‘Não me tornei padre para me meter na cama das pessoas’
“A hierarquia não aceita perder o poder e quer meter-se na cama das pessoas. Eu não me tornei padre para me meter na cama das pessoas”, afirma o padre argentino Eduardo de la Serna sobre a polémica que envolve o projecto de lei que permite o casamento civil para pessoas do mesmo sexo. O cardeal Jorge Bergoglio invocou a ‘Guerra de Deus’ contra o projecto e alguns sacerdotes passaram a contestar a posição da hierarquia qualificando-a de atrasada e autoritária.
Primeiro foi um padre de Mendoza, Vicente Reale, que no canal 9 da Província manifestou apoio ao projecto aprovado na Câmara dos Deputados. Justificou o apoio utilizando argumentos jurídicos e religiosos. “Aqueles que possuem determinada convicção, seja religiosa ou não, podem defendê-la, mas não têm o direito de condenar ou obrigar os outros a segui-la, prejudicando a terceiros”, disse no seu comentário semanal televisivo.
Logo depois, um grupo de padres cordobeses criticaram fortemente a hierarquia da Igreja. A esses somou-se um grupo de sacerdotes bonaerenses liderados por Eduardo de la Serna, que trabalha nos bairros de Quilmes. Representam uma outra Igreja: a que trabalha diariamente com os mais pobres e os mais discriminados. Agora, começam a pronunciar-se a favor da inclusão das minorias sexuais.
“Antonio Marino, da Câmara dos Deputados, disse que a Igreja pode sugerir, mas não pode pretender impor o seu ponto de vista”, destacou De la Serna. “A Igreja não deve também fazer leituras fundamentalistas, como pode dizer que a Bíblia apenas fala de homens e mulheres quando fala de amor? E o que iria dizer? Iria falar de andróginos, hermafroditas e travestis? A Bíblia foi escrita em determinado contexto cultura e esse contexto muda. Deus fala através da cultura, a sua palavra não é uma norma dada”, diz De la Serna.
O comentário chega num momento em que a hierarquia da Igreja Católica organiza manifestações em todo o país contra o projecto de lei que permite o casamento civil para pessoas do mesmo sexo. “Falamos sempre da importância do diálogo na Igreja, mas agora aparece um hierarca (o cardeal Jorge Bergoglio) a falar da ‘guerra de Deus’. Parece uma cruzada como na época da Inquisição, como se estivéssemos na Idade Média”, disse De la Serna. Em seguida comenta: “Uma atitude tão violenta… para mim enganaram-se no século”, diz.
Entre as contradições que este padre vê na cúpula eclesiástica está o valor, a norma superior que é a consciência para os católicos. “E nesse caso não se respeita a consciência dos deputados e senadores, a Igreja pressiona-os”, destaca. Na sua opinião a cúpula da Igreja está preocupada por estar a perder poder. “Estavam acostumados a pôr e a tirar ministros, a instaurar leis”, disse.
De la Serna recebeu adesões de párocos de vários pontos da Província bonaerense. Por exemplo: San Isidro, Moreno e Lomas de Zamora.
“Se para a Igreja o casamento civil não é válido, qualquer católico que se encontra nessa situação é um pecador… então, porque está preocupada em debater e em legislar sobre o casamento religioso para gays e lésbicas?”, argumenta De la Serna e imagina o caos que seria se outras religiões seguissem o exemplo da Igreja Católica. “Voltar-se-ia ao regime teocrático no país”.
Em meados de Junho realizou-se uma manifestação em Córdoba que convocou três mil pessoas que pediam aos senadores dessa Província votarem contra o projecto de casamento para pessoas do mesmo sexo. Como resposta a esta situação, o sacerdote Nicolás Alessio divulgou junto a outros 11 colegas do Grupo de Sacerdotes Enrique Angelelli um documento ‘Apoio ao debate sobre a modificação da lei de casamento civil’. No documento critica-se o “fundamentalismo anacrónico de quem cita a Bíblia para justificar os seus próprios preconceitos”.
“Convocam uma guerra santa com os mesmos argumentos medievais que utilizavam para queimar vivas as bruxas. No fundo, a Igreja pretende ser a reitora não apenas da consciência das pessoas, mas de tudo, da economia, da política, do social. Desde a conquista espanhola até hoje, definem o bem e o mal, o que se pode e não se pode fazer. É lógico que não querem perder o poder, querem ser a única voz autorizada para definir o caminho, mas, cedo ou tarde, a sociedade irá separar a Igreja do Estado”, vaticina o sacerdote.
Agora, a cúpula da Igreja vem a público dizer o que pensa. “E dizem-no com todas as letras: que a homossexualidade é uma doença, um desvio perigoso que leva à maldade”, diz o padre e adverte: “Nestes dias pode acontecer qualquer coisa, o bispo de Córdoba ameaça excomungar os senadores que votem a favor de alargar o casamento. Fizeram o mesmo quando se debatia o divórcio, mas no final não excomungaram ninguém”.
De la Serna, assim como Alessio, suspeita que no fundo o tema não interessa aos clérigos locais, mas que podem “fazer carreira” com isto. “A linha mais dura é a que vem do Vaticano e muitos querem aparecer como guardiões da fé”, diz Alessio. “Sonham conseguir um cargo no Episcopado”, completa De la Serna, que insinua que o mais preocupante é que os bispos, neste tema, têm mais respostas do que perguntas. Os que não protestam, calam. “Como o bispo Jorge Casaretto, que disse que não é um tema importante: uma atitude covarde e hipócrita”, disse Alessio.
Por outro lado, muitos dos ferrenhos opositores estão em cargos burocráticos, longe das ruas e também dos fiéis. “Eu vejo as coisas como as pessoas vivem e sofrem. Se fizer a sua acção pastoral desde o escritório, isso torna-se complicado. Não se tem ideia do que se passa pela cabeça das pessoas”, diz De la Serna.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34258
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34258
Sem comentários:
Enviar um comentário