«Comunhão», um dos mais belos nomes da Igreja
Se nos pudéssemos lembrar sempre de que Cristo é comunhão ...
Ele não veio à Terra para criar mais uma religião, mas para dar a todos a possibilidade de uma comunhão em Deus. Os seus discípulos são chamados a, humildemente, ser fermento de confiança e de paz na humanidade.
Quando a comunhão entre os cristãos é uma vivência, e não uma teoria, transporta um brilho de esperança. Mais ainda: ela pode sustentar a indispensável busca da paz do mundo.
Assim sendo, como é que os cristãos podem continuar ainda separados?
A reconciliação dos cristãos é hoje urgente. Não pode ser eternamente adiada para mais tarde, até ao fim dos tempos.
Ao longo dos anos, a vocação ecuménica proporcionou partilhas extraordinárias. São as premissas de uma reconciliação. Mas quando a vocação ecuménica não se concretiza em comunhão, não leva a lado nenhum.
O Patriarca ortodoxo grego de Antioquia, Inácio IV, é o autor destas palavras impressionantes: «As nossas divisões tornam Cristo irreconhecível. Precisamos urgentemente de iniciativas proféticas que façam sair o ecumenismo dos meandros nos quais receio que se esteja a enterrar. Temos uma necessidade urgente de profetas e de santos que ajudem as nossas Igrejas a converterem-se através do perdão recíproco.» E o Patriarca apelava a que se «privilegiasse a linguagem da comunhão em vez da linguagem da jurisdição».
O papa João Paulo II, ao receber em Roma os responsáveis da Igreja Ortodoxa da Grécia, falava do «ecumenismo da santidade, que nos conduzirá por fim à comunhão plena, que não é nem uma absorção nem uma fusão, mas um encontro na verdade e no amor».
Na longa história dos cristãos, a certa altura, multidões de crentes deram por si separadas, por vezes sem sequer saberem porquê. Hoje é essencial fazer tudo para que o maior número possível de cristãos, frequentemente inocentes nessas separações, se descubram em comunhão.
Será que a Igreja pode dar sinais de grande abertura, tão grande que se possa constatar que os que no passado estavam divididos já não estão separados, mas vivem agora em comunhão?
Será dado um passo em frente quando se verificar que existe já uma vida de comunhão em alguns lugares do mundo. Será preciso coragem para o constatarmos e para nos adaptarmos. Os textos virão depois. Se privilegiarmos os textos, não acabaremos por nos distanciar da interpelação do Evangelho: «Vai primeiro reconciliar-te»?
São inúmeras as pessoas que desejam a reconciliação do fundo do coração. Aspiram a esta alegria infinita: um só amor, um só coração e uma só e mesma comunhão.
Sim, a comunhão é a pedra de toque. Ela nasce em primeiro lugar no coração de cada cristão, no silêncio e no amor. Começa, desde logo, no interior de cada pessoa.
Há cristãos que, sem esperar mais, vivem já reconciliados nos lugares onde se encontram, de forma muito humilde e simples.
Através das suas próprias vidas, gostariam de tornar Cristo presente para muitas outras pessoas. Sabem que a Igreja não existe para si mesma, mas para o mundo, para nele depositar um fermento de paz.
«Comunhão» é um dos mais belos nomes da Igreja: nela não há lugar para a brusquidão recíproca, mas apenas para a clareza, a bondade do coração, a compaixão...
Nesta comunhão única que é a Igreja, Deus dá-nos tudo para irmos às fontes: o Evangelho, a Eucaristia, a paz do perdão... E a santidade de Cristo deixa de ser inalcançável; está presente, muito próxima.
Permitam-me que volte a dizer que a minha avó materna descobriu, intuitivamente, uma espécie de chave da vocação ecuménica e que ela me abriu um caminho para a concretizar.
Depois da Primeira Guerra Mundial, habitava nela o desejo de que ninguém tivesse de viver aquilo que ela tinha vivido: na Europa, os cristãos tinham pegado em armas para combater uns contra os outros. Que ao menos eles se reconciliem para tentar impedir uma nova guerra, pensava ela. A minha avó era de origem evangélica mas, começando a reconciliação por si própria, começou a ir à igreja católica, sem, no entanto, romper com as pessoas da sua tradição.
Marcado pelo testemunho da sua vida, e ainda muito novo, encontrei a minha identidade de cristão seguindo as suas pisadas, reconciliando em mim mesmo a fé das minhas origens com o mistério da fé católica, sem quebrar a comunhão com ninguém.
Ir. Roger de Taizé
In "Não pressentes a felicidade?", ed. Paulinas
Publicado em Janeiro de 2015 in SNPC
Sem comentários:
Enviar um comentário