Artigo homófobo na Revista da Ordem dos Médicos
Então a história conta-se assim:
O senhor William H. Clode começa por elaborar a propósito do sentido do sexo – supostamente “um sentido primordial para a perpetuação das espécies; uma súmula dos cinco sentidos ainda não devidamente esclarecido”. Compara-o, nesta medida, ao “chamado ponto G (...) conhecido há poucas décadas e não estando definido como órgão, uma localização a partir da qual se desencadeiam os orgasmos (...).
Se continuarmos a ler as reflexões do senhor William H. Clode recebemos uma aula de Introdução à Genética, onde nos é explicada a forma como as características são transmitidas à descendência, dando como exemplo o caso do daltonismo, uma doença associada ao cromossoma X. Para resumir, e porque a lição do já referido senhor até nem está mal explicada, basta dizer que se um homem tiver no seu cromossoma X o gene para a percepção da cor alterado então esse homem será daltónico; para uma mulher ser daltónica terá de ter alterados os genes para a percepção da cor em ambos os seus cromossomas X. Utilizando, então, este exemplo, o senhor Clode vai mais longe, sugerindo a “existência semelhante numa situação relativa aos outros sentidos: olfacto, audição, paladar e tacto”, não se esquecendo, no entanto, de nos voltar a recordar a existência do tal “sentido do sexo”. “Na natureza o daltonismo do sentido do sexo pode existir como o daltonismo de outros sentidos”. Diga-se, em abono da verdade, que o próprio senhor Clode reconhece que “o daltonismo dos sentidos está ainda por ser identificado e estudado”. Ora já se está a ver onde é que o senhor Clode começa, lentamente, a querer chegar. Tem uma mente um bocadinho tortuosa, começa a querer-me parecer...
O senhor Clode, teve entretanto, um ano para continuar a relectir sobre este assunto. Embora reconheça a influência dos ecossistemas (será que ele sabe o que é isto?) e do “meio cívico e cultural na organização da educação tão importante na transmissão de conhecimentos e de hábitos”, o senhor Clode conclui que “os Genes (com maiúsculas dele) definem o SER” e que “nós somos o que os genes nos destinaram”. Começa agora a falar dos desvios à norma, referindo que “a alteração dos genes individuais podem não significar doença, mas resultam num desvio do normal”. Vem aí matreirice, ou é impressão minha? Fala-nos então da forma como os desvios podem, ou não, ser facilmente corrigidos ou como podem, ou não, pôr em causa a actividade do ser de acordo com as disfunções resultantes desse desvio do normal. Mas, sejamos honestos, também nos informa que “os estudos genéticos são relativamente recentes, minuciosos e morosos pelo que, por agora, só podemos admitir hipóteses e não dissertar sobre certezas”. O que para o senhor Clode significa, parece-me óbvio, que se pode então dizer e escrever qualquer disparate sobre estes assuntos, uma vez que a Ciência não pode, nem provar, nem contrariar. Ai, ai senhor Clode! Mais uma matreirice! Ou começa a ser pior que isso?
E pronto! A partir daqui, é uma diarreia mental! Afinal, para o senhor Clode, o daltonismo do sexo é mesmo uma evidência, sendo o que recebe mais estímulos de todos os restantes, primordial e complexo e, é claro, dependendo da constituição genética de cada ser. Assim sendo, e porque os genes definem o masculino e o feminino, para este senhor é óbvio que os machos e fêmeas distinguem-se não só pela morfologia que aparentam, mas também pelos seus comportamentos. Mas, não nos esqueçamos que já tínhamos sido alertados para a questão dos desvios ao normal e, portanto, não nos espantemos com o que nos é dito de seguida e que, no fundo, era a tão desejada meta a alcançar pelo senhor William H. Clode: “Os desvios da genética levam a alterações com vários graus de diferenciação (...) desde as mais discretas às mais descaradamente evidentes. A Sociedade em geral é testemunha das alterações genéticas definidoras do sexo e classifica os seres com essas aberrações como homossexuais (...). A sociedade homossexual diferencia-se da heterossexual pelos gestos, pela fala, pela indumentária, pelos gostos e por manifestações subtis que identificam um comportamento”. Afinal, quer-me parecer que o senhor Clode não se fica pela matreirice... Há mais: “os homossexuais estimulam-se individualmente e, entre si se associam, organizando-se como se os genes não estivessem alterados”, “no daltonismo sexual há uma segunda pessoa, igualmente daltónica”, “as condutas sexuais aberrantes embora respeitadas são repugnantes quando desvirtuadas e sujeitas a uma higiene degradante”.
Mas congratulemo-nos! O senhor Clode não é daqueles que se limita a identificar o problema! Não! Ele apresenta-nos soluções: tendo em conta que a genética, por enquanto, não consegue corrigir-se a si própria, o senhor Clode aborda a questão através de “correcções [que] feitas pela educação fazem parte de ambicioso programa atribuído à epigenética”.
E está contada a história que, na realidade, não é mais do que a tentativa completamente distorcida, sem qualquer tipo de base científica de, mais uma vez, atribuir à homossexualidade uma causa genética. E não é a questão da base genética que me faz comichão... Nenhum. O problema é a homofobia mais que latente num artigo de opinião escrito pelo Dr. William H. Clode, Chefe de serviço Hospitalar no Instituto Português de Oncologia, e publicado pela Revista da Ordem dos Médicos em Janeiro de 2011.
Carlos Pereira
Nota do moradasdedeus:
nos "Documentos em destaque no blogue" pode ler-se a totalidade do artigo de opinião do Dr. Clode (que, esperamos, seja mais assertivo enquanto médico do que enquanto "opinador"). Pode ser lido também aqui.
nos "Documentos em destaque no blogue" pode ler-se a totalidade do artigo de opinião do Dr. Clode (que, esperamos, seja mais assertivo enquanto médico do que enquanto "opinador"). Pode ser lido também aqui.
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