O Dualismo Material-Espiritual
Um outro dualismo associado à visão tradicional da experiência religiosa é o dualismo matéria-espírito. É comum afirmar-se que a experiência religiosa pertence à esfera espiritual e não à esfera material. Mas o que se entende exatamente por "espiritual"? Tradicionalmente, o "espiritual" é uma dimensão do ser humano radicalmente diferente do material. O espírito é praticamente identificado com a alma, e a matéria com o corpo. Por isso, a experiência religiosa é fundamentalmente de natureza espiritual e tem lugar na alma, embora, dada a união profunda das duas dimensões do ser humano, ela se manifeste visivelmente no corpo material. A teologia cristã tem sempre afirmado a indivisa natureza do ser humano, mesmo afirmando a distinção entre corpo e alma. Mas parece ser a categoria antropológica de relação a que melhor permite entender a experiência religiosa do ser humano enquanto unidade corpo-alma.
O teólogo Joseph Ratzinger considera na sua obra “Introdução ao Cristianismo”que numa linguagem histórica e atualizada, contraposta a uma linguagem mais tradicional e metafísica, a expressão "ter alma", poderá ser substituída, numa linguagem mais atual, pela expressão "ser objeto de uma especial relação com Deus":
«Ter alma espiritual quer dizer exatamente ser quisto, conhecido e amado de modo especial por Deus; ter alma espiritual significa ser-se alguém que é chamado por Deus para um diálogo eterno e que por isso, é capaz, por sua vez, de conhecer Deus e de Lhe responder. Aquilo a que, numa linguagem mais substancialista, chamamos 'ter alma, passamos a chamar, numa linguagem mais histórica e atual, “ser interlocutor de Deus”.
Ratzinger rejeita claramente a metafísica dualista da filosofia grega por estar pouco de acordo com a conceção antropológica bíblica. Por conseguinte, o autor não concebe a existência dos dualismos tradicionais, corpo-alma, matéria-espírito, natural-sobrenatural, em sentido estritamente substancialista. De acordo com Ratzinger: «é impossível, em última analise, fazer uma distinção clara entre 'natural' e 'sobrenatural'; o diálogo fundamental, que em primeiro lugar constitui o ser humano enquanto tal, passa a ser, sem rutura, diálogo da graça, que se chama Jesus Cristo».
Nota: Esta transcrição omitiu as notas de rodapé e adotou o novo acordo ortográfico.
Alfredo Dinis, in Religiosidade - O seu caráter irreprimível - Perspetivas contemporâneas, ed. Faculdade de Filosofia, UCP, Braga
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