Quem já tem todas as respostas raramente merece ser ouvido: sobre o tema da homossexualidade na Igreja e na teologia católica, muitas vezes são justamente aqueles que têm todas as respostas que falam mais e que menos são ouvidos. A prova disso veio na investigação feita pela revista Panorama da semana passada, que trouxe à atenção pública uma questão crucial para o futuro da Igreja e do cristianismo mundial - os tons da investigação e dos comentários a seguir traduziram em farsa aquela que é, pelo contrário, do ponto de vista intelectual e cultural, uma tragédia do silêncio.
No catolicismo europeu, ninguém ousa discutir publicamente os posicionamentos do magistério oficial, nem a dimensão pastoral do problema da homossexualidade na Igreja. No período pós-conciliar, a partir de 1975, os documentos da Congregação para a Doutrina da Fé definem a conduta homossexual como "intrinsecamente desordenada". Daí em diante, o pontificado wojtyliano tinha congelado qualquer discussão sobre a questão. Mas as recentes descobertas dos escândalos sexuais (a pedofilia, a incrível vida dupla do fundador dos Legionários de Cristo, o clero que, em algumas regiões do orbe católico, vive more uxorio [como se fosse casado] com o consenso tácito da comunidade local) reabrem à força o dossiê da atitude e do ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade.
Isto também porque, no último quarto de século, a questão da relação entre sexualidade, homossexualidade, religiões e Igreja se tornou bem mais do que uma questão puramente teológica. Tornou-se uma questão política internacional, porque os direitos dos homossexuais são os primeiros a ser reprimidos nos regimes fundamentalistas e a questão do casamento dos homossexuais expandiu-se dos Estados Unidos para a Europa e para a América Latina.
Tornou-se uma questão de geopolítica das religiões, ficando sempre mais clara uma ruptura entre as Igrejas do Ocidente (em que a questão está na ordem do dia) e as Igrejas da Europa oriental, da Ásia e da África – o Sul, que deveria constituir o reservatório do cristianismo futuro – em que uma visão tradicional de casamento e de família não encontra desafios culturais e sociais comparáveis às do mundo ocidental.
Tornou-se também uma questão decisiva para as organizações internas das Igrejas individuais, dado que todas as Igrejas universais (católica, anglicana, luterana) estão a lidar com essa mesma questão, que coloca em crise a efectiva dimensão "universal" de cada uma dessas Igrejas: a recente ruptura no interior da Comunhão Anglicana ocorreu em torno da decisão das Igrejas norte-americanas em ordenar ministros abertamente gays.
Mas, do ponto de vista cultural, a mais exposta é a Igreja Católica, porque é a que tem diante de si a fácil indulgência em relação a todas as inclinações possíveis, típica da desresponsabilização das relações, que seguiu o caminho mais radical, o do determinismo teológico da inclinação homossexual e da ideologia da família e da fertilidade como âmbitos não só essenciais, mas também decisivos da vida cristã: por isso a ideia (difundida, mas ausente da teologia católica) de que o ser gay é incompatível com o ser cristão, e a ideia (difundida e bem presente no magistério e na socialidade católica) de que o "construir uma família" é a concretização mais visível e socialmente verificável de uma vida sexual sadia e cristã.
Especialmente no século XIX, a teologia pastoral deu aos cristãos do Ocidente uma imagem de Jesus de Nazaré como "family man", graças ao estímulo da cultura consumista/familiar e da ideologia do bem-estar pós-1945 (sobre o qual Pasolini tem páginas memoráveis em Escritos Corsários): em prejuízo não só de uma honesta interpretação histórica da figura de Jesus, mas também de um correcto equilíbrio teológico na Igreja entre vocações à vida familiar e vocações à vida monásticas, sacerdotal, claustral, contemplativa (e, mais em geral, em prejuízo de uma "vocação messiânica" que os cristãos parecem ter perdido, como Giorgio Agamben lembrou recentemente no seu breve e dilacerante livrinho La Chiesa e il Regno [A Igreja e o Reino]).
Um debate intelectual e teológico sério sobre a questão do magistério católico sobre a sexualidade deve colocar sobre a mesa toda a tradição dos últimos 20 séculos: o dado bíblico, os Padres da Igreja, o papel da cultura patriarcal no Mediterrâneo, a história da família e do casamento no Ocidente, o celibato e a monacalização do clero na Europa medieval, a "feminização do catolicismo" na Idade Moderna, a chagada das disciplinas psicológicas.
A lista é muito mais longa do que esta, mas uma coisa é certa: ao contrário da Igreja norte-americana, em que a questão homossexual e de género é também um tema teológico e pastoral, na Igreja Católica europeia, a questão homossexual ainda é tabu e, enquanto tal, torna-se alvo de investigações que escandalizam. Seria difícil imaginar na Itália uma mesa redonda (e transmitida pela televisão pública) como a que foi organizada em 2003 pela universidade dos jesuítas, a Boston College, com dois importantes jornalistas católicos e abertamente gays como David Morrison e Andrew Sullivan[1] moderados pelo vice-reitor da universidade.
Para a Igreja norte-americana era o período do despertar de novo, depois do choque do escândalo dos abusos sexuais de 2002. A Igreja europeia e a italiana estão hoje nesse mesmo estado de crise. "Ecclesia semper reformanda" também significa "jamais desperdiçar uma crise".
[1] O blogue de cultura e de política de Sullivan, The Daily Dish, é um dos mais lidos nos EUA e, por bons motivos, está no site da revista The Atlantic
The Daily Dish
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