Bispos e padres acusam núncio em Lisboa de ser pouco humano e nada “franciscano”
Por António Marujo a 14 de Outubro de 2017
Outro bispo, que tal como o anterior, prefere não ser identificado – como quase todos os vinte membros do clero com quem o Expresso falou – recorda que são conhecidos “os problemas que ele criara” na Bolívia e no Peru, onde esteve antes de vir para Portugal, no final de 2008. “Os bispos que ele nomeava eram de uma linha tradicionalista” ou apenas interessados na carreira e no poder, acrescenta. Em Portugal, diz ainda, também o tem tentado fazer, apesar de, em alguns casos, ter tido a oposição de bispos ou padres.
Um terceiro bispo acrescenta, sem rodeios, que o núncio “só faz disparates” e ouve poucas pessoas. E lembra que eram conhecidas as relações difíceis entre ele e o anterior patriarca de Lisboa, D. José Policarpo.
O desagrado começou cedo: pouco depois de chegar a Portugal, o conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) perguntou a Passigato que critérios tinha para a nomeação de bispos, pois o núncio deixara de pedir sugestões de nomes. Os responsáveis da CEP queriam saber como passara a ser.
Também no Vaticano a imagem do núncio em Lisboa “é muito fraca”, diz outro prelado. E pelo menos dois cardeais com funções muito importantes junto do Papa falam de um comportamento e uma forma de decidir “deplorável” e “incompetente”.
Todo este mal-estar se reavivou com a morte inesperada do bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, que criou mais uma vaga no episcopado português, a acrescentar a uma lista de substituições nada fácil: Évora (desde Abril do ano passado), Funchal (Abril deste ano) e Viseu, cujo bispo pediu também no mês passado – e viu ser aceite – a sua renúncia ao cargo, por razões de saúde.
Vila Real entra no rol já no próximo mês de Abril, quando Amândio Tomás completar 75 anos – por essa razão, terá de apresentar o pedido de renúncia. Santarém esteve sem bispo durante um ano, tendo o sucessor de Manuel Pelino sido nomeado sábado passado. Esta conjugação de vagas significa que o actual núncio moldará de forma decisiva o episcopado português dos próximos anos.
Receios e más memórias
Na altura, o bispo que agora morreu também resistiu à nomeação – e sofreu com ela: Aveiro era um barco à medida dos seus remos, costumava ele dizer, acabando nomeado contra a sua vontade e sem ter em conta a boa relação da diocese com o bispo. Os católicos de cada diocese também deveriam ser chamados a dar a sua opinião, dizia, em 2015, em entrevista à revista espanhola “Vida Nueva”, o próprio D. António Francisco.
No último momento antes da nomeação para o Porto, um grupo de padres aveirenses tentou demover o núncio. Passigato foi alertado para os problemas cardíacos do bispo – pouco tempo antes, tinha mesmo feito um cateterismo e os pais morreram ambos com um AVC.
O núncio “não esteve bem”, diz ao EXPRESSO o padre João Alves, ex-reitor do Seminário de Aveiro e, desde Setembro, pároco numa das paróquias da cidade. “A nomeação para o Porto não teve em conta os problemas de saúde”, sublinha. E diz: “Quando ele saiu de Aveiro, muitos previmos um futuro não muito longo, porque conhecíamos bem o seu jeito próximo de ser bispo.” Desde o início, vários perceberam que uma morte assim “era previsível.”
Por tudo isso, o padre aveirense – que, em 2014, esteve com o núncio – escreveu, logo depois da morte de D. António, ao diplomata, lamentando a “frieza” com que foram acolhidos há três anos e o desfecho do processo, mesmo se “não se deve falar em culpados”. Até ao fecho desta edição, não recebera qualquer resposta.
Outros padres recordam ainda o caso do actual bispo de Angra, João Lavrador. Conta-se que ele pediu ao núncio para não ir para os Açores, por ter ambos os pais acamados e a precisar de apoio. Acabou mesmo nomeado, em Setembro de 2015. O pai morreu em Abril de 2016 e a mãe em Janeiro deste ano. “Fala-se muito sobre a família, mas depois tomam-se decisões destas”, lamenta um padre. O próprio bispo não comentou.
Há uma outra voz que recorda: no livro “Cartas ao Papa”, o antigo bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, obrigado ao exílio por Salazar na década de 1960, dizia que seria “bem mais competente e eficaz” que o papel dos núncios fosse desempenhado pelos bispos locais e pelas conferências episcopais.
Dia 27 de Setembro, o Expresso dirigiu várias perguntas ao núncio apostólico. Apesar da insistência, não foram recebidas quaisquer respostas."
In Expresso
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