Aparentemente a compositora islandesa Björk é uma admiradora da obra deste compositor nascido na Estónia e residente em Berlim. Em 1997 foi convidada pela BBC para entrevistar Arvo Pärt no programa Modern Minimalism:
Para Björk, a música de Pärt contém tanto espaço que se pode entrar nela e nela viver. Usou também a comparação com a história do Pinóquio: de um lado parece existir uma voz humana a errar, a sofrer e a causar sofrimento, do outro a voz (do grilo) ocupada em consolar. Pärt fica contente com a alusão e acrescenta que uma das vozes é como a condutora de pecados e a outra a remissão (perdão) dos mesmos.
A música de Arvo Pärt é tão espiritual que quase sempre parece entrar na experiência mística. E desde os anos 70 é igualmente uma música que aparenta uma grande simplicidade - para alguns é até simplista. Pärt usa poucos elementos: "uma nota tocada de forma bela ou um momento de silêncio são já suficientes". A tríade (as três notas de um acorde) são a base das suas obras. Tal como um sino fica a ressoar, e não se sabe ao certo quando tocou, assim também as tríades são distribuídas por vozes ou instrumentos que vão entoando em diferentes oitavas estes sons e que se tornam quase imatéricos, incaracterizáveis e irreconhecíveis.
Em Passio, as vozes - Jesus (baixo solista), Evangelista (quarteto vocal de solistas), Pilatos (tenor solista) e Multidão e restantes personagens (coro) - são caracterizadas subtilmente: duração de notas (tempo mais lento ou mais rápido), dinâmica (forte ou piano), timbre e tecitura (Jesus tem a voz mais grave) e acorde ou modo que percorrem (cada elemento da narrativa é fiel à harmonia que o caracteriza; a linha melódica não se afasta dela: vai percorrendo-a para cima e para baixo, por nota mantida ou por saltos entre oitavas). O texto em latim é o fio condutor e é trabalhado com o detalhe de quem saboreia cada sílaba.
Com o recurso a poucos elementos, a música contém uma variedade notável, em que a dissonância e a consonância, o silêncio, a alternância de timbre e de registo, de solos, duetos, trios, quartetos ou coro vão construíndo uma textura que nada tem de simples mas que soa a simplicidade. O órgão funciona como pano de fundo a quase toda a obra - parece a folha de papel em que o Evangelho está escrito - e o quarteto de instrumentos dialoga com o quarteto vocal, sendo-lhe complementar ao interpretar aquilo que fica por dizer ou realçar o que é dito .
Eis um comentário à música que tive o prazer de escutar neste princípio de semana, e um desafio para que os nossos leitores descubram esta música incontornável e profundamente espiritual deste compositor que dá sons aos mistérios de Deus.
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