"A nossa sociedade, desde sempre, encarou o sexo, ou o género, de uma forma fortemente bipolarizada e esteriotipada: masculino e feminino.
Na sua forma típica – palavra que me parece menos má do que normal – cada sexo sentia-se identificado com o seu corpo (identidade de género), exibia um comportamento social de acordo como o que cada sociedade, em cada momento, prescreve para cada sexo (papel de género) e orientava-se – em termos de atracção erótica – para o outro sexo (orientação sexual). Em termos simples: homem heterossexual com uma identidade e papel de género masculino e mulher heterossexual com uma identidade e papel de género feminino. Este seria o melhor dos mundos- o admirável mundo velho!
Só que, um número significativo de pessoas, não se consegue encaixar nesta polaridade tão redutora e apresenta vivências ou comportamentos típicos do outro sexo, numa ou mais das suas características. Na terminologia médico-psicológica estas pessoas apresentam transposições de género, situações consideradas de carácter patológico e, portanto, enquadradas nas respectivas classificações clínicas, enquanto no léxico delas próprias se designam por transgender, não se consideram como doentes, mas como tendo um estilo de vida alternativo (...). De acordo com a tipicidade dos elementos definidores do sexo, descreveram-se à partida três grandes transposições do género: a homossexualidade – identidade e papel de género típicos, com orientação sexual atípica; travestismo – identidade de género e orientação sexual típicas e papel de género atípico; transexualismo – identidade, papel e orientação sexual atípicos.
Temos assim, três grandes categorias, aparentemente bem definidas... contudo, a diversidade do comportamento sexual não se esgota em categorias tão rígidas. A orientação sexual é muito mais complexa que a simples polarização heterossexual/homossexual. Ela é um contínuo entre dois extremos – o heterossexual e o homossexual exclusivos. Entre estes pólos, encontra-se uma imensa variedade de comportamentos em que, em maior ou menor grau, se encontram pessoas com vivencias de dupla atracção, cuja frequência e predominância apresenta importantes nuances ao longo da vida. Assim, ao nível da orientação sexual, construiu-se uma nova categoria – bissexualidade –que em si só também não dá para compreender a pessoa, que de facto é susceptível a fenómenos de dupla atracção. Por outro lado, com o passar do tempo, foi-se constatando que não havia critérios científicos para considerar o comportamento homossexual como patológico, pelo que, desde há mais de trinta anos, a homossexualidade foi retirada das grandes classificações internacionais de doença (...). O transexualismo mantém-se como a categoria mais estável. Cientificamente, define-se como todo o indivíduo que deseja viver e ser aceite como membro do outro sexo, sentindo-se altamente desconfortável com o seu sexo anatómico e procurando, afincadamente, tratamentos hormonais, cosméticos e cirurgicos que tornem o seu corpo o mais congruente possível com a sua vivência psicológica. Uma alma de mulher aprisionada num corpo de homem – transexual masculino, ou uma alma de homem aprisionada num corpo de mulher – transexual feminino, constitui ainda a definição mais compreensiva destas pessoas.
Neste contexto classificativo, onde se enquadram os indivíduos do sexo masculino que se vestem de mulheres e se comportam como tal de uma forma permanente, que tomam hormonas femininas, que utilizam silicone para tornar as suas formas mais femininas mas que não se submetem a cirurgias que modifiquem os seus orgãos genitais? A resposta, é que pura e simplesmente, não se enquadram nas classificações existentes! Daí que, o nome mais adequado para eles, seja o que as comunidades gay e transgender utilizam – as drag queens. Como se vê, não são nem travestis, nem transsexuais. A imagem que melhor os caracteriza será o de uma “mulher com pénis” (...).
Como se vê, a diversidade humana a nível de género é tão vasta como a qualquer outro nível. No aspecto científico, classificar as variações de género em categorias rígidas, não só não resolve o problema da compreensão do fenómeno transgender – que abrange todas as identidades sexuais que culturalmente transgridem os chamados papéis masculinos e femininos – como se pode revestir de alguns perigos. A construção, nestas situações, de categorias clínicas bem delimitadas, pode obrigar técnicos de saúde e leigos a fazer com que as pessoas se encaixem, forçadamente, nelas, correndo o risco de se adoptarem procedimentos radicais – nomeadamente cirurgicos – que, no futuro, se revelem insatisfatórios para as pessoas a que foram aplicados.
A título de ilustração, gostaria de terminar este artigo, com uma citação de um site da internet – FTM (female-to-male)International: 'nós situamo-nos em vários pontos do continuum transgender-transexualism. Muitos de nós, fizemos a transição através de auto-exploração com colegas ou conselheiros. Muitos tentaram a transição física tomando hormonas para produzir caracteres sexuais secundários, como voz grave e barba, ou submeteram-se a cirurgias – tais como mastectomia bilateral, para criar um torso masculino e faloplastia, para construir genitais masculinos. Outros, embora partilhando uma identidade de género masculino, decidiram que as hormonas/cirurgias não seriam necessárias para demonstrarem a sua masculinidade. Outros, ainda, expressam a sua identidade masculina, exclusivamente, através da forma como se vestem e se comportam socialmente...'"
In Paixão, amor e sexo de Francisco Allen Gomes (páginas 127-132), Publicações Dom Quixote
Na sua forma típica – palavra que me parece menos má do que normal – cada sexo sentia-se identificado com o seu corpo (identidade de género), exibia um comportamento social de acordo como o que cada sociedade, em cada momento, prescreve para cada sexo (papel de género) e orientava-se – em termos de atracção erótica – para o outro sexo (orientação sexual). Em termos simples: homem heterossexual com uma identidade e papel de género masculino e mulher heterossexual com uma identidade e papel de género feminino. Este seria o melhor dos mundos- o admirável mundo velho!
Só que, um número significativo de pessoas, não se consegue encaixar nesta polaridade tão redutora e apresenta vivências ou comportamentos típicos do outro sexo, numa ou mais das suas características. Na terminologia médico-psicológica estas pessoas apresentam transposições de género, situações consideradas de carácter patológico e, portanto, enquadradas nas respectivas classificações clínicas, enquanto no léxico delas próprias se designam por transgender, não se consideram como doentes, mas como tendo um estilo de vida alternativo (...). De acordo com a tipicidade dos elementos definidores do sexo, descreveram-se à partida três grandes transposições do género: a homossexualidade – identidade e papel de género típicos, com orientação sexual atípica; travestismo – identidade de género e orientação sexual típicas e papel de género atípico; transexualismo – identidade, papel e orientação sexual atípicos.
Temos assim, três grandes categorias, aparentemente bem definidas... contudo, a diversidade do comportamento sexual não se esgota em categorias tão rígidas. A orientação sexual é muito mais complexa que a simples polarização heterossexual/homossexual. Ela é um contínuo entre dois extremos – o heterossexual e o homossexual exclusivos. Entre estes pólos, encontra-se uma imensa variedade de comportamentos em que, em maior ou menor grau, se encontram pessoas com vivencias de dupla atracção, cuja frequência e predominância apresenta importantes nuances ao longo da vida. Assim, ao nível da orientação sexual, construiu-se uma nova categoria – bissexualidade –que em si só também não dá para compreender a pessoa, que de facto é susceptível a fenómenos de dupla atracção. Por outro lado, com o passar do tempo, foi-se constatando que não havia critérios científicos para considerar o comportamento homossexual como patológico, pelo que, desde há mais de trinta anos, a homossexualidade foi retirada das grandes classificações internacionais de doença (...). O transexualismo mantém-se como a categoria mais estável. Cientificamente, define-se como todo o indivíduo que deseja viver e ser aceite como membro do outro sexo, sentindo-se altamente desconfortável com o seu sexo anatómico e procurando, afincadamente, tratamentos hormonais, cosméticos e cirurgicos que tornem o seu corpo o mais congruente possível com a sua vivência psicológica. Uma alma de mulher aprisionada num corpo de homem – transexual masculino, ou uma alma de homem aprisionada num corpo de mulher – transexual feminino, constitui ainda a definição mais compreensiva destas pessoas.
Neste contexto classificativo, onde se enquadram os indivíduos do sexo masculino que se vestem de mulheres e se comportam como tal de uma forma permanente, que tomam hormonas femininas, que utilizam silicone para tornar as suas formas mais femininas mas que não se submetem a cirurgias que modifiquem os seus orgãos genitais? A resposta, é que pura e simplesmente, não se enquadram nas classificações existentes! Daí que, o nome mais adequado para eles, seja o que as comunidades gay e transgender utilizam – as drag queens. Como se vê, não são nem travestis, nem transsexuais. A imagem que melhor os caracteriza será o de uma “mulher com pénis” (...).
Como se vê, a diversidade humana a nível de género é tão vasta como a qualquer outro nível. No aspecto científico, classificar as variações de género em categorias rígidas, não só não resolve o problema da compreensão do fenómeno transgender – que abrange todas as identidades sexuais que culturalmente transgridem os chamados papéis masculinos e femininos – como se pode revestir de alguns perigos. A construção, nestas situações, de categorias clínicas bem delimitadas, pode obrigar técnicos de saúde e leigos a fazer com que as pessoas se encaixem, forçadamente, nelas, correndo o risco de se adoptarem procedimentos radicais – nomeadamente cirurgicos – que, no futuro, se revelem insatisfatórios para as pessoas a que foram aplicados.
A título de ilustração, gostaria de terminar este artigo, com uma citação de um site da internet – FTM (female-to-male)International: 'nós situamo-nos em vários pontos do continuum transgender-transexualism. Muitos de nós, fizemos a transição através de auto-exploração com colegas ou conselheiros. Muitos tentaram a transição física tomando hormonas para produzir caracteres sexuais secundários, como voz grave e barba, ou submeteram-se a cirurgias – tais como mastectomia bilateral, para criar um torso masculino e faloplastia, para construir genitais masculinos. Outros, embora partilhando uma identidade de género masculino, decidiram que as hormonas/cirurgias não seriam necessárias para demonstrarem a sua masculinidade. Outros, ainda, expressam a sua identidade masculina, exclusivamente, através da forma como se vestem e se comportam socialmente...'"
In Paixão, amor e sexo de Francisco Allen Gomes (páginas 127-132), Publicações Dom Quixote
Sem comentários:
Enviar um comentário