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A diversidade na Igreja

"A casa do meu Pai tem muitas moradas", diz-nos Jesus no evangelho.

A unidade na diversidade não é sempre aparente na Igreja enquanto povo de Deus, mas é uma realidade em Deus e uma presença na fé cristã desde a sua origem. A Palavra de Deus não é partidária, elitista e exclusiva. O Reino de Deus é como uma árvore que estende os ramos para dar abrigo a todos os pássaros do céu. Cristo não morreu na cruz para salvar uma mão cheia de cristãos. Até o Deus Uno encerra em si o mistério de uma Trindade.

A Palavra de Deus é inequívoca e só pode levar à desinstalação, à abertura ao outro, e a recebê-lo e amá-lo enquanto irmão ou irmã. Ninguém fica de fora, nem mesmo - se tivessemos - os inimigos.

Muitos cristãos crêem nesta Igreja, nesta casa do Pai, corpo de Cristo, templo do Espírito Santo. Mas como esquecer que muitos se sentem "de fora" por se verem rejeitados, amputados e anulados, e afastam-se por ninguém lhes ter mostrado que há um lugar para cada um, com a totalidade do seu ser?

Um blogue para cristãos homossexuais que não desistiram de ser Igreja

Porquê este blogue?

Este blogue é a partilha de uma vida de fé e é uma porta aberta para quem nela quiser entrar. É um convite para que não desistas: há homossexuais cristãos que não querem recusar nem a sua fé nem a sua sexualidade. É uma confirmação, por experiência vivida, que há um lugar para ti na Igreja. Aceita o desafio de o encontrares!

Este blogue também é teu, e de quem conheças que possa viver na carne sentimentos contraditórios de questões ligadas à fé e à orientação sexual. És benvindo se, mesmo não sendo o teu caso, conheces alguém que viva esta situação ou és um cristão que deseja uma Igreja mais acolhedora onde caiba a reflexão sobre esta e outras realidades.

Partilha, pergunta, propõe: este blogue existe para dar voz a quem normalmente está invisível ou mudo na Igreja, para quem se sente só, diferente e excluído. Este blogue não pretende mudar as mentalidades e as tradições com grande aparato, mas já não seria pouco se pudesse revelar um pouco do insondável Amor de Deus ou se ajudasse alguém a reconciliar-se consigo em Deus.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Alargar o abraço

As quatro vias para a espiritualidade cristã contemporânea de Etty Hillesum
parte III

Um espírito ecuménico

Uma forma de o espírito contemplativo ser forjado é o recurso às tradições de outras religiões. Etty tinha um vasto e inclusivo espírito ecuménico. Na sua busca, ela atravessava, sem qualquer consciência disso, as fronteiras que a separavam de outras tradições religiosas. O seu exemplo ajusta-se ao inquiridor moderno que não se preocupa com a fonte de onde provém a sabedoria (embora a Igreja possa preocupar-se). Etty quebra o nosso nervosismo, dizendo-nos: alargai os vossos horizontes.

Aqueles dentre nós que pertencem à Igreja cresceram dentro das fronteiras da «nossa» fé, em contraposição com a fé de outros: judeus, muçulmanos, hindus, budistas e sikhs. Foi assim que nos ensinaram a pensar. Há uma longa e sangrenta história de medo e desconfiança entre as tradições de fé do mundo, dos cruzados e do colonialismo e o conflito inter-religioso. E isto ainda se mantém, apesar de mudanças e avanços significativos em termos de diálogo e de entendimento nos últimos anos. Não obstante, nós continuamos a pensar apenas em termos da «nossa» fé, observando mentalmente as suas fronteiras. Isto é compreensível, pois cada tradição religiosa tem as suas próprias narrativas e símbolos, que brotam da sua própria história e contexto particulares. Assim, cada tradição religiosa é diferente, e tais diferenças precisam de ser respeitadas. Esta abordagem, porém, também pode ser demasiado restritiva. Nós continuamos a ter uma ignorância profunda acerca das outras tradições religiosas, e permanecemos desconfiados e tímidos, receosos de ultrapassar as fronteiras para aprender com elas.

Etty Hillesum não tinha nenhum problema deste tipo. A ideia teológica mais fundamental para ela residia na raiz da tradição judaica: todos os seres humanos transportam a imagem de Deus dentro de si, por muito escondida e esquecida que essa imagem possa estar; todos são criados para se irem tornando cada vez mais semelhantes a Ele.

Portanto, não existem fronteiras, e tudo o que nos possa ajudar a desenterrar esse Deus oculto do nosso coração deve ser valorizado e apreciado... seja qual for a sua proveniência. Assim, incentivada por Spier, Etty ia lendo o Novo Testamento; mergulhou nos Evangelhos, sobretudo de Mateus, sem consciência aparente de que pertencessem a uma tradição «diferente»; regressou uma e outra vez a Santo Agostinho «tão austero, tão fervoroso e tão cheio de simples devoção nas suas cartas de amor a Deus»; citava continuamente «o judeu Paulo», que deixara para trás a sua identidade judaica - mas isso não a incomoda: foi o seu cântico ao amor, na sua carta aos Coríntios, que trabalhou nela «como uma vara divinizante». O seu maior amor era Rilke, que escreveu o Livro das Horas, na pessoa de um monge ortodoxo russo. Quando, à sua chegada a Westerbork, a sua malinha foi revistada, encontraram aí, lado a lado, o Alcorão e o Talmude; além disso, durante o seu último ano de vida, Etty leu muitas obras de Mestre Eckhart.

Tal como o monge cisterciense Thomas Merton, que acolheu e abraçou conceitos inspirados do budismo zen e da tradição sufi, Etty chama-nos a tomar consciência de que as intuições das diversas tradições religiosas se cruzam e complementam nas profundezas do coração do contemplativo onde se dá a adoração daquele que está para lá de todos os nomes.

Um convite a ver

Terceiro, a história de Etty quebra a forma fácil como nós falamos e nos confrontamos - ou não nos conseguimos «confrontar» (pois esta palavra sugere olharmo-nos de frente) - com o nosso inimigo. Tal como entendemos o conflito primordial do nosso tempo, Etty convida-nos a ultrapassar abismos de desentendimento do nosso mundo e a explorar aquilo que pode estar implicado no ver, abrindo assim caminho para a justiça e a reconciliação.

(...) Como judia da Holanda, em 1941, Etty foi confrontada com um inimigo cego por uma terrível ideologia de pureza racial ativada pelo ódio, e que tinha por objetivo destruir o seu povo.

Hoje em dia, o mundo ocidental confronta-se com um inimigo terrorista cujo terrorismo é impelido por uma ideologia religiosa profundamente distorcida. Esta encerra em si um ódio profundo pelo mundo ocidental, de modo particular pela América. Esse ódio deu azo a terríveis atos de violenta destruição contra cidadãos de países ocidentais. E, como reação, suscitou o medo.

A forma como Etty reagiu à sua realidade interpõe-se às formas pelas quais nós podemos reagir à nossa, pondo-as em questão. Primeiro, Etty recusou-se a odiar o seu inimigo. Trata-se, por si só, de uma postura perturbadora, pois significa que temos de repensar a nossa. Recusar-se a odiar é, em última análise, recusar-se a ver alguém, ou um grupo de pessoas - que são manifestamente um inimigo votado à nossa destruição - comoum «inimigo». É viver com este paradoxo e implica - mesmo que o nosso país se defenda do seu ódio - tentar prestar atenção ao contexto mais vasto e mais complexo das suas vidas, e perguntar, de forma inquisitiva, porque é que eles estão, e porque é que nós estamos, enredados nesse ódio? Quem somos nós para eles, e quem são eles para nós?

[Ver] o inimigo como ser humano

Apesar da compreensão clara daquilo com que se estava a confrontar, Etty esforçou-se por ver aqueles que a perseguiam como seres humanos. Olhou no rosto o jovem oficial da Gestap, «digno de dó», que a ameaçou junto ao balcão dos registos, e tentou estabelecer ligação com a sua humanidade; perscrutou os rostos dos guardas grosseiros na esperança de detetar o mínimo vislumbre de vida dentro deles. Muito raramente, o seu olhar era recompensado. Liesl, uma amiga de Etty, conta que um soldado alemão a quem esta encontrou na rua, lhe meteu um papel na mão dizendo-lhe que ela lhe fazia lembrar a filha de um rabino de quem ele, o soldado alemão, tratara, e que gostaria de visitá-la. Foi um pequeno raio de luz no meio da escuridão do ódio. Etty escreveu: «Do meio de todos aqueles uniformes, um deles agora recebeu um rosto. Haverá ainda outros rostos, nos quais poderemos ver qualquer coisa compreensível...» Um uniforme que agora recebeu um rosto.

Foi uma maravilhosa exceção. No meio da carnificina da guerra, Etty continuava a procurar rostos. «Tento olhar de frente para o rosto das coisas», escreveria ela, «até dos piores crimes, e descubro o pequeno ser humano nu por entre os destroços monstruosos causados pelos atos desvairados dos homens» .

No meio dos destroços monstruosos das atrocidades que experimentámos - os terríveis «atos desvairados» que moldaram os acontecimentos deste novo século - é muito duro para nós ver os autores de tais atos como «pequenos» e «nus» - isto é, vulneráveis e «humanos». Contudo, em todos os conflitos e ataques, é sempre a realidade mais profunda que se deve procurar. Oculta atrás do rosto distorcido daqueles que cometem atos tão monstruosos, há, algures, um pequeno ser humano vulnerável. Etty sabia que o mal, em última análise, é apenas uma máscara, uma grosseira distorção que pode obscurecer por completo o verdadeiro rosto da pessoa subjacente, mas, no entanto, continua a ser apenas uma máscara.«Ninguém - insistia Etty, dirigindo-se a Klaas - é verdadeiramente "mau" no seu ser mais profundo.» No dia em que não conseguiu ver um rosto no comandante que estava a enviar mil judeus para a morte, mas apenas «uma longa e fina cicatriz», Etty não se rendeu a essa convicção. Ela nunca perdeu a esperança de ver - através dos abismos da guerra - o rosto de outro que também seja humano. Tal como nós, também eles são portadores da imagem divina, por muito alterada e oculta que possa estar, por isso, são pessoas a quem nós pertencemos.

Remover da mente o rótulo de «inimigo» é como remover as persianas de uma janela e deixar a luz entrar. Se não os quisermos odiar, então, talvez comecemos a vê-los. Aqueles que desejam destruir-nos são seres humanos. Têm histórias para contar, e famílias e comunidades de onde provêm, tal como nós. Tal como nós, foram moldados pelos seus próprios contextos pessoais e sociais muito particulares. As suas fidelidades, costumes e tradições fazem deles aquilo que eles são. E também têm desgostos, injustiças e humilhações - por vezes terríveis - com que se confrontar.

Esta remoção das persianas permitiu a Etty, no seu tempo, ver a guerra à escala humana, (des) construindo assim a sua mitologia.

Embora teimosamente centrada na pessoa, ela também reconheceu que as guerras e os conflitos são maiores do que os indivíduos. As pessoas são arrebatadas por sistemas que as devoram: «...não podemos extravasar o nosso ódio sobre os indivíduos - escreveu ela -, a culpa não é de ninguém, o sistema assumiu o controlo...» Com isto Etty queria dizer que a ideologia nazi que envenenara a mente coletiva de um povo inteiro «...uma estrutura ameaçadora capaz de cair sobre nós, esmagando-nos a todos, tanto os que interrogam como os que são interrogados».

Este fenómeno também nos convida a ver e a compreender: a desconstruir sistemas coletivos de pensamento - incluindo o nosso - e a perguntar como e por que razão eles surgiram, e o que está subjacente a eles. As pessoas de ambas as partes dos conflitos podem ficar cegas. Tudo isso só é possível se não houver ódio, pois só assim podemos ser suficientemente desapaixonados para ter alguma probabilidade de ver.

Quando os alemães invadiram a Holanda e a perseguição começou, o ódio passou a ser a moeda corrente de cada conversa entre os judeus, de tal modo que eles já não podiam ver, só podiam odiar. Não conseguiam «apreender as tendências principais», «sondar correntes subterrâneas», não conseguiam perguntar «Porquê?». E os amigos de Etty não queriam fazê-lo. Preferiam o caminho mais fácil. Mantinham as persianas fechadas e só falavam de ódio - tudo muito «claro e muito feio».

Quando nos apercebemos da intensidade da paixão de Etty por desvelar a verdade, o leitor do Novo Testamento é recordado das palavras que se repetem uma e outra vez como um suave e insistente convite dirigido ao leitor, no início do Evangelho de João: «Vinde... e vede.»

Nota: Esta transcrição omite as notas de rodapé.
por Patrick Woodhouse, In Etty Hillesum - Uma vida transformada, ed. Paulinas
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Porque estou aqui

Sinto-me privilegiado por ter encontrado na Igreja um lugar vazio, feito à minha medida. É certo que tê-lo encontrado (ou encontrá-lo renovadamente, pois não é dado adquirido) foi também mérito da minha sede, do meu empenho, de não baixar os braços e achar, passivamente, que não seria possível. Passo a contextualizar: a comunidade onde vou à missa é pequena e acolhedora, e podia bem não o ser. Ao mesmo tempo, sentia um desejo grande de reflexão de vida cristã e encontrei um casal (heterosexual) que tinha a mesma vontade. Começámo-nos a reunir semanalmente numa pequena comunidade de oração e reflexão que, apesar de crítica, nos tem ajudado a sermos Igreja e a nela nos revermos. Paralelamente, face ao contínuo desencanto em relação a algumas posturas e pontos de vista de uma Igreja mais institucional e hierárquica, tive a graça de encontrar um grupo de cristãos homossexuais, que se reuniam com um padre regularmente, sem terem de se esconder ou de ocultar parte de si.

Sei que muitos cristãos homossexuais nunca pensaram sequer na eventualidade de existirem grupos cristãos em que se pudessem apresentar inteiros, quanto mais pensarem poder tomar parte e pôr em comum fé, questões, procuras, afectos e vidas.

Por tudo isto me sinto grato a Deus e me sinto responsável para tentar chegar a quem não teve, até agora, uma experiência tão feliz como a minha.

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