Precisamos construir uma ponte entre a comunidade LGBT e a Igreja Católica.
(Parte I)
por James Martin, S.J
tradução de José Leote (Rumos Novos)
Convido-vos a caminharem comigo ao longo dessa importante ponte. Com essa finalidade, gostaria de refletir sobre o modo como a igreja tenta alcançar a comunidade LGBT e o modo como esta tenta alcançar a igreja. Isto porque boas pontes levam as pessoas em ambos os sentidos.
Como sabem, o Catecismo da Igreja Católica afirma que os católicos são chamados a tratar a pessoa homossexual com «respeito, compaixão e delicadeza» (2358).
O que é que isto pode significar? Vamos meditar nisso e também numa segunda pergunta: O que é que pode significar para a comunidade LGBT tratar a igreja com «respeito, compaixão e delicadeza»? Claro está que os católicos LGBT fazem parte da igreja, pelo que, num determinado sentido, estas perguntas implicam uma falsa dicotomia. A igreja é todo o povo de Deus e é estranho discutir a forma como o povo de Deus se pode relacionar com uma parte do povo de Deus. Portanto, é boa moda jesuíta, deixem-me refinar os nossos termos. Quando, nesta discussão, me refiro à igreja, quero significar a igreja institucional, ou seja, o Vaticano, a hierarquia, os funcionários de igreja e o clero.
A PRIMEIRA FAIXA
Vamos dar uma volta na primeira faixa da ponte, aquela que conduz da igreja institucional à comunidade LGBT e que reflete sobre o «respeito, compaixão e delicadeza».
1) Respeito. O que é que pode significar para a igreja ter «respeito» pela comunidade LGBT?
Primeiro, respeito significa, no mínimo, reconhecer que a comunidade LGBT existe e que, como qualquer outra comunidade, deseja ver a sua existência reconhecida. Significa igualmente reconhecer que a comunidade LGBT traz dons únicos à igreja, tal como acontece com qualquer outra comunidade.
Reconhecer que os católicos LGBT existem tem implicações pastorais importantes. Significa pôr em prática ministérios que algumas dioceses e paróquias já fazem e muito bem. Exemplos incluem celebrar Missas com grupos LGBT, patrocinar programas diocesanos e paroquiais de acolhimento e, em geral, fazer com que os católicos LGBT se sintam parte da igreja e se sintam amados.
Alguns católicos levantam objeções a esta abordagem, dizendo que tal acolhimento pode ser um sinal de acordo tácito com tudo o que cada um na comunidade LGBT diz ou faz. Esta parece ser uma objeção injusta, porque não é colocada em relação a nenhum outro grupo. Se uma diocese patrocina, por exemplo, um grupo de acolhimento para homens de negócios católicos, isso não significa que a diocese esteja de acordo com todos os valores personificados pela América corporativa. Nem tão pouco significa que a igreja santificou tudo aquilo que cada homem ou mulher de negócios faz. Ninguém está a sugerir isso. Por que não? Porque as pessoas compreendem que a diocese está a tentar ajudar uma comunidade particular a se sentir mais ligada à sua igreja, a igreja à qual pertencem em virtude do seu batismo.
Em segundo lugar, o respeito significa chamar a um grupo aquilo que ele pede que lhe chamem. Num nível pessoal, se uma pessoa diz: «Prefiro ser chamado Jim em vez de James», costumamos ter isso em consideração. É cortesia comum. O mesmo se passa ao nível grupal. Já não dizemos «Pretos». Porquê? Porque esse grupo se sente mais confortável com outros nomes: «Afroamericanos» ou «negros». Recentemente, foi-me referido que «pessoas deficientes» não é tão aceitável como «pessoas portadoras de deficiência». Portanto, a última expressão é aquela que passarei a utilizar. Porquê? Porque é respeitoso chamar as pessoas pelo nome que elas escolhem. Toda a gente tem o direito de nos dizer o seu nome.
Esta não é uma preocupação menor. Nas tradições judaica e cristã os nomes são importantes. No Antigo Testamento, Deus dá a Adão e a Eva a autoridade para darem nome às criaturas (Gn 2, 18-23). Deus também renomeia Abrão como Abraão (Gn 17, 4-6). Os nomes no Antigo Testamento representam a identidade de uma pessoa. Saber o nome de uma pessoa significa que a conhecemos. Essa é uma razão pela qual, quando Moisés pergunta o nome de Deus, Deus diz-lhe: «Eu sou aquele que sou.» Por outras palavras, não tens nada com isso (Ex 3, 14). Mais tarde, no Novo Testamento, Jesus renomeia Simão como Pedro (Mt 16, 18; Jo 1, 42). O perseguidor Saul renimeia-se como Paulo. Os nomes são também importantes atualmente na nossa igreja. A primeira pergunta que um padre ou diácono faz aos pais no batismo de uma criança é: «Que nome dais a esta criança?»
Os nomes são importantes. Deste modo, os líderes da igreja são convidados a estarem atentos à forma como chamam a comunidade LGBT e deixar descansar frases do tipo «afligidos por atrações do mesmo sexo» que nenhuma pessoa LGBT que conheço utiliza e, eventualmente, «pessoa homossexual», que parece excessivamente clínica para muitas pessoas. Não estou a prescrever que nomes utilizar, embora «gay e lésbica», «LGBT» e «LGBTQ» sejam as mais comuns. Estou a afirmar que as pessoas têm o direito de se atribuírem os nomes que entenderem. Utilizar esses nomes é parte do respeito. E se o Papa Francisco pode utilizar a palavra gay, também o resto da igreja o pode fazer.
Finalmente, respeitar as pessoas LGBT significa aceitá-las enquanto filhos amados e filhas amadas de Deus. A igreja tem uma responsabilidade especial na proclamação do amor de Deus por pessoas que são frequentemente feitas sentir como mercadoria estragada, não merecedores do ministério e mesmo sub-humanos, seja por parte das suas famílias, vizinhos ou líderes religiosos. A igreja é convidada a simultaneamente proclamar e demonstrar que as pessoas LGBT são filhos amados e filhas amadas de Deus.
Respeitar as pessoas L.G.B.T. significa aceitá-las como filhos amados e filhas amadas de Deus e deixá-los aperceber-se de que são filhos amados e filhas amadas de Deus
Ainda mais, as pessoas LGBT são filhos amados e filhas amadas de Deus com dons – quer individuais quer como comunidade. Estes dons constroem a igreja em formas únicas conforme S. Paulo nos disse quando comparou as pessoas de Deus a um corpo humano (1 Cor 12, 14-27). Cada parte desse corpo é importante: a mão, o olho, o pé. Consideremos somente os dons trazidos por católicos LGBT que trabalham em paróquias, escolas, chancelarias, centros de retiros, hospitais e agências de serviço social. Aqui está um exemplo pessoal: alguns dos mais dotados ministros de música que conheci ao longo dos meus quase 30 anos como jesuíta eram homens gay, que trouxeram uma tremenda alegria às suas paróquias. Pois também eles se encontram entre as pessoas mais alegres que conheço ao nível da igreja.
A igreja no seu todo é convidada a meditar sobre a forma como os católicos LGBT constroem a igreja através da sua presença, do mesmo modo que os idosos, adolescentes, mulheres, possoas portadoras de deficiência, grupos étnicos variados ou qualquer outro grupo constrói uma paróquia ou diocese. Embora seja errado generalizar, podemos ainda colocar a questão: Quais podem ser esses dons?
Muitas, se não a maioria, pessoas LGBT sofreram, desde muito cedo, incompreensões, preconceito, ódio, perseguição e mesmo violência e, com frequência, sentem compaixão pelos marginalizados. A compaixão é um dom. Muitas vezes as fizeram sentir não bem-vindas nas suas paróquias e na sua igreja, mas elas perseveraram devido à sua fé vigorosa. A perseverança é um dom. As pessoas LGBT frequentemente perdoam ao clero e outros colaboradores da igreja que as trataram como mercadoria danificada. O perdão é um dom. Compaixão, perseverança, perdão são todos dons.
Deixem-me acrescentar outro dom: aquele dos padres celibatários e irmãos que são homossexuais e dos membros castos das ordens religiosas masculinas e femininas e que são gays ou lésbicas. Há várias razões que explicam porque praticamente nenhum clérigo e religioso/a gay ou lésbica saem do armário em relação à sua sexualidade. Entre eles encontram-se os seguintes: são meramente pessoas reservadas; os seus bispos ou superiores religiosos pediram-lhes para não falar nisso; eles próprios sentem-se desconfortáveis em relação à sua sexualidade; ou temem represálias dos paroquianos. Porém, existem muitos clérigos santos e trabalhadores e membros das orden religiosas que são gays ou lésbicas e que vivem as suas promessas de celibato e votos de castidade e que ajudam a igreja. Eles e elas dão-se livre e integralmente à igreja. Eles e elas próprios são o dom.
Ver e nomear todos estes dons é parte do respeitar os nossos irmãos e irmãs LGBT.
Ver e nomear todos estes dons é parte do respeitar os nossos irmãos e irmãs LGBT.
Publicado em português In Rumos Novos
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