Deus numa criança que brinca
«Quando a Beata Umiliana de'Cerchi jazia no seu leito por causa da doença, eis que uma criança de quatro anos ou pouco menos, de rosto belíssimo, se entregava à brincadeira precisamente na sua cela, diante dela. Quando a viu, experimentou grande alegria, acreditando que fosse um mensageiro do sumo Rei.
Dirigindo-lhe a palavra, disse: "Caríssimo menino, não sabes fazer mais nada a não ser brincar?". E a criança: "Que mais quer que faça?". A Beata Umiliana: "Desejo que tu me digas alguma coisa de belo sobre Deus". E a criança responde: "Acha que é bom e acertado que alguém fale de si próprio?"» (Ir. Vito da Cortona).
Esta deliciosa narrativa está presente na "Vida da Beata Umiliana de'Cerchi" (1219-46), escrita pelo Ir. Vito da Cortona e recolhida no volume "Escritoras místicas italianas" (1988).
A mística florentina acredita que naquele pequenino se esconde um anjinho, todavia é o próprio Deus que escolhe representar-se não só numa criança, mas numa criança que brinca.
Não nos esqueçamos que já no livro bíblico dos Provérbios (8, 30-31) a Sabedoria divina era representada como uma jovem que brincava no horizonte do mundo, deliciando-se e divertindo-se.
É sugestivo este apelo a reencontrar a capacidade de sorrir e o gosto da serenidade como dons divinos. Nas pequenas coisas pode aninhar-se uma centelha de felicidade superior a certos prazeres freneticamente perseguidos.
Até o acre sábio bíblico Qohélet repete sete vezes no seu livro que é necessário saber colher os pequenos frutos de alegria disseminados numa existência amarga e obscura.
Deus espera-nos, por isso, não tanto nas grandiosas epifanias de luz (embora por vezes aconteça também assim) mas no jogo quieto e sereno de uma criança, ou seja, na simplicidade, na pureza, no dia a dia. Um Deus que sorri e se alegra de modo límpido e normal.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
Tradução de Rui Jorge Martins para SNPC a 22 de dezembro de 2015
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