ele entendeu esse nada como uma oportunidade para “reparar” as feridas da humanidade. Dois anos depois é expulso dali, porque os alemães perceberam que ele auxiliava os judeus perseguidos. Mas em 1944 ele regressa, e traz já consigo um pequenino grupo de jovens da sua idade, movidos pelo ideal de construir e viver uma experiência monástica, na frugalidade, no silêncio, no louvor e no acolhimento. Hoje largos milhares de jovens caminham para Taizé como se buscassem uma fonte refrescante. E o testemunho do Irmão Roger tornou-se uma inspiração de que não precisamos de aviões a jato ou de veículos sofisticados para descobrir o mapa do coração. Basta-nos uma bicicleta, ou menos ainda.
Bose, por sua vez, fica no Norte da Itália, entre Turim e Milão, no território montanhoso de Biella. No ano de 1968, época de tantas mutações e reivindicações, há um jovem estudante de economia que decide começar uma experiência monástica num pequeno monte periférico. Àquela época não tinha eletricidade, nem água canalizada. Por mais de dez anos ele viveu nessa solidão, fiel à oração e ao trabalho manual. Ele conta, por exemplo, que durante o inverno uma das suas tarefas era não deixar apagar a lareira, que lhe servia para tudo: cozinha, iluminação, aquecimento. Hoje, com graça, ele conta que tudo o que sabe sobre Deus e sobre o amor ao mundo, o deve ao fogo (ou melhor, a essa vigilância ativa para não deixar se apagar o fogo). Muitas vezes achamos que precisamos de mais isto e aquilo, quando, no fundo, precisamos é de aprender a tornar fecundo o nosso ponto de partida (seja ele qual for).
José Tolentino Mendonça
In Diário de Notícias (Madeira)
publicado a 14 de Agosto de 2011 por SNPC
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