John Collier |
Como falar de Deus ao nosso tempo?
A questão central que hoje nos colocamos é a seguinte: como falar de Deus no nosso tempo? Como comunicar o Evangelho, para abrir caminhos à sua verdade salvífica no coração frequentemente fechado dos nossos contemporâneos e nos seus espíritos às vezes atordoados pelos numerosos clarões ofuscantes da sociedade?
O próprio Jesus, dizem-nos os evangelistas, ao anunciar o Reino de Deus interrogou-se sobre esta questão: «A que coisa podemos comparar o reino de Deus ou com que parábola poderemos descrevê-lo?» (Marcos 4, 30). Como falar de Deus hoje?
A primeira resposta é que podemos falar de Deus porque Ele falou connosco. A primeira condição do falar de Deus é por isso a escuta que quando o próprio Deus disse. Deus falou connosco! Deus não é portanto uma hipótese longínqua sobre a origem do mundo; não é uma inteligência matemática muito afastada de nós. Deus interessa-se por nós, ama-nos, entrou pessoalmente na realidade da nossa história, autocomunicou-se até se incarnar. Assim Deus é uma realidade da nossa vida, é de tal forma grande que também tem tempo para nós, ocupa-se de nós.
Em Jesus de Nazaré encontramos o rosto de Deus, que desceu do seu céu para penetrar no mundo dos homens, no nosso mundo, e ensinar a «arte de viver», a estrada da felicidade; para nos libertar do pecado e tornar-nos filhos de Deus (cf. Efésios 1, 5; Romanos 8, 14). Jesus veio para salvar-nos e mostrar-nos a vida boa do Evangelho.
Falar de Deus quer dizer antes de tudo ter bem claro o que devemos levar aos homens e às mulheres do nosso tempo: não um Deus abstrato, uma hipótese, mas um Deus concreto, um Deus que existe, que entrou na história e está presente na história; o Deus de Jesus Cristo como resposta à pergunta fundamental do porquê e do como viver.
Por isso, falar de Deus requer uma familiaridade com Jesus e o seu Evangelho, supõe um nosso pessoal e real conhecimento de Deus e uma forte paixão pelo seu projeto de salvação, sem ceder à tentação do sucesso, mas seguindo o método do próprio Deus.
O método de Deus é o da humildade - Deus faz-se um de nós - é o método realizado na Incarnação na casa simples de Nazaré e na gruta de Belém, o da parábola do grão de mostarda. É preciso não temer a humildade dos pequenos passos e confiar no fermento que penetra na massa e lentamente a faz crescer (cf. Mateus 13, 33).
No falar de Deus, na obra de evangelização, sob a orientação do Espírito Santo, é necessário reencontrar a simplicidade, regressar ao essencial do anúncio: a boa notícia de um Deus que é real e concreto, um Deus que se interessa por nós, um Deus-amor que se faz próximo de nós em Jesus Cristo até à cruz e que na ressurreição nos dá a esperança e nos abre para uma vida que não tem fim, a vida eterna, a vida verdadeira.
(...) falar de Deus quer dizer dar espaço Àquele que o dá a conhecer, que nos revela o seu rosto de amor; quer dizer afastar o próprio eu oferecendo-o a Cristo, na consciência de que não somos nós a poder ganhar os outros para Deus, mas devemos esperá-lo do próprio Deus, pedir-Lho. O falar de Deus nasce, assim, de uma escuta, da nossa consciência de Deus que se realiza na familiaridade com Ele, na vida de oração e segundo os Mandamentos.
Comunicar a fé, para São Paulo, não significa levar-se a si mesmo, mas dizer aberta e publicamente o que se viu e sentiu no encontro com Cristo, o quanto se experimentou na existência desde então transformada por esse encontro: é levar aquele Jesus que sente presente em si e que se tornou a verdadeira orientação da sua vida, para fazer compreender a todos que Ele é necessário para o mundo e é decisivo para a liberdade de cada pessoa.
O apóstolo não se contenta em proclamar palavras mas convoca toda a sua própria existência na grande obra da fé. Para falar de Deus é preciso dar-lhe espaço, na confiança de que é Ele que age na nossa fraqueza; dar-lhe espaço sem medo, com simplicidade e alegria, na convicção profunda que quanto mais colocarmos Deus ao centro, e não nós, mais a nossa comunicação será frutuosa.
E isto vale também para as comunidades cristãs: são chamadas a mostrar a ação transformadora da graça de Deus, superando individualismos, fechamentos, egoísmos, indiferenças, e vivendo o amor de Deus nas relações do dia a dia. Perguntemo-nos se são verdadeiramente assim as nossas comunidades. Devemos pôr-nos a caminho para nos tornarmos sempre e realmente assim, anunciadores de Cristo e não de nós próprios.
Aqui chegados devemos perguntar-nos como é que o próprio Jesus comunicava. Jesus na sua unicidade fala do seu Pai - Abbà - e do Reino de Deus com o olhar pleno de compaixão pelos problemas e dificuldades da existência humana. Fala com grande realismo e, diria, o essencial do anúncio de Jesus é que Ele torna o mundo transparente o mundo e a nossa vida tem valor para Deus.
Jesus mostra que no mundo e na criação transparece o rosto de Deus e mostra-nos como na história quotidiana da nossa vida Deus é presente. Seja na parábolas da natureza, o grão de mostarda, o campo com várias sementes, ou na nossa vida - pensemos na parábola do filho pródigo, em Lázaro e outras parábolas de Jesus.
No Evangelho vemos como Jesus se interessa por todas as situações humanas que encontra, mergulha na realidade dos homens e das mulheres do seu tempo, com confiança plena no auxílio do Pai. E vemos que realmente nesta história, de maneira oculta, Deus está presente, e se estivermos atentos podemos encontrá-lo. E os discípulos, que vivem com Jesus, as multidões que o encontram, veem as suas reações aos problemas mais diversos, veem como fala, como se comporta; veem nEle a ação do Espírito Santo, a ação de Deus. Nele anúncio e vida entrelaçam-se: Jesus age e ensina, partindo sempre de uma relação íntima com Deus Pai.
Este estilo torna-se um indicador essencial para nós, cristãos: o nosso modo de viver na fé e na caridade torna-se um falar de Deus no hoje, porque mostra com uma existência vivida em Cristo a credibilidade, o realismo do que dizemos com as palavras, que não são só palavras, mas mostram a realidade, a verdadeira realidade.
E nesta atitude devemos estar atentos a colher os sinais dos tempos na nossa época, discernindo as potencialidades, os desejos, os obstáculos que se encontram na cultura atual, em particular o desejo de autenticidade, o anseio à transcendência, a sensibilidade pela salvaguarda da criação, e comunicar sem temor a resposta que oferece a fé em Deus.
O Ano da Fé é ocasião para descobrir, com a fantasia animada pelo Espírito Santo, novos percursos a nível pessoal e comunitário, para que em todos os lugares a força do Evangelho seja sabedoria de vida e orientação da existência.
Também no nosso tempo um espaço privilegiado para falar de Deus é a família, a primeira escola para comunicar a fé às novas gerações. O Concílio Vaticano II fala dos pais como os primeiros mensageiros de Deus (cf. Lumen gentium, 11; Apostolicam actuositatem, 11), chamados a redescobrir esta sua missão, assumindo a responsabilidade no educar, no abrir a consciência dos mais pequenos ao amor de Deus como um serviço fundamental à sua vida, no ser os primeiros catequistas e mestres da fé para os seus filhos.
E neste sentido é importante antes de mais a vigilância, que significa saber discernir as ocasiões favoráveis para introduzir na família o discurso da fé e para fazer amadurecer uma reflexão crítica no que respeita aos numerosos condicionamentos a que são submetidos os filhos. Esta atenção dos pais é igualmente uma sensibilidade para acolher as possíveis questões religiosas presentes na interioridade dos filhos, às vezes evidentes, às vezes escondidas.
Depois, a alegria: a comunicação da fé deve ter sempre uma tonalidade de alegria. É a alegria pascal, que não cala ou esconde a realidade da dor, do sofrimento, do cansaço, da dificuldade, da incompreensão e da própria morte, mas sabe oferecer os critérios para interpretar tudo na perspetiva da fé cristã.
A vida boa do Evangelho é precisamente este olhar novo, esta capacidade de ver com os próprios olhos de Deus cada situação. É importante ajudar todos os membros da família a compreender que a fé não é um peso mas uma fonte de alegria profunda, é perceber a ação de Deus, reconhecer a presença do bem que não faz rumor; e oferece orientações preciosas para viver bem a própria existência.
Por fim, a capacidade de escuta e de diálogo: a família deve ser um meio onde se aprende a estar junto, a reconciliar as oposições no diálogo recíproco, que é feito de escuta e de palavra, a compreender-se e a amar-se, para ser um sinal, um para o outro, do amor misericordioso de Deus.
Falar de Deus, portanto, que dizer fazer compreender com a palavra e com a vida que Deus não o concorrente da nossa existência, mas é o seu verdadeiro garante, o garante da grandeza da pessoa humana.
Assim regressamos ao início: falar de Deus é comunicar, com força e simplicidade, com a palavra e com a vida, o que é essencial: o Deus de Jesus Cristo, aquele Deus que nos mostrou um amor de tal forma grande ao ponto de incarnar, morrer e ressuscitar por nós; esse Deus que pede que o sigamos e nos deixemos transformar pelo seu imenso amor para renovar a nossa vida e as nossas relações; esse Deus que nos deu a Igreja, para caminharmos juntos e, através da Palavra e dos Sacramentos, renovar toda a Cidade dos homens, para que se possa tornar Cidade de Deus.
Bento XVI
Audiência geral no Vaticano, 28.11.2012
Trad.: SNPC/rjm
in SNPC
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