A morte é tabu cultural que tende para a abstração, neutralidade e interdito
A morte tornou-se um «tabu cultural», sobre o qual as convenções «interditam de conversar abertamente e de pensar mais de dois segundos», defende o P. Tolentino Mendonça no mais recente artigo de opinião publicado no semanário "Expresso".
«Torturamos a linguagem para que ela alcance um grau de abstração e arredondamento tais que a morte desliza para uma neutralidade anónima, sem direitos de reconhecimento nem de expressão», sublinha no texto intitulado "Funeral em vida".
Publicado na véspera da solenidade católica de Todos os Santos (1 de novembro) e da evocação dos "Fiéis Defuntos" (dia 2), o artigo lamenta o «interdito teleológico» que priva o ser humano da «consumação, isto é, da realização plena» do «mistério de vida e morte» inerente à humanidade.
A morte é hoje «tacitamente ocultada», à exceção da que a «vertigem mediática» elege como «espetáculo», estando a perder-se as «palavras, imagens ou sabedoria» para a viver «não apenas como um incomunicável evento privado, mas como um destino comum e partilhado».
«A tendência atual (e que é bem mais do que uma tendência comercial) é a de assumir uma remoção completa» da morte, sustenta Tolentino Mendonça ao questionar as agências funerárias que propõem preparar antecipadamente as exéquias de cada pessoa com um pacote de serviços, a que deram o nome de «funeral em vida».
A sociedade, prossegue o texto, afasta-se da prece de Rainer Maria Rilke: «Dá, Senhor, a cada um a sua própria morte,/ uma morte nascida da sua própria vida,/ que lhe deu amor, sentido e aflição».
«No dia em que o mandamento de «sepultar dignamente os mortos» for removido dos deveres dos filhos, dos companheiros, dos irmãos, dos amigos, e antecipado para as obrigações que cada um deve prever em relação a si mesmo, a nossa humanidade ficará irremediavelmente mais pobre», acentua.
Edição: Rui Jorge Martins publicado em SNPC
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