«São Francisco de Assis: uma teologia da pobreza e do dom
O novo Papa escolheu o nome de Francisco com evidente referência a São Francisco de Assis. Um sinal de regresso ao essencial que nos oferece a ocasião para revisitarmos a teologia da pobreza e do dom desenvolvida pelo franciscano São Boaventura interpretando a vida de São Francisco de Assis.
São Francisco tornou-se pobre entre os pobres: ele viveu a experiência do dom de si e da pobreza; a partir desta experiência São Boaventura criará uma conceptualização do dom segundo quatro formas do dom:
1)Dom do ter: dar aquilo que se tem
São Francisco assumiu para si o versículo do Evangelho de São Mateus: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e segue-me.» Assim, Francisco despoja-se e dá o seu dinheiro e os seus bens aos pobres. É o dom do ter.
2)Dom do ser: dar-se a si-mesmo
Mas não basta ajudar os pobres, é preciso tornar-se a si-mesmo pobre, tal como Deus se tornou homem despojando-se da sua condição divina. Deste modo, tal como Deus se deu a Si-mesmo, é preciso dar-se a si-mesmo. É o dom do ser.
3)Dom do dom: liberalidade, aban-dono [em francês: aban-don]
A pobreza perfeita não retém [não reserva] nada para si-mesma, nem mesmo a própria pobreza: «o saber do dom mata o dom» dizia Derrida, ou ainda: «toda a reciprocidade do dom mata o dom» segundo Jean-Luc Marion. Assim, realizar verdadeiramente o dom é dar o dom, isto é, nada esperar dele em troca e não orgulhar-se dele. É o dom do dom, o aban-dono [aban-don]. Reconhecemos aqui o debate contemporâneo sobre a doação em que Jean-Luc Marion elabora a posição seguinte: colocar entre parênteses o doador (visto que não é preciso esperar nada do dom), colocar entre parênteses o recebedor (visto que é preciso libertar-se das suas dívidas) e colocar entre parênteses o próprio dom (uma vez que não é preciso registá-lo). Assim desaparecidos doador e doado, apenas permanece o acto de doação.
4) A humildade, a dependência: reconhecimento da sua condição de criatura
Mais perfeita ainda do que o dom do dom, é a humildade, isto é, o reconhecimento por parte da criatura de que nada é e de que só de Deus depende [humildade: humus: terra (cf. Génesis 1)]. Aqui não se trata da humildade de servidão tal como a encontramos em S. Paulo ou em S. Bernardo. A humildade é a etapa suprema do dom: o franciscano dá-se de tal maneira que já não tem nada, nem mesmo a si-próprio, e já não depende senão de Deus. É a forma mais conseguida do dom.
A partir da obra de Emmanuel Falque, Saint Bonaventure et l’entrée de Dieu en théologie, 2001»
Nota do tradutor: Esta quarta forma do dom tem o seu equivalente no conceito de desprendimento (abegesheidenheit, détachement) de Mestre Eckhart.
Tradução de José Mendonça
Sem comentários:
Enviar um comentário