O êxtase das Vossas vontades
Senhor, se quisésseis pedir-nos uma única coisa em toda a nossa vida, ficaríamos maravilhados, e ter feito a Vossa vontade essa única vez seria o acontecimento da nossa existência.
Mas, como em cada dia, cada hora, cada minuto, Vós colocais nas nossas mãos uma tal honra, nós achamos isso tão natural que lhe somos indiferentes, que estamos cansados disso.
E contudo, se compreendêssemos até que ponto o Vosso mistério é impensável, ficaríamos estupefactos por poder conhecer essas centelhas do Vosso querer que são os nossos minúsculos deveres. Ficaríamos deslumbrados por conhecer, nessa imensa treva que nos cobre, as inumeráveis, as precisas, as pessoais luzes das Vossas vontades.
No dia em que compreendêssemos isto, caminharíamos na vida como espécies de profetas, como videntes das Vossas pequenas providências, como agentes das Vossas intervenções. Nada seria medíocre, porque tudo seria querido por Vós.
Nada seria demasiado pesado, porque tudo teria origem em Vós.
Nada seria triste, porque tudo de Vós seria querido.
Nada seria enfadonho, porque tudo seria amor de Vós.
Nós todos estamos predestinados para o êxtase, todos chamados a sair das nossas pobres combinações, para surgir, hora após hora, no Vosso plano.
Nós nunca somos lamentáveis rejeitados, mas ditosos convocados, chamados a saber aquilo que Vos agrada fazer, chamados a saber o que esperais de nós em cada instante: pessoas que Vos são um pouco necessárias, pessoas cujos gestos faltariam se nos recusássemos a fazê-los. O novelo de algodão a cerzir, a carta a escrever, a criança a levantar, o marido a desanuviar, a porta a abrir, o telefone a atender, a enxaqueca a suportar: tantos trampolins para o êxtase, tantas pontes para passar da nossa pobre, da nossa má vontade, à margem serena do Vosso bom prazer.
[Madeleine DELBREL (1904-1964) extraído de Alcide, colecção Livre de vie, Seuil, pg. 89-91.]
Tradução de José Mendonça
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