"A Igreja é hipócrita porque não aceita uma realidade que é sua"
Polaco, filho de uma família muito crente, cujo apoio o surpreendeu quando revelou ser homossexual, o padre Krzystof Charamsa testemunha a sua vivência no seio do clero, onde assegura que metade são gays. Revolta-se e acusa a Igreja de falsidade por nem sequer querer iniciar o debate do tema
Como o devo tratar, por padre?
Na realidade, porque não? Não sou um ex-padre, sou um padre suspenso. O sacramento do sacerdócio não se pode cancelar. Hoje sinto-me mais padre do que antes. Estou a realizar a minha vocação, em defesa dos direitos humanos, dos homossexuais, das mulheres ...
O Vaticano alegou que tinha violado o voto do celibato. Contrapõe que essa obrigatoriedade visa a relação do padre com uma mulher. Com um homem não é o mesmo?
É a mesma coisa para mim, mas não para a minha igreja, esse é o problema. O direito canónico diz-se contra o concubinato com uma mulher e não contempla o direito de uma relação com um homem.
Não admitem essa possibilidade.
Porque a Igreja é homofóbica e cancela a existência da homossexualidade, só a aceita como uma patologia, uma doença. Para me suspenderem nunca usaram a frase "relação afetiva com um homem ou homossexualidade", usaram o número do cânone que fala do concubinato e outros delitos sexuais. Na minha vida não são delitos sexuais, sinto muito, e também não me podem suspender por ter uma relação com uma mulher.
Concorda com o celibato?
Na maior parte da minha vida fui defensor do celibato, hoje não. Na congregação da Santa Sé, de que fazia parte, fui encarregue de um estudo sobre esse tema. Queriam que o celibato fosse obrigatório para todos os padres - não é na igreja oriental, não é para os padres romenos e ucranianos, para os que vêm de outras confissões -, é só para os padres latinos. Percebi que não havia razão bíblica, teológica, para que isso.
O que espera com este livro?
É uma novela com apontamentos biográficos. Mas na realidade, é um testemunho da evolução de uma pessoa e a sua relação com a instituição onde trabalha, a quem quer e com a qual se identifica e, ao mesmo tempo, descobre que é a instituição que não lhe permite aceitar-se. Neste caso, é um testemunho de um padre, um gay, e a Igreja, a quem considera a sua casa, a sua família, porque é um crente, mas tem um significado mais universal. É o testemunho de uma luta interior e de uma libertação, de uma libertação completa e que não é fácil de explicar a uma sociedade católica, que domina tudo com os seu juízos de valor, que julga em vez de escutar e, assim, oculta a realidade.
Conhecia a doutrina quando decidiu ser padre. Não concordou?
Sim, concordei. Essa foi a razão pela qual escondi a mim próprio que era gay, não queria aceitar, porque ia contra a doutrina que confessava, com a qual me identificava. Depois descobri que a congregação professava uma teoria que não praticava.
Acusa a Igreja de hipócrita.
É hipócrita porque não aceita uma realidade que é sua, que está no seu interior. Quando a Igreja fala dos gays, jamais diz nós, são os outros.
Constatou que há homossexuais que se refugiam no clero?
Sim. As famílias quando percebem que um filho não vai casar com uma mulher, pensam num local para onde ir sem revelar quem é e, assim, realizava-se socialmente.
Afirma que 50% do clero é gay.
O viver da homossexualidade na Igreja é muito mais forte do que na sociedade em geral. Avanço um número, é uma hipótese de trabalho, a igreja não pode ignorar mais este tema. Porque é que reconhece os direitos dos homossexuais.
Porque?
Quer manter o domínio sobre a sociedade, que é patriarcal e machista. E abrir-se à compreensão da homossexualidade exige uma grande reforma do pensamento católico.
O papa Francisco não vai conseguir mudar isso?
Convocou dois Sínodos sobre um tema que é urgente: a família, o matrimónio, as sexualidade, mas no final, foi silenciado pelos bispos, por um Vaticano que não tem capacidade para estudar as questões que a realidade exige. E até agora, não conseguiu nada. Disse muitas coisa boas, na realidade abre a cabeça das pessoas, mas o Vaticano tem minado praticamente qualquer possibilidade de discussão.
Ficou desiludido por não ter respondido à sua carta?
Esperava a resposta do papa Francisco aos homossexuais católicos, não a mim. Esperava uma resposta institucional, de líder espiritual da Igreja Católica e parecia que o Sínodo era um espaço para isso. E ele voltou a repetir as condenações do passado, não disse uma palavra positiva sobre os homossexuais.
O que esperava quando revelou ser homossexual?
Sabia que ia pagar um preço, mas esperava que falassem comigo, que o meu superior me recebesse. O Papa Francisco diz que a Igreja é como um hospital de campo, que procura os feridos, que deve acolher quem está perdido. E o que fizeram foi: "Não trabalhas mais aqui!"
O que faz atualmente?
Sou escritor. Tenho muitos projetos. Vivo na Catalunha, com o Eduardo, é a minha casa e a minha pátria. Da Polónia, na maior parte do tempo recebi ódio e ressentimento. A minha família é muito crente e apoia-me de uma maneira extraordinária. Eles é que sofrem, a minha mãe está a sofrer o que eu devia ter sofrido.
Há muitos padres gays a contactá-lo?
Muitíssimos, por email, facebook, mensagens, mas tudo de foram confidencial, todos com medo, este medo que paralisa. E, finalmente, trata-se só de pensar, estudar um pouco mais o que dizem sobre as relações humanas, A Igreja deveria ajudar a sociedade a respeitar os direitos das minorias, mas se nem aceita os direitos das mulheres?
Uma vez que é tão crente em Deus, há alguma outra confissão religiosa onde se pudesse enquadrar?
Não. Tive propostas de outras confissões, que me queriam receber, mas sou católico, um padre em exílio.
Manter-se numa Igreja que acusa de falsidade e hipocrisia?
Porque nem tudo está mal. Estamos num momento histórico, de compreensão da sexualidade e dos direitos ligados à sexualidade. A Igreja está a perder esse momento, mas não pode continuar fechada.
A pedofilia é uma consequência da falta de debate sobre a sexualidade?
Sim, é uma consequência da incapacidade de falar abertamente sobre a sexualidade humana. Somos católicos, estamos obcecados com a masturbação dos adolescentes, parece que é o maior pecado, quando encobrimos a pedofilia, não lhe demos importância. Formámos sociedades católicas onde as pessoas não querem saber da pedofilia, preferem estigmatizar a vítima. É uma cultura formada por este tabu da sexualidade que a Igreja tem debaixo do seu domínio.
Percebeu que era gay na adolescência e foi para padre, porquê?
Sim, mas não aceitava esse facto, lutava contra os meus desejos, vivia num engano de que não podia ser verdade, porque ia contra a doutrina que eu professava. Hoje a minha consciência de homossexual é a consciência de um padre. A Igreja precisa de padres homossexuais e heterossexuais, pessoas falam da nossa identidade. Os homossexuais têm a experiência humana de uma minoria que precisa de ser vivida e aceite.
por Diana Quintela, para DN, 25 de Outubro de 2016
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