Um tabu nas sociedades ocidentais
No ar dos nossos dias aparece às vezes, mas é logo removido, o medo do fracasso. As grandes palavras como esperança e confiança, sobretudo no espaço cristão, parecem proibir a possibilidade de ler um acontecimento ou a própria vida como um fracasso. Esta parece-me ser uma doença espiritual do nosso tempo: habituados a procurar o sucesso, a aprovação dos outros, comprometidos em tarefas "boas" e conformes ao Evangelho, deixámos de ser capazes de entrever a possibilidade de debilidade e do consequente fracasso.
Parece que nós, cristãos, temos já "as palavras prontas" para impedir a constatação do fracasso, e portanto de o dizer, e para o poder viver não como uma dor real, um acontecimento que nos pode colher na nossa longa vida. E todavia declaramo-nos discípulos de um mestre, um profeta, que conheceu como resultado da sua vida o fracasso: a recusa do povo, o abandono e a traição dos seus discípulos, uma morte na vergonha de quem é julgado como homem nocivo ao bem da humanidade, inclusive um endemoninhado, um louco, um homem falso. É surpreendente, portanto, que nós, cristãos, falemos facilmente e até a sorrir do «escândalo da cruz», mas sem nos sentirmos intrigados por ele, sem absolutamente pensar que esse poderia ser o destino que nos espera.
Contudo o sentido do fracasso não pode ser eliminado, e quando se conhecem não superficialmente alguns grandes testemunhos cristãos deve-se constatar que o fracasso foi vivido dramaticamente nas suas vidas. Porquê? Porque em cada pessoa está presente, até à sua profundidade, antes ainda do pecado, aquela que na tradição cristã é dita "infirmitas" ou, com sinónimos, "fragilitas" e "miseria". A "fragilitas", a debilidade, é a condição da nossa carne, se somos capazes de a ler, e quanto mais «o espírito está pronto», mais «a carne está fraca». A debilidade é em nós radical: somos frágeis e débeis até nos encontramos na miséria, somos inadequados a secundar o Espírito que em nós geme e suspira, e por esta debilidade somos forçados a cair, a fracassar.
Pode-se por isso fracassar na vida, inclusive na vida que se quer cristã, pode-se chegar ao pensamento de uma vida perdida, de uma vida que não se foi capaz de salvar. A vida passada aparece como farrapos de carne lacerada que deixou de ser integrável, deixou de poder estar disponível para ser a imagem de uma vida. A única certeza é que o silêncio que envolve o fracasso e a queda os preserva de se dispersarem no nada, de terem o destino de uma estrela num buraco negro do universo. Nasce-se e renasce-se, cai-se e levanta-se, recomeça-se sempre: o protagonista não sou eu.
A nada favorece a mentalidade mundana que pretende que se tenha sempre e só sucesso, reconhecimento, quase uma imparável ascensão! Na vida há também o fracasso, a queda, e quem chega a dizer que errou tudo deve ser escutado em silêncio e não ser consolado com palavras baratas. S. Bernardo chegará a exclamar: «Ó feliz, desejável fragilidade, repleta do poder de Cristo, que me permite não só ser frágil, mas também fracassar inteiramente por mim próprio, para ser tornado firme pelo poder do Senhor dos poderes. "O seu poder, com efeito, manifesta-se plenamente na minha debilidade"».
Verdadeiramente, a força de Deus encontra a sua medida na medida da nossa fragilidade. Mas aqui estamos já para além do fracasso, como Paulo, que chega a dizer: «Quando sou fraco, é então que sou forte». “Naufragium feci, bene navigavi”: não se o diz na tempestade, mas quando a tempestade termina e se aporta ao porto desejado ou, como quer que seja, ao cais que nos salvará."
Enzo Bianchi In "Monastero di Bose"
Tradução de Rui Jorge Martins publicada pelo SNPC a 12 de janeiro de 2017
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