A aprovação do casamento gay na Argentina deixou claro que a influência da Igreja país já não é o que era. Se antes, ela era consultada sobre leis e governantes, hoje precisa entender os novos tempos. A IHU On-Line entrevistou, por telefone, o padre Eduardo de la Serna, que falou sobre a forma como a Igreja lutou contra o casamento gay e sobre as suas relações com o governo Kirchner.
Eduardo de la Serna escreve para o jornal Página 12. Também é professor de Teologia no Instituto Superior de Estudos Teológicos de Buenos Aires e no Instituto de Formação Teológica da Diocese de Quilmes. É coordenador nacional do Grupo de Sacerdotes de Opção pelos Pobres, uma continuação do movimento de Sacerdotes do Terceiro Mundo, dissolvido em 1973 pela repressão militar da Argentina.
Extracto da entrevista:
Em relação à aprovação do casamento gay, como analisa a questão de a Igreja ter ido à praça pública defender sua posição contra esse projecto e, mesmo sabendo que ela teve sempre muita influência no governo, ter perdido a questão?
– A Igreja Argentina sempre se caracterizou por ser tradicionalista e conservadora. E quando o tema do casamento gay foi proposto, ela não soube atender aos desafios dos tempos e apenas respondeu com dogmas e citações bíblicas lidas de modo fundamentalista. No entanto, a repercussão não foi positiva entre a sociedade por que não sentiu que estivessem a falar com ela. Acredito que a Igreja argentina escolheu, desta forma, perder.
Em relação à aprovação do casamento gay, como analisa a questão de a Igreja ter ido à praça pública defender sua posição contra esse projecto e, mesmo sabendo que ela teve sempre muita influência no governo, ter perdido a questão?
– A Igreja Argentina sempre se caracterizou por ser tradicionalista e conservadora. E quando o tema do casamento gay foi proposto, ela não soube atender aos desafios dos tempos e apenas respondeu com dogmas e citações bíblicas lidas de modo fundamentalista. No entanto, a repercussão não foi positiva entre a sociedade por que não sentiu que estivessem a falar com ela. Acredito que a Igreja argentina escolheu, desta forma, perder.
Acredito que o projecto, neste momento, passou porque foi apresentado por um grupo de senadores de centro-esquerda que defendiam o direito dos homossexuais de casar. Houve muitos casos em que estes foram rejeitados pela família e, depois, foram morar com os seus companheiros. E quando um deles morria, o outro não tinha direito à herança, principalmente quando a família exige os seus bens. Essa é uma das questões que a sociedade tem colocado.
Podemos dizer que houve uma luta política entre o cardeal de Buenos Aires e o governo Kirchner?
– Não sei se há uma luta política, mas a sensação que tenho, e pode ser que eu esteja absolutamente enganado, é que o cardeal de Buenos Aires, com toda a sua história, vem, aparentemente, da direita peronista. Já o governo actual está mais próximo da esquerda peronista.
Podemos dizer que houve uma luta política entre o cardeal de Buenos Aires e o governo Kirchner?
– Não sei se há uma luta política, mas a sensação que tenho, e pode ser que eu esteja absolutamente enganado, é que o cardeal de Buenos Aires, com toda a sua história, vem, aparentemente, da direita peronista. Já o governo actual está mais próximo da esquerda peronista.
Como é que o movimento gay se articula na Argentina?
– Eu realmente não conheço o movimento gay em geral, nem conheço gente que conheça profundamente o mundo gay. Mas o que o movimento fez foi sensibilizar a opinião pública no que diz respeito a um direito que consideravam poder conquistar neste momento. Está claro que a pressão que exerce o episcopado sobre a sociedade e o governo é forte. Este governo, estando num espaço diferente do que ocupa a Igreja, era mais permeável às mobilizações do movimento gay. Outros governos procuravam estar bem com a Igreja, mas o actual governo procura estar bem com a sociedade.
O Padre Eduardo e mais um grupo de padres questionaram a Igreja em relação à sua posição intransigente sobre o tema do casamento gay...
– Nós não nos manifestámos a favor, apenas colocámos algumas perguntas porque nos parecia absolutamente pobre e insuficiente a pressão e as premissas que a Igreja fez ao utilizar uma leitura fundamentalista que não respeitava a consciência de deputados e senadores. A posição da igreja foi extremamente fechada e nada aberta ao diálogo. Uma das leituras fundamentalistas era de que Deus nos fez homens e mulheres com a necessidade de identificar o casamento com a procriação da espécie. Nós questionamos os argumentos que foram colocados pela Igreja, porque eles não construíram um debate profundo sobre o tema.
Alguns bispos foram muito críticos em relação às nossas opiniões. Um padre de Córdoba [1] foi mesmo tirado de sua paróquia e iniciou-se um processo canónico. Isso foi algo muito estranho porque há sacerdotes que foram condenados pela justiça civil por pedofilia ou pederastia ou ainda por participação nos crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar e, apesar disso, continuam a celebrar missa.
Como analisa a força política que a Igreja tem hoje na Argentina?
Neste momento, a Igreja não tem uma grande força política. Os bispos têm nostalgia do tempo em que tinham poder em relação ao governo. Os bispos eram consultados antes de se aprovarem leis, antes de indicar um ministro da educação. Parece-me que os bispos sentem falta do tempo em que falavam e a sociedade inteira os escutava.
E, neste momento, que outros temas põem a Igreja em conflito com o governo?
Há alguns temas que estão pendentes, como o caso do bispo castrense. As suas declarações, há algum tempo, fizeram com que o governo, quando o bispo se reformou, não tivesse indicado outro para o seu lugar e, até hoje, o bispado castrense está sem bispo. Este é um tema que também evidencia a distância que há entre o actual governo e a Igreja. Mas há muitas pessoas que estão de acordo com essa distância.
Qual é a posição de outras religiões na Argentina em relação ao casamento gay?
– Quando o casamento gay estava para ser votado, houve muitas manifestações das igrejas pentecostais, que se opunham. Eles organizaram uma marcha juntamente com a Conferência Episcopal Argentina, que foi realizada um dia antes da votação. A intenção da mobilização era pressionar os senadores, obviamente. Cerca de 50 mil pessoas participaram na manifestação o que, pensando na população argentina, não é um grande número.
Houve uma participação, mais minoritária, do seminário islâmico e de muitos rabinos, ainda que alguns rabinos tomassem posição a favor do casamento entre homossexuais. Nesse sentido, houve atitudes que classifico como uma discussão entre o fundamentalismo e o não fundamentalismo.
Estamos a viver um momento no qual a Igreja – e eu sou parte dela – em geral, tem de se acostumar a que as coisas já não são como antes. A Igreja precisa começar a propor ideias que nasçam a partir da credibilidade que tem diante da sociedade e não do poder que exercia sobre ela.
Nota:
[1] José Nicolás Alessio, 52 anos, é pároco de San Cayetano, no bairro Altamira da capital cordobense. Como é favorável ao casamento gay e afirmou abertamente tal posição, o arcebispo de Córdoba (monsenhor Carlos José Ñañez) suspendeu o padre de forma cautelar do exercício público do ministério sacerdotal até à conclusão do processo eclesiástico movido contra José em função de sua defesa. Posteriormente haverá mensagens no blogue que se focarão neste tema.
[1] José Nicolás Alessio, 52 anos, é pároco de San Cayetano, no bairro Altamira da capital cordobense. Como é favorável ao casamento gay e afirmou abertamente tal posição, o arcebispo de Córdoba (monsenhor Carlos José Ñañez) suspendeu o padre de forma cautelar do exercício público do ministério sacerdotal até à conclusão do processo eclesiástico movido contra José em função de sua defesa. Posteriormente haverá mensagens no blogue que se focarão neste tema.
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